24 de maio de 2025

Estamos sendo explorados até a morte pelo capital

Longas jornadas de trabalho matam mais de 700 mil pessoas por ano, mesmo com milhões de pessoas sem emprego suficiente para sobreviver. A irracionalidade do capitalismo tem um preço humano.

Alex N. Press

Jacobin

Não apenas o tempo pessoal, mas também os espaços pessoais estão sendo colonizados pelo trabalho. (Victoria Heath / Unsplash)

Longas jornadas de trabalho matam mais de 700 mil pessoas por ano, mesmo com outras milhões de pessoas sem emprego ou trabalho suficiente para sobreviver. A irracionalidade do capitalismo está cobrando seu preço humano.

Recentemente, me deparei com um pôster com um nome difícil de lidar. Ele está listado na Amazon e no Etsy como “Hustle Weekly Schedule Canvas Print Motivational Wall Office Decor Modern Art Entrepreneur Inspirational Rise Grind Entrepreneurship Success” [Pôster Cronograma Semanal de Trabalho Motivacional, Decoração Moderna para Escritório, Inspiração para Empreendedores, Acordar e Trabalhar Duro, Mentalidade de Sucesso].

O nome SEO não é fácil de pronunciar, mas transmite a essência do objeto. É uma impressão retangular — uma versão de 36 x 24 polegadas custa US$ 120 na Amazon — com texto preto sobre fundo branco. “CRONOGRAMA SEMANAL” está escrito na parte superior. “Levante-se e trabalhe 24 horas por dia, 7 dias por semana” vem em letras menores abaixo, seguido de “Nova semana, novas metas!”. Abaixo, vem o cronograma, que diz o seguinte:

Segunda-feira: TRABALHO INTENSO

Terça-feira: TRABALHO INTENSO

Quarta-feira: TRABALHO INTENSO

Quinta-feira: TRABALHO INTENSO

Sexta-feira: TRABALHO INTENSO

Sábado: TRABALHO INTENSO

Domingo: TRABALHO INTENSO

Na parte inferior, há uma linha em letras miúdas: “Você não pode ter o sonho de um milhão de dólares com uma ética de trabalho de salário mínimo”.

Me deparei com esta decoração enquanto fazia uma das minhas frequentes pesquisas na internet sobre a cultura do trabalho intenso, um mundo de pessoas se convencendo a trabalhar mais e por mais tempo. A rotina semanal de trabalho intenso pode ser cômica em sua aceitação sorridente da autoexploração, e muitas pessoas a achariam ridícula, mas também é um reflexo de como as demandas do trabalho são vivenciadas por um número cada vez maior de pessoas: constantes, com fins de semana inexistentes e um segundo e terceiro empregos sendo uma necessidade.

O tempo de trabalho está se expandindo para todos os cantos da vida das pessoas e está matando centenas de milhares delas a cada ano.

Essa é a conclusão de um novo relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que analisa os índices de saúde de pessoas que trabalham cinquenta e cinco horas ou mais por semana. As organizações analisaram dados de todo o mundo e descobriram que, em 2016, trabalhar cinquenta e cinco horas ou mais por semana resultou em 745.194 mortes, acima das aproximadamente 590.000 em 2000. Dessas mortes, 398.441 são atribuíveis a derrames e 346.753 a doenças cardíacas. Isso coloca aqueles que trabalham essas horas em um risco estimado de 35% maior de derrame e 17% maior de doenças cardíacas em comparação com pessoas que trabalham de trinta e cinco a quarenta horas por semana. Homens e adultos de meia-idade são particularmente expostos, e o problema é mais prevalente no Sudeste Asiático.

Quanto aos efeitos nocivos do excesso de trabalho sobre nós, o relatório identifica dois caminhos. Para alguns, o estresse do excesso de trabalho pode fazer com que o corpo libere hormônios do estresse em excesso, que desencadeiam problemas cardiovasculares. Para outros, o estresse pode levar a hábitos pouco saudáveis, como fumar, beber em excesso, má alimentação, falta de exercícios e sono ruim, que por sua vez contribuem para o risco cardiovascular.

A prevalência do problema torna o excesso de trabalho mais perigoso do que outros riscos ocupacionais. A exposição a agentes cancerígenos mata menos pessoas do que uma longa semana de trabalho. Certamente não é a única forma de o trabalho matar — mortes no trabalho ainda ceifam muitas vidas em todo o mundo —, mas é um problema crescente. Muitos de nós estamos expostos à exaustão: em 2016, 8,9% da população global, cerca de 488 milhões de pessoas, trabalhavam pelo menos 55 horas por semana.

Por que estamos trabalhando até a morte? A expansão da gig economy e o declínio do trabalho estável — e a redução do poder dos trabalhadores que resulta e deu origem ao chamado trabalho gig — são os principais responsáveis.

Nas décadas que se seguiram à Revolução Industrial, houve uma tendência de queda no número médio de horas trabalhadas, ainda que essa tendência tenha sido observada de forma desigual ao redor do mundo e entre segmentos da classe trabalhadora. Grande parte disso se deve aos esforços dos próprios trabalhadores para assumir o controle de suas vidas. “Se você ama o fim de semana, agradeça a um sindicato”, como dizem.

