11 de fevereiro de 2022

A camisa de força ideológica da macroeconomia

A incapacidade de entender a moeda como crédito, como passivo sem lastro do Estado, explica os descaminhos da teoria monetária

André Lara Resende


Foto: Nelson Provazi

1. Introdução: macroeconomia e ideologia

A teoria econômica que hoje pauta grande parte de nosso entendimento do mundo é tida como o embasamento, se não científico, técnico, das políticas públicas. Os economistas, embora pretendam ter um sólido arcabouço teórico e sustentação empírica, que lhes daria legitimidade para ditar políticas, são mais um grupo de contadores de histórias. Como tantos outros, criam narrativas para ordenar e dar sentido a uma realidade aparentemente caótica.

A economia política, como concebida por David Hume, Adam Smith, John Stuart Mill e seus contemporâneos dos séculos XVIII e XIX, os clássicos, pode ser entendida como um conjunto organizado de ideias cujo propósito é tornar inteligíveis fenômenos aparentemente desordenados e desconectados. Embora não seja ciência no sentido dado, na modernidade, ao conhecimento dos fenômenos naturais, como a física e a biologia, é um conjunto ordenado de ideias a respeito da atividade humana. Porque procura organizar a atividade humana, a teoria econômica é inevitavelmente ideológica. Suas histórias procuram organizar a sociedade segundo valores e interesses não explicitados.

Neste apogeu de seu prestígio, uma parte expressiva da teoria econômica convencional, “mainstream”, se tornou disfuncional. Embora existam muitas correntes de teoria econômica, a mainstream é a predominantemente ensinada nos cursos de economia, aquela que, de forma mais ou menos sofisticada, serve de substrato para os analistas e os comentaristas da vida pública. Neste ensaio, organizo os principais pontos de discordância em relação à teoria convencional.

A moeda é um crédito contra o Estado, logo é dívida pública. A taxa de juro é determinada pelo banco central. Deve ser fixada abaixo da taxa de crescimento da economia, o que garante a convergência da relação dívida/PIB e sustentabilidade da dívida pública. A dívida pública expressa na moeda de um país emissor de sua moeda fiduciária não tem risco de crédito. Tem risco de custo de financiamento, de “carregamento”, e pode ter risco político, mas não tem risco de crédito.

A dívida pública é a contrapartida contábil da riqueza financeira do setor privado. A teoria monetária convencional, sistematicamente revista, foi sempre instrumental para restringir a criação direta de poder aquisitivo pelo Estado, enquanto deixa livre a expansão de poder aquisitivo pelo setor bancário. A inflação de ativos financeiros privados, contrapartida da expansão irrestrita do crédito bancário, obrigatoriamente sancionado pelo banco central como emprestador de última instância, está por trás da reconcentração recente da riqueza. O dogmatismo da macroeconomia convencional é uma restrição ideológica travestida de ciência na condução de políticas públicas, que acrescenta mais um elemento complicador às democracias representativas contemporâneas.

A ordenação da realidade pela teoria econômica, especialmente em relação às questões monetárias, esteve sempre associada à necessidade de restringir o poder do Estado e de seus ocupantes. Com os clássicos, a partir do século XVII, o discurso dos economistas procurava restringir o poder da aristocracia e valorizar a burguesia nascente. Desde o início do século XX, mimetizando cada vez mais o método e a linguagem matemática das ciências naturais, a macroeconomia continuou a cumprir o papel de impor limites ao poder do Estado e de seus ocupantes. Nas sociedades contemporâneas, a teoria monetária hegemônica é um arcabouço conceitual cujo objetivo é restringir e direcionar o poder do Estado, agora em benefício do capitalismo financeiro.

O capitalismo sempre foi financeiro, adoto aqui o termo para denotar o capitalismo contemporâneo, sobretudo a partir do último quarto do século XX, quando os ativos e os passivos financeiros cresceram desproporcionalmente em relação à renda. Os economistas viram o seu prestígio crescer, são hoje a elite da tecnocracia e os formuladores de políticas públicas. Os políticos eleitos foram relegados a um papel secundário. Têm, em tese, o poder de definir políticas, mas, na prática, estão subordinados ao receituário tecnocrático dos economistas.

