6 de agosto de 2022

Petro leva esquerda ao poder na Colômbia sob desafio de expectativas em alta

Presidente forma maioria legislativa, mas já sofre pressão na economia e de setores radicais; posse será neste domingo

Sylvia Colombo


O presidente Iván Duque cumprimenta o sucessor eleito Gustavo Petro depois de condecorá-lo em Bogotá, dois dias antes da posse - Divulgação Presidência da Colômbia - 5.ago.22/AFP

Gustavo Petro assume a Presidência da Colômbia neste domingo (7) com expectativa alta, a indicar por sua popularidade, maioria nas duas Casas do Congresso e uma festa de rua organizada para 100 mil pessoas em Bogotá. Mas o cenário para o primeiro mandatário de esquerda do país, que venceu o populista Rodolfo Hernández no segundo turno da eleição em junho, promete ser espinhoso.

O PIB colombiano, que cresceu 10,6% no ano passado, deve ter um desempenho pior neste ano, com projeção de crescimento de 6,5%. A inflação, que era de 3,2% ao ano em 2018, quando Iván Duque foi eleito, chegou aos 9,6% atuais, e a pobreza aumentou de 36% para 42,5% da população.

A economia, então, é a principal preocupação dos eleitores (34%), seguida pela corrupção (23%), mostrou uma pesquisa do instituto Invamer. O que consola Petro é que o levantamento indica que ele assumirá com a aprovação de 64% dos colombianos (20 pontos percentuais a mais do que tinha em fevereiro, no começo da campanha eleitoral) e desaprovação de 22%. Ele nunca havia sido tão bem avaliado: quando foi prefeito de Bogotá, o máximo a que chegou foi a 59% de popularidade.

Já Duque deixa o cargo querido por menos de 20%, com um governo desgastado pelo impacto da pandemia de Covid, por duas ondas de protestos —2019 e 2021— e pelo aumento da violência, que suas políticas linha dura não conseguiram combater.​

A posse de Petro terá shows de artistas locais, como a banda Aterciopelados, o grupo de gaiteiros de San Jacinto e o cantor Edson Velandia. "Cada praça e cada pracinha do centro de Bogotá terá uma explosão de cultura e de alegria", tuitou o presidente eleito. Entre os convidados, estarão chefes de Estado de Chile, Equador, Bolívia, Paraguai, Panamá, Honduras, Costa Rica e Argentina. O rei Felipe 6º, que representa a Espanha em quase todas as posses na América Latina, também deve viajar; os EUA enviarão Samantha Power, administradora da Usaid, e o Brasil, o chanceler Carlos França.

A pesquisa do Invamer mostra que a maioria dos colombianos aprovou o modo como Petro se aproximou, nas últimas semanas, do centro e até da direita. Os encontros com figuras como o ex-caudilho Álvaro Uribe serviram para mostrar alguém conciliador e disposto a conversar com a oposição. "Estamos vendo um líder bem menos polarizador que durante a campanha. Mandou mensagens de união, escutou velhos adversários e colocou em marcha uma agenda social que estava pendente", afirma a cientista política Eugenie Richard, da Universidade Externado da Colômbia.

Com esse impeto inicial conciliatório, o esquerdista conseguiu garantir alianças para ter maioria nas duas Casas do Congresso, depois de muitas conversas entre líderes do Pacto Histórico, sua coalizão, e das demais forças.

Foram firmados acordos com Aliança Verde, Liberal, Aliança Social Independente, Partido da U (do ex-presidente Juan Manuel Santos) e Comuns (braço político dos ex-guerrilheiros das Farc desmobilizados). Junto com o apoio da bancada que corresponde às cotas de indígenas e afro-colombianos, a base petrista no Senado terá 63 dos 108 assentos; na Câmara, 110 dos 188 parlamentares.

REFORMA DA POLÍCIA, JUSTIÇA RESTAURATIVA E VENEZUELA

A duração dessa lua de mel com a sociedade e com os principais partidos de centro, centro-esquerda e esquerda, porém, estará sob escrutínio constante. "As expectativas estão muito altas, e seria melhor que fossem moderadas, porque mudanças levam tempo", diz o cientista político Alvaro Duque. "Petro deveria deixar isso claro. Prometer uma transformação rápida e não entregá-la vai frustrar a população, o que acaba fazendo com que as pessoas se desanimem com a própria democracia."