O martírio dos radicais em Haymarket, em 1886, ocorreu em um comício pela jornada de oito horas, por exemplo, que se seguiu a décadas de esforços para impor os primeiros limites à jornada de trabalho, bem como ao trabalho infantil. Como disse Samuel Gompers, o primeiro presidente da AFL-CIO, durante a luta pela jornada de oito horas: “Por mais que discordem em outros assuntos […] todos os trabalhadores […] podem se unir em torno disso.”

Mas, nos últimos anos, a tendência de redução da jornada de trabalho foi interrompida e, em alguns casos, revertida. Um relatório da OIT de 2018 constatou que houve uma bifurcação na jornada de trabalho, “com parcelas substanciais da força de trabalho global trabalhando jornadas excessivamente longas (mais de 48 horas por semana), o que afeta particularmente os homens, ou jornadas curtas/de trabalho em meio período (menos de 35 horas por semana), o que afeta predominantemente as mulheres”.

A ligação entre excesso de trabalho e subtrabalho, ou desemprego, não é nova. Como Karl Marx descreve em O Capital, “o excesso de trabalho da parcela empregada da classe trabalhadora engrossa as fileiras da reserva, enquanto, inversamente, a maior pressão que a reserva, por sua concorrência, exerce sobre os trabalhadores empregados os força a se submeter ao excesso de trabalho e os submete aos ditames do capital”.

A reserva aqui é o exército de reserva de mão de obra, as pessoas que ficam do lado de fora dos portões da fábrica, servindo como uma ferramenta útil para o empregador quando um trabalhador reclama (“Se você não quer esse emprego, há muitas pessoas que alegremente o tirariam de suas mãos!”) O excesso de trabalho se junta à falta de trabalho: no varejo, por exemplo, a maioria dos empregos agora é de meio período, uma grande mudança em relação a algumas décadas atrás, quando cerca de 70 a 80 por cento desses empregos eram de tempo integral.

Essas conexões tornam a luta por jornadas de trabalho mais curtas e maior controle sobre a escala de trabalho estrategicamente generativa: a demanda une pessoas de diferentes posições na sociedade e, para desgosto dos chefes, pode unir os interesses dos empregados, subempregados e desempregados.

Jon Messenger, autor do relatório da OIT de 2018, associa o aumento da jornada de trabalho a alguns desenvolvimentos. Houve “uma diversificação dos arranjos de tempo de trabalho”, escreve ele, “com um afastamento da semana de trabalho padrão, que consiste em horas de trabalho fixas por dia, durante um número fixo de dias, e a adoção de diversas formas de arranjos de tempo de trabalho ‘flexíveis’ (por exemplo, novas formas de trabalho em turnos, média de horas, arranjos de horário flexível, semanas de trabalho comprimidas, trabalho sob plantão)”. Com esses arranjos, surgem as expectativas de que se esteja sempre de plantão — Acordar e Trabalhar Duro 24/7.

Esses novos padrões de disponibilidade estão interligados ao uso crescente de novas tecnologias de informação e comunicação e à proliferação de smartphones, laptops e tablets. Hoje, seja um trabalhador de colarinho branco nos Estados Unidos ou um motorista de aplicativo na Índia, não há uma fronteira clara entre estar quite e não estar quite. Não apenas o tempo pessoal, mas também os espaços pessoais — pense: uma chamada de Zoom com seu chefe, que o coloca virtualmente dentro de sua casa — são colonizados pelo trabalho.

Esta é uma emergência para a classe trabalhadora, uma emergência que exige ação. É preciso reduzir a jornada de trabalho para aqueles que trabalham até a morte e garantir a jornada mínima de trabalho para aqueles que lutam para conseguir renda suficiente para se manter. Precisamos de limites mais fortes entre o trabalho e o resto da nossa vida, bem como leis sobre licenças remuneradas e licenças médicas para garantir que os trabalhadores não sejam forçados a se moldar às demandas dos empregadores. E é preciso haver uma organização de trabalhadores forte o suficiente para fazer cumprir essas leis e normas.

O trabalho, pelo menos como existe atualmente, é uma droga. Há um motivo para eles terem que te pagar para fazê-lo. Com o excesso de trabalho matando quase um milhão de pessoas por ano, agora é a hora de redobrar a luta por menos tempo para o chefe e mais tempo para o que queremos. Nossas vidas não devem ser centradas na produção visando o lucro. Se afrouxarmos o controle que a disciplina do trabalho exerce sobre o nosso uso do tempo, escreveu EP Thompson, podemos “reaprender algumas das artes da vida [...] como preencher os interstícios do dia com relações pessoais e sociais mais enriquecedoras e tranquilas”. Ou, como disse um dos autores de um manifesto pós-trabalho: “É hora de começar uma vida”. É isso ou morremos. Nova semana, novas metas!

Colaborador

Alex N. Press é redatora da Jacobin. Seus artigos foram publicados no Washington Post, Vox, The Nation e n+1, entre outros.

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