A tensão é evidente. De um lado, os políticos eleitos, restritos pela ideologia da boa prática econômica, passam a defender seus interesses patrimonialistas e os corporativistas de seus eleitores diretos. De outro lado, os economistas tecnocráticos, apoiados pelo sistema financeiro, que reivindica o direito de exclusividade na franquia do Estado para expandir o crédito, radicalizam o seu discurso. Defendem a imperativa necessidade de conter o poder financeiro do Estado, sob risco de provocar uma crise fiscal e levar a economia ao colapso. O resultado é o pior dos mundos: enquanto os gastos populistas e demagógicos se expandem, os investimentos e os serviços públicos colapsam.

Assim como a burguesia nascida com a revolução industrial promoveu o avanço da produtividade e das possibilidades materiais, mas também uma enorme concentração de riqueza, o capitalismo financeiro, associado à revolução informática, está à frente de uma nova era de igualmente extraordinários ganhos de produtividade e concentração de riqueza. Neste início de século XXI, as contradições de uma relação incestuosa entre uma tecnocracia a serviço do capitalismo financeiro e os ocupantes do Estado, políticos eleitos e servidores públicos, atingiram um ponto de ruptura, que ameaça a viabilidade das democracias representativas das economias capitalistas contemporâneas.

2. O Estado como o credor primeiro

Nas primeiras sociedades sedentárias onde havia uma autoridade central, quase sempre um templo religioso, o excedente da produção era armazenado pela autoridade, que detinha o poder de cobrar impostos e de realocá-lo. Daí a contabilidade de direitos sobre o excedente que dá origem à moeda. A moeda é o registro de direitos na autoridade central que é aceito para quitar obrigações tributárias. A moeda metálica, assim como tantas outras formas de moeda ao longo da história, é apenas a representação deste direito de crédito junto à autoridade central. Sendo um crédito contra o poder central, a sua representação, a moeda física, tinha aceitação garantida na sociedade. O crédito contábil contra o Estado, na sua forma de representação metálica, por ter valor intrínseco, utilizado originalmente para pagar o soldo, passou a ser o meio de troca aceito também fora da comunidade, no comércio entre diferentes sociedades. A combinação da existência de excedente da produção, com a circulação de representação metálica de créditos contra o Estado, viabiliza então o aprofundamento da divisão do trabalho, da especialização e leva ao florescimento do comércio. É o poder central, o Estado, como quem detém poder de requisitar, através de impostos, o excedente da produção e quem controla o registro contábil dos haveres e deveres da sociedade, que tem seu crédito universalmente aceito como unidade de conta. Viabiliza assim o comércio e a divisão do trabalho.

É o fato de ser simultaneamente o administrador da contabilidade, o custodiante e o liquidante dos haveres e deveres da economia, que dá ao Estado a condição excepcional de credor primário. É o que permite ao Estado do capitalismo financeiro moderno ser o credor de última instância, aquele que pode redescontar créditos de todos os demais agentes, inclusive os do setor financeiro em momentos de crise. Só o Estado é capaz de criar poder aquisitivo sem poupança prévia. Só o Estado e seus concessionários, como o setor bancário moderno, pode criar poder aquisitivo não lastreado em algum ativo existente. O sistema bancário, que também tem a capacidade de dar crédito sem lastro, é uma concessão do poder do Estado como credor primário. O crédito bancário depende do acesso dos bancos ao crédito do Estado, através das contas de reservas que detêm no banco central. Dito de outra forma, é o acesso ao crédito do Estado que serve de lastro para quem tem seu crédito aceito.

A capacidade do Estado de expandir o poder aquisitivo através do crédito, ou seja, da expansão do seu passivo, é efetivamente um poderoso instrumento, mas não faz milagres. É preciso entender suas possibilidades e seus limites. O Estado só pode criar poder aquisitivo, sem pôr em risco o sistema de contabilidade da sociedade, quando há recursos passíveis de serem mobilizados para o aumento da produção de bens e serviços. Tais recursos podem tanto advir da capacidade instalada, mas ociosa por insuficiência de demanda, quanto capacidade potencial — mão de obra, equipamentos, tecnologia e científica e organizacional — incapaz de ser mobilizada por falta de crédito. O primeiro caso, o da capacidade instalada ociosa, onde o Estado pode atuar de forma anticíclica, criando poder de compra para estimular a economia, é o analisado por Keynes. O segundo caso, o da capacidade potencial não efetivada, onde o Estado deve atuar como credor, mobilizador e viabilizador, das potencialidades do crescimento de longo prazo, é o analisado por Joseph Schumpeter e Hyman Minsky.