Também estarão no foco promessas de mudança na matriz econômica e produtiva, de uma reforma da Justiça, de reabertura das negociações de paz com o ELN (Exército de Libertação Nacional) e de uma mudança de enfoque para tentar diminuir a violência ligada a facções que vivem do narcotráfico.

Neste último setor, as propostas do presidente eleito são ambiciosas, com menos atenção ao aspecto punitivo e maior ênfase em políticas sociais, rurais e na implementação gradual de uma justiça reparatória —incluindo até mesmo o "perdão social" para amenizar penas.

Um dos temas que Petro terá de abordar inicialmente é a reaproximação com a Venezuela. Iván Duque rompeu com Caracas para reconhecer o líder opositor autoproclamado Juan Guaidó como mandatário, mas Petro já declarou que isso mudará, com a legitimidade dada ao ditador Nicolás Maduro.

O primeiro passo, anunciou, será a reabertura das embaixadas nos dois países e das fronteiras, que seguem fechadas —a população da região tem recorrido às chamadas "trochas", caminhos clandestinos por onde também transitam contrabandistas e narcotraficantes. A situação dos 2,5 milhões de venezuelanos no país também é um tema urgente.

A trajetória de Petro, um ex-guerrilheiro, faz com que ele venha sofrendo uma pressão semelhante à do chileno Gabriel Boric por parte da esquerda mais radical e dos que se manifestaram nas ruas em 2019. Há cobranças por uma reforma rápida da polícia —que reprimiu com brutalidade os atos recentes— e pela libertação dos detidos nos protestos, considerados presos políticos.

Nas últimas semanas, o esquerdista indicou um ministério moderado e com paridade de gênero. A economia ficará a cargo de José Antonio Ocampo, acadêmico de Harvard e Yale que agradou ao mercado. Cecilia López ficou encarregada do desafio da reforma agrária, um dos pilares do plano de governo e artigo aprovado pelo acordo de paz com as Farc de 2016. A ideia é baseá-la não em expropriações, mas no aumento de impostos de terras não produtivas.

As Relações Exteriores ficarão a cargo do conservador Álvaro Leyva, enquanto o progressista Alejandro Gaviria assumirá a pasta da Educação. Há mulheres à frente dos ministérios da Saúde (Carolina Corcho Mejía), da Agricultura (López), do Ambiente (Susana Muhamad) e da Cultura (Patricia Ariza). Mas, até este sábado (6), faltavam mais de dez nomeações, o que demonstra a dificuldade de fechar negociações com os aliados.

A vice de Petro, Francia Márquez, que ajudou a catapultá-lo ao poder, será também ministra da Igualdade e da Mulher. Para embaixadora junto à ONU, Petro apontou Leonor Zalabata Torres, indígena da etnia arahuaca. E o ministro que mais vem causando polêmica é Iván Velázquez, da Defesa, conhecido por ter denunciado vínculos de setores da política e do empresariado com paramilitares e por ser crítico à atuação das Forças Armadas no enfrentamento das guerrilhas.

Organismos de direitos humanos elogiaram a indicação. "Sua luta contra a corrupção no Exército foi heroica. Um dos grandes problemas que o novo governo enfrenta é a violação de direitos humanos que rodeia a atuação das Forças Armadas", diz Juan Pappier, representante da Human Rights Watch no país.

FOTO OFICIAL FOI FEITA EM LOCAL SIMBÓLICO

Petro fez sua foto oficial na sexta-feira (5), em Caños Cristales, na serra de La Macarena, no departamento de Meta, muito impactado pelo conflito armado na Colômbia. Ali, um rio colorido por plantas aquáticas voltou a ser ponto turístico, após muito tempo sem visitações devido à presença das Farc.

A inovação da foto presidencial em um local simbólico do país imita o chileno Gabriel Boric, que fez a sua com o oceano Pacífico ao fundo. Petro também participou de uma cerimônia de posse simbólica na serra de Santa Marta, onde vivem indígenas de quatro etnias —koguis, arhuacos, wiwas e kankuamo.

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