Uirá Machado
Folha de S.Paulo
Exercício especulativo: imagine que o relatório sobre rádios enviado pela campanha de Jair Bolsonaro (PL) ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) comprovasse prejuízo ao presidente nas inserções de propaganda eleitoral. O que aconteceria?
A pergunta é relevante porque, embora diversas reportagens tenham mostrado as fragilidades do material, o presidente prometeu insistir na reclamação, e bolsonaristas continuam alimentando o assunto em redes sociais, como se essa fosse a salvação para quem está em segundo lugar nas pesquisas.
O ministro Alexandre de Moraes, presidente do TSE, na abertura do encontro com observadores internacionais, em Brasília - Gabriela Biló - 29.set.22/Folhapress |
Pois bem, como hipótese, o que aconteceria se houvesse provas do alegado prejuízo?
Nada, provavelmente. Para começo de conversa, faz mais de década que a Justiça Eleitoral delimita em 48 horas, contadas da alegada irregularidade, o prazo para reclamações sobre emissoras de rádio ou TV que não tenham veiculado alguma propaganda.
Esse intervalo foi fixado em dois dias para evitar o que se convencionou chamar de "armazenamento tático", que ocorre quando uma campanha guarda denúncias contra o adversário para despejá-las de uma só vez na reta final da disputa.
Esse intervalo foi fixado em dois dias para evitar o que se convencionou chamar de "armazenamento tático", que ocorre quando uma campanha guarda denúncias contra o adversário para despejá-las de uma só vez na reta final da disputa.
A campanha de Bolsonaro, como se sabe, estourou esse prazo por muito tempo. Sua ação foi protocolada no dia 24, referindo-se a problemas que teriam ocorrido do dia 7 ao 14.
Ou seja, a menos que o TSE decidisse reformular uma prática antiga e conhecida, o processo aberto pelos advogados do presidente não produziria efeito nenhum.
Ainda como especulação, e se esse prazo fosse maior? E se a campanha tivesse 20 dias? O que aconteceria?
Nada, provavelmente. É que todo processo começa com a chamada petição inicial; e toda petição inicial, além de cumprir algumas formalidades, deve trazer um pedido, narrar os fatos que levam ao pedido e mostrar o fundamento desse pedido.
Uma analogia pode ajudar. Suponha que, por azar, alguém danifique o seu carro num acidente de trânsito. O que você faz? Você fotografa a placa do outro carro, anota o modelo e a cor, tenta pegar o nome do motorista, registra o dia e o local, acha testemunhas, câmeras de segurança etc.
Com tudo isso em mãos, você narra o que aconteceu a um juiz ("fulano cruzou a pista e bateu no meu carro"), cita o artigo do Código Civil que lhe garante a reparação (artigo 927) e faz o seu pedido ("quero R$ 50 mil, pois é custo da oficina, como mostra este orçamento").
Agora, se você parar diante de um juiz, sem detalhes, sem provas e sem testemunhas, e apenas disser "Bateram no meu carro, quero que o Lula me pague R$ 50 mil de reparação", tem uma boa chance de o magistrado não conseguir se controlar e dar risada na sua cara.
Pois foi mais ou menos isso o que a coligação bolsonarista fez. A petição inicial narra fatos de forma genérica, não apresenta provas nem detalhes sobre as rádios que teriam agido de forma irregular, pede soluções que não estão na lei e, como elas não estão na lei, não fundamenta o pedido.
Em resumo, após alegar prejuízo em rádios do Norte e do Nordeste, a campanha de Bolsonaro pediu a suspensão da propaganda de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas rádios de todo o Brasil e a instauração de um processo administrativo no TSE para apurar os fatos.
Só que não há na lei previsão para suspender a propaganda do adversário caso exista desequilíbrio nas inserções. O que o artigo 80 da resolução 23.610/2019 determina é que as emissoras irregulares corrijam a falha, encaixando, o quanto antes, as peças não veiculadas.
Daí por que é importante indicar as rádios de forma específica: para que, nos termos da lei, o TSE possa intimar representantes das emissoras para que se defendam ou cumpram a ordem do tribunal.
Quanto à instauração do processo administrativo, o mesmo artigo 80, além de nota técnica do TSE sobre o tema, estabelece que a responsabilidade de apurar esses fatos é das campanhas.
Do ponto de vista jurídico, a peça jamais poderia levar à cassação da chapa de Lula ou ao adiamento do segundo turno. Militantes bolsonaristas repetem essas hipóteses nas redes sociais, mas elas nem figuram entre as demandas da campanha.
Ou seja, a menos que o TSE decidisse reformular uma prática antiga e conhecida, o processo aberto pelos advogados do presidente não produziria efeito nenhum.
Ainda como especulação, e se esse prazo fosse maior? E se a campanha tivesse 20 dias? O que aconteceria?
Nada, provavelmente. É que todo processo começa com a chamada petição inicial; e toda petição inicial, além de cumprir algumas formalidades, deve trazer um pedido, narrar os fatos que levam ao pedido e mostrar o fundamento desse pedido.
Uma analogia pode ajudar. Suponha que, por azar, alguém danifique o seu carro num acidente de trânsito. O que você faz? Você fotografa a placa do outro carro, anota o modelo e a cor, tenta pegar o nome do motorista, registra o dia e o local, acha testemunhas, câmeras de segurança etc.
Com tudo isso em mãos, você narra o que aconteceu a um juiz ("fulano cruzou a pista e bateu no meu carro"), cita o artigo do Código Civil que lhe garante a reparação (artigo 927) e faz o seu pedido ("quero R$ 50 mil, pois é custo da oficina, como mostra este orçamento").
Agora, se você parar diante de um juiz, sem detalhes, sem provas e sem testemunhas, e apenas disser "Bateram no meu carro, quero que o Lula me pague R$ 50 mil de reparação", tem uma boa chance de o magistrado não conseguir se controlar e dar risada na sua cara.
Pois foi mais ou menos isso o que a coligação bolsonarista fez. A petição inicial narra fatos de forma genérica, não apresenta provas nem detalhes sobre as rádios que teriam agido de forma irregular, pede soluções que não estão na lei e, como elas não estão na lei, não fundamenta o pedido.
Em resumo, após alegar prejuízo em rádios do Norte e do Nordeste, a campanha de Bolsonaro pediu a suspensão da propaganda de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas rádios de todo o Brasil e a instauração de um processo administrativo no TSE para apurar os fatos.
Só que não há na lei previsão para suspender a propaganda do adversário caso exista desequilíbrio nas inserções. O que o artigo 80 da resolução 23.610/2019 determina é que as emissoras irregulares corrijam a falha, encaixando, o quanto antes, as peças não veiculadas.
Daí por que é importante indicar as rádios de forma específica: para que, nos termos da lei, o TSE possa intimar representantes das emissoras para que se defendam ou cumpram a ordem do tribunal.
Quanto à instauração do processo administrativo, o mesmo artigo 80, além de nota técnica do TSE sobre o tema, estabelece que a responsabilidade de apurar esses fatos é das campanhas.
Do ponto de vista jurídico, a peça jamais poderia levar à cassação da chapa de Lula ou ao adiamento do segundo turno. Militantes bolsonaristas repetem essas hipóteses nas redes sociais, mas elas nem figuram entre as demandas da campanha.
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