Toda a produtividade, a capacidade de produzir bens e serviços, advém da sociedade, da ação conjunta do setor privado e do Estado. A expansão do crédito pelo Estado, como todo crédito, por si só nada cria, mas viabiliza a materialização da produtividade da sociedade. A moeda e o crédito são o fermento, mas se não houver massa, capacidade de produzir, não haverá bolo a ser repartido. Sem investimento e aumento da capacidade de produzir, a expansão do crédito se transforma numa pressão sobre os preços de bens e serviços, ou na hipertrofia de ativos e passivos. No primeiro caso, tem-se a inflação convencional, no segundo, a inflação financeira.

A inflação financeira pode dar a impressão de que corresponde ao efetivo enriquecimento, pois há um aumento dos direitos financeiros, mas como não tem um correspondente aumento da capacidade de produção, é mera ilusão monetária. Porque o acúmulo de direitos financeiros está concentrado nos que não têm necessidade imediatas de consumo não atendidas, a inflação financeira não pressiona a capacidade produtiva, nem corre o risco de provocar inflação de bens e serviços. Levada ao paroxismo, no entanto, provoca o descolamento dos direitos financeiros da capacidade de produção. Termina por desmoralizar e tornar disfuncional o sistema de contabilidade da sociedade. Em estágios avançados, pode levar ao descrédito do Estado, à desmoralização institucional e à hiperinflação.

O fato de que o crédito não faz milagres, de que está sujeito aos limites da disponibilidade de recursos reais, não elimina o poder do Estado como credor primordial na economia. Ao longo da história, em toda parte, sempre existiram mecanismos criados para limitar o abuso desta poderosíssima faculdade. Durante séculos, a exigência de lastro metálico para a cunhagem de moedas foi uma forma de restringir a criação de poder aquisitivo ao bel prazer do poder central. Ao obrigar o Estado emissor a acumular ouro e prata para gastar, restringia-se a sua faculdade de criar poder aquisitivo de forma discricionária, mas restringia-se também a produção e o comércio, travados pela iliquidez e pela falta de crédito. A solução do padrão-ouro, ao combinar a moeda metálica do poder central com o crédito bancário livre da exigência de lastro, manteve a restrição sobre a emissão primária, sobre a faculdade do Estado de criar poder aquisitivo, mas deixou irrestrita a expansão do crédito bancário. Estava resolvida a tensão entre a necessidade de restringir o abuso do poder do Estado e a iliquidez crônica das economias medievais (1).

A partir do final do século XVIII, a disparidade entre a expansão do crédito bancário privado e da moeda lastreada do Estado provocou corridas bancárias e obrigou a sucessivas suspensões da conversibilidade da moeda em seu lastro metálico. No início do século XX, com o enorme aumento do endividamento público das economias envolvidas na Primeira Guerra, tornou-se impossível sustentar o padrão-ouro. Na conferência de Bretton Woods, depois da Segunda Guerra, o lastro metálico foi definitivamente abandonado e a moeda se tornou integralmente fiduciária.

Foi preciso então encontrar uma nova forma de tentar restringir a criação indiscriminada de poder aquisitivo pelo Estado. A Teoria Quantitativa da Moeda, ao sustentar que toda emissão superior à expansão da renda real provocaria inflação, cumpriu este papel durante toda a segunda metade do século XX. Depois de mais de cinco décadas de um absoluto reinado, a Teoria Quantitativa foi aposentada em silêncio.

Ainda nos anos 1990, foi logicamente questionada pela constatação de que os bancos centrais são incapazes de controlar a oferta de moeda sem perder o controle da taxa básica de juros. Em seguida, com a grande crise financeira de 2008, foi refutada de forma flagrante pelo experimento do “Quantitative Easing”. Para salvar o sistema financeiro mundial, os bancos centrais das economias avançadas multiplicaram seus passivos por mais de dez vezes, sem que se observasse qualquer sinal de inflação. Não foi mais possível sustentar que a demanda agregada responde à emissão de moeda, o passivo do banco central, mas não à expansão de dívida pública, o passivo do tesouro.

Com as taxas básicas de juros próximas de zero e a altíssima liquidez dos mercados de dívida, deveria ter ficado evidente que a moeda é dívida. É uma perpetuidade que não paga juros, mas de toda forma, é dívida pública. Refutada a relação entre inflação e expansão monetária, a restrição à criação de poder aquisitivo pela Estado transmutou-se numa restrição à expansão do passivo total, monetário e não monetário, do Estado. A sustentação teórica baseada na nova Teoria Fiscal do Nível de Preços, uma formulação matematicamente pesada, que em última instância, substitui a moeda pela totalidade do passivo do Estado, como âncora dos preços (2).

