Nelson Barbosa
Folha de S.Paulo
Plenário da Câmara dos Deputados durante sessão do Congresso Nacional. Pedro Ladeira/Folhapress |
A profusão de emendas constitucionais para lidar com assuntos orçamentários comprova a necessidade de revisão de nossas regras fiscais. Alguns colegas defendem a adoção de meta de dívida pública federal, similar ao que acontece nos Estados Unidos (EUA) e União Europeia (UE), mas considero essa proposta um erro por dois motivos.
Primeiro, quem tem meta de dívida muda a meta toda hora (EUA) ou adota tantas cláusulas para diluir o ajuste (UE) que a meta de dívida é mais desejo de longo prazo do que limite jurídico de curto prazo.
Segundo, não há consenso sobre o tamanho ótimo da dívida pública de um país, poisa a estabilidade fiscal depende de outros fatores além do tamanho da dívida.
Especificamente, estabilidade fiscal é definida como dívida pública constante em proporção do PIB, mas isso pode acontecer com diferentes valores. Por exemplo, o Japão tem dívida bruta de mais de 250% do PIB, sem crise fiscal, monetária ou cambial.
Primeiro, quem tem meta de dívida muda a meta toda hora (EUA) ou adota tantas cláusulas para diluir o ajuste (UE) que a meta de dívida é mais desejo de longo prazo do que limite jurídico de curto prazo.
Segundo, não há consenso sobre o tamanho ótimo da dívida pública de um país, poisa a estabilidade fiscal depende de outros fatores além do tamanho da dívida.
Especificamente, estabilidade fiscal é definida como dívida pública constante em proporção do PIB, mas isso pode acontecer com diferentes valores. Por exemplo, o Japão tem dívida bruta de mais de 250% do PIB, sem crise fiscal, monetária ou cambial.
No Brasil, temos dívida bruta de 92% do PIB (pelo critério internacional) e dívida líquida de 62% do PIB (a diferença são os créditos do governo que rendem juro), também sem fuga de recursos do país. Na verdade, houve apreciação cambial nos últimos meses.
Não existe número mágico para a dívida pública porque sua rolagem depende de outros fatores além do seu tamanho. Listo apenas três, amplamente conhecidos por economistas latino-americanos.
Não existe número mágico para a dívida pública porque sua rolagem depende de outros fatores além do seu tamanho. Listo apenas três, amplamente conhecidos por economistas latino-americanos.
Primeiro, às vezes, a dívida pública é baixa, mas seu custo é elevado. Por exemplo, o Brasil tem dívida líquida bem inferior ao verificado no Japão, mas gastamos muito mais com juros. A estabilidade fiscal inclui o custo de carregamento da dívida, dado pela diferença entre o juro real pago pelo Tesouro e o crescimento da economia, o "r menos g" dos economistas, o que por sua vez não depende só do tamanho da dívida.
Segundo, a rolagem não explosiva da dívida também depende do seu prazo médio. As vezes a dívida é baixa, mas grande parte dela vence todo ano, forçando o Tesouro a rolar um alto valor em cada orçamento (Brasil). Nesse caso a "dívida baixa" pesa como "dívida alta" no fluxo de caixa do governo. No sentido contrário, uma dívida alta pode pesar pouco se apenas uma parte pequena dela vencer a cada ano (Japão).
Segundo, a rolagem não explosiva da dívida também depende do seu prazo médio. As vezes a dívida é baixa, mas grande parte dela vence todo ano, forçando o Tesouro a rolar um alto valor em cada orçamento (Brasil). Nesse caso a "dívida baixa" pesa como "dívida alta" no fluxo de caixa do governo. No sentido contrário, uma dívida alta pode pesar pouco se apenas uma parte pequena dela vencer a cada ano (Japão).
Terceiro, a sustentabilidade da dívida também depende de sua distribuição em moeda interna e externa. Uma dívida baixa pode ser problemática quando a maior parte dela está atrelada ao câmbio (Brasil de Fernando Henrique), pois nesse caso uma grande depreciação cambial elevará rapidamente as obrigações do governo (nossa crise cambial-fiscal de 1997-2002).
Devido às questões acima, precisamos ter uma análise mais ampla do tamanho da dívida. Sim, toda regra fiscal deve ter um cenário de endividamento público, mas isso não implica criar um limite de dívida que acione cláusulas de ajuste rápido do orçamento, crise institucional (impeachment) ou "parada súbita" da economia.
A experiência internacional indica ser mais adequado ter um cenário fiscal de estabilização gradual da dívida púbica. Em qual valor? No valor compatível com o crescimento da economia e bem-estar da população, pois de nada adianta ter dívida baixa e "paz fiscal de cemitério".
Bom senso e pragmatismo recomendam adotar metas de resultado ou gasto primário, baseadas em cenários de endividamento público, mas sem meta formal de dívida pública que dispare ajuste rápido do orçamento. É assim que é feito nos EUA e na Europa. Para o Brasil, prefiro meta de gasto, mas deixo isso para outra coluna.
Devido às questões acima, precisamos ter uma análise mais ampla do tamanho da dívida. Sim, toda regra fiscal deve ter um cenário de endividamento público, mas isso não implica criar um limite de dívida que acione cláusulas de ajuste rápido do orçamento, crise institucional (impeachment) ou "parada súbita" da economia.
A experiência internacional indica ser mais adequado ter um cenário fiscal de estabilização gradual da dívida púbica. Em qual valor? No valor compatível com o crescimento da economia e bem-estar da população, pois de nada adianta ter dívida baixa e "paz fiscal de cemitério".
Bom senso e pragmatismo recomendam adotar metas de resultado ou gasto primário, baseadas em cenários de endividamento público, mas sem meta formal de dívida pública que dispare ajuste rápido do orçamento. É assim que é feito nos EUA e na Europa. Para o Brasil, prefiro meta de gasto, mas deixo isso para outra coluna.
Sobre o autor
Professor da FGV e da UnB, ex-ministro da Fazenda e do Planejamento (2015-2016). É doutor em economia pela New School for Social Research.
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