A adoção de um limite superior para a relação dívida/PIB, a partir do qual a economia se desorganizaria, foi a forma de dar expressão prática à nova restrição conceitual sobre a faculdade do Estado dar crédito e de expandir o poder aquisitivo na economia. A tentativa de substituir o limite da Teoria Quantitativa por um teto na relação dívida/PIB não sobreviveu à ainda mais agressiva expansão de moeda e dívida durante a pandemia de 2020. Com inúmeros países superando o limite superior de 90% a partir do qual, segundo o trabalho de Rienhart e Rogoff (3), a economia se desorganizaria, ficou impossível sustentar um limite superior intransponível para a relação dívida/PIB. Neste início de século XXI, depois da crise financeira de 2008 e da pandemia de 2020, não há mais como invocar a teoria econômica para, em nome de um conhecimento científico, impor um limite à faculdade do Estado de dar crédito e criar poder aquisitivo. Este limite é necessariamente um limite político. Um limite político, expresso na legislação e no desenho institucional, que deve ao mesmo tempo impedir o abuso, tanto pelo Estado como pelo sistema bancário, e não restringir o bom uso de tão poderoso instrumento.

3. O crédito e o equívoco do multiplicador bancário

No curso básico de economia, aprende-se que o sistema bancário pode conceder empréstimos acima dos depósitos que recebe do público, porque a probabilidade de que venham a ser simultaneamente resgatados é baixa. É a faculdade de manter reservas fracionárias, ou seja, inferiores ao total dos depósitos, que dá origem ao multiplicador bancário. O sistema expande o crédito além dos depósitos do público, uma fração desta expansão retorna como novos depósitos, o que permite nova concessão de crédito. O mecanismo não é ilimitado, o seu teto é dado por uma progressão geométrica cuja razão é função inversa da taxa de vazamento do sistema, ou seja, de créditos concedidos que não retornam como depósitos. Cria-se assim a ilusão de que o crédito bancário expande a moeda a partir de depósitos do público e não da faculdade de ter acesso ao crédito do banco central.

Na realidade, os bancos não dependem de depósitos do público para conceder empréstimos, pois se refinanciam, direta ou indiretamente, através do interbancário, com o banco central. Ao contrário do que sustenta a teoria do multiplicador bancário, os bancos concedem crédito quando avaliam que o risco e o retorno são atrativos, independentemente da evolução dos depósitos do público. O multiplicador bancário inverte a ordem da causação. Não é a expansão dos depósitos que leva os bancos a conceder crédito, mas sim a decisão de conceder crédito que expande a moeda. A expansão da moeda então retorna, parcialmente, como depósitos. O equívoco decorre da confusão entre a lógica do fluxo de caixa, na qual se baseia o multiplicador bancário dos livros textos, e a lógica contábil, que permite aos bancos conceder crédito sempre que considerarem o tomador um bom risco, independentemente de sua posição de caixa. Porque têm acesso automático ao crédito do banco central, sempre obrigado a cobrir a insuficiência, assim como a tomar o excesso de reservas, para não perder o controle da taxa básica de juros, seu principal instrumento de política, os bancos não dependem de depósitos do público para expandir seus ativos.

São os limites legais de alavancagem que restringem a concessão de crédito pelos bancos, não a insuficiência de fundos. O acesso ao banco central, obrigado, para não perder o controle da taxa básica de juros, a fornecer de forma passiva os fundos demandados pelo sistema, torna os bancos concessionários do Estado na emissão de crédito e na criação de poder aquisitivo. Individualmente, um banco pode perder a confiança dos seus pares, do público, e ter problema de liquidez, mas o sistema bancário como um todo não corre este risco, pois será sempre refinanciado pelo banco central. Para não perder o controle sobre a taxa básica, o banco central é obrigado a fornecer a liquidez requerida pelo sistema.

O fato de que o sistema bancário, como concessionário do Estado, independe de depósitos do público para dar crédito é fundamental para compreender grande parte dos equívocos da macroeconomia convencional. Por não considerar a possibilidade de que se possa criar poder aquisitivo, independentemente da existência de poupança prévia, ou seja da existência de renda não consumida, a macroeconomia convencional não é capaz de compreender o papel do Estado e do sistema bancário na criação do crédito puro. Por crédito puro, entenda-se a concessão de crédito puramente fiduciário, não lastreado em ativos de valor intrínseco, nem na renda não consumida, isto é, poupada.

Toda a macroeconomia neoclássica pressupõe que não exista a possibilidade de se criar crédito sem lastro. Para a macroeconomia convencional, a concessão de crédito se resume ao ato de transferir de quem teve renda não consumida, ou seja, de quem poupou, para quem deseja consumir ou investir mais do que dispõe. A disponibilidade de poupança, de renda não consumida, armazenada em moeda, depósitos financeiros ou ativos reais, seria condição para a possibilidade de se conceder crédito. O sistema bancário é entendido como mero intermediário dos que têm poupança para os que querem investir, dos que tiveram mais renda do que despesas, para os que pretendem despender mais do que têm renda. O sistema financeiro seria capaz de utilizar todo tipo de ativos, tudo que possa servir de reserva de valor, como lastro para a concessão de crédito, mas não seria capaz de criar poder aquisitivo sem base num poder aquisitivo previamente existente e não exercido. Esse raciocínio não contempla a possibilidade de o Estado dar crédito puro, não lastreado, e de delegar ao sistema bancário esta faculdade.

4. A refutação da ortodoxia

Na Teoria Geral, Keynes sustentou que o Investimento depende sobretudo do otimismo, dos “animal spirits”, dos empresários, e que a poupança é função da renda. Ambos seriam marginalmente sensíveis à taxa de juros, mas esta era determinada no mercado monetário e não, como supunham os “clássicos”, pelo equilíbrio entre a poupança e o investimento. A tese de que a taxa de juros é determinada pela demanda de fundos para investimentos e a oferta de fundos poupados, conhecida como a teoria dos “loanable funds”, dos fundos emprestáveis, era dominante até o aparecimento da Teoria Geral de Keynes. Curiosamente, sobreviveu praticamente sem arranhões à vitória do keynesianismo.

O fato de que, na Teoria Geral, Keynes tenha recuado em relação ao entendimento da moeda como unidade de crédito, que havia adotado no Tratado da Moeda, contribuiu para manter viva a teoria monetária clássica e a ideia de que os juros são resultado do equilíbrio entre a poupança e o investimento. Foi o sucesso do diagrama conhecido como IS-LM, uma sinopse didática do argumento da Teoria Geral, de autoria de John Hicks, que selou a sobrevivência da tese de que a taxa de juros é determinada pela poupança e o pelo investimento. A curva IS, onde há equilíbrio no mercado de bens, é aquela onde o investimento, I, iguala a poupança, S. O próprio Hicks se declarou, “com o passar do tempo”, profundamente insatisfeito com a sua simplificação didática da Teoria Geral (4). Pouco importa, a versão esquemática do argumento de Keynes, capturada pelo modelo IS-LM, tornou-se o instrumental básico de todo macroeconomista. Até hoje, depois de aposentada há mais de duas décadas dos cursos avançados, continua a ser ensinada nos cursos básicos de macroeconomia e a pautar a grande maioria dos analistas.

Ainda que a poupança mundial esteja efetivamente em queda, a noção de que há um “savings glut”, um excesso de poupança no mundo, tem sido levantada para explicar as taxas de juros excepcionalmente baixas, desde a crise de 2008 (5) (6). O equívoco advém do apego à ideia de que a taxa de juros é determinada pela oferta e demanda de fundos para investimentos. O custo do capital, dado pela taxa de juros, é inversamente correlacionado com o investimento, mas, como argumentou Keynes, as expectativas e o otimismo são muito mais relevantes para a decisão dos empresários.

Equívoco mais grave é considerar que a oferta de fundos para investimentos advém exclusivamente da renda poupada. Tanto o volume dos fundos disponíveis como o seu custo, a taxa de juros, são determinados pela oferta de crédito, que não se restringe à oferta de renda não consumida, ou seja, de poupança. O crédito, como vimos, é criado pelo Estado e pelo sistema bancário que tem acesso ao banco central. O volume de crédito é determinado pelo sistema bancário de forma endógena, acompanhando a percepção de risco e retorno, que é função do grau de otimismo dos negócios. Como analisado por Schumpeter de forma pioneira em 1911, depois retomado por Hyman Minsky, sem merecer a devida atenção da macroeconomia convencional (7), é a expansão endógena do crédito e a sua reversão brusca, quando o otimismo dos mercados é revertido, que provoca as crises financeiras recorrentes das economias capitalistas.

O Estado, tendo concedido aos bancos o direito de expansão do crédito, não tem alternativa a não ser sancionar a demanda do sistema financeiro, para não perder o controle sobre a taxa de juros, que é hoje o seu principal instrumento de política monetária. Nos anos 1990, ficou evidente que, independentemente de como fossem definidos os agregados monetários, do mais restrito, a base monetária, aos sucessivamente mais abrangentes, M1, M2, M3, M4, não havia uma relação estável entre eles e o nível de preços. Foi também finalmente reconhecido pela macroeconomia convencional que o banco central não tem como controlar os agregados monetários. A taxa básica de juros passou então a ser oficialmente aceita como o principal instrumento dos bancos centrais.

A Teoria Quantitativa, baseada na moeda metálica medieval, quando se poderia falar em um “estoque” de representações metálicas da moeda, foi transportada para o mundo moderno da moeda bancária fiduciária, onde a noção de estoque de moeda não faz sentido. Embora haja correlação entre qualquer conceito de moeda e a inflação, dado que são ambos afetados pelo comportamento dos preços, o sentido da causalidade, segundo a teoria convencional, da moeda para a inflação, está invertido.

Moeda não causa inflação, dado que moeda é apenas o índice do registro contábil dos ativos e passivos na economia. É o aumento dos preços que, por definição, obriga o aumento dos valores monetários. O que é passível de ser controlado, através da regulamentação, é o crédito, não a moeda. A regulamentação “prudencial” pode efetivamente evitar bolhas de crédito, mas ao tentar contrair o crédito para controlar uma inflação já em curso, o resultado é uma crise de liquidez que paralisa a economia, muito antes de que a inflação seja moderada. Diante da perspectiva de quebras generalizadas no sistema financeiro e do colapso da economia, a política contracionista do crédito é sempre revertida, sem qualquer resultado significativo em relação à inflação.

Aposentada a Teoria Quantitativa da Moeda, desapareceu o arcabouço conceitual da atuação do banco central para o controle da inflação. Foi substituída por uma regra heurística para fixação da taxa de juros. A Regra de Taylor, que determina que a taxa básica deve ser elevada ou reduzida mais do que proporcionalmente ao desvio da inflação em relação à meta, deveria garantir a convergência para a meta da inflação. A suposição implícita é que a alta do juro reduz a demanda e que a contração da demanda, através do aumento do desemprego e da capacidade ociosa, modera a inflação. O argumento está baseado na Curva de Phillips, uma relação inversa entre a inflação e o desemprego, observada nos anos 1950 pelo economista que lhe dá o nome e que passou a ter lugar de destaque na macroeconomia convencional. Desde os anos 1990, no entanto, a relação inversa entre inflação e desemprego praticamente desapareceu, mas permaneceu intocada no repertório da macroeconomia convencional. Na falta de alternativa, continuou a ser invocada para dar validade à Regra de Taylor.

A crise financeira de 2008 deu início a um longo período de deflação no mundo, o que evitou que a Regra de Taylor fosse testada para uma inflação acima da meta, ao menos nos países avançados. Sua adoção com o regime de metas, de forma mais ou menos explícita, em países menos ricos, como Brasil e Argentina, para ficar apenas nos menos problemáticos, seria suficiente para levantar sérias dúvidas em relação à sua eficácia, mas é sempre possível invocar a “irresponsabilidade” de seus políticos como justificativa para o fracasso da ortodoxia monetária. Na segunda metade do século XX, quando estes mesmos países flertaram com a hiperinflação aberta, apesar de repetidamente tentar seguir o receituário monetário da ortodoxia quantitativista prevalecente, ficou claro que a evidência dos fatos nas economias periféricas é insuficiente para desmontar dogmas conceituais estabelecidos na academia dos países centrais.

A desmoralização da nova ortodoxia da Regra de Taylor veio de toda forma, com a inviabilidade prática de taxas nominais de juros negativas. Os bancos centrais dos países avançados, na tentativa de evitar a deflação, chegaram a uma taxa básica nula, atingindo o que então se convencionou chamar de “lower bound”, o seu limite inferior. Impossibilitados de continuar a seguir a Regra de Taylor, foram obrigados a deixar a taxa onde estava, perto de zero. Ao contrário da espiral deflacionária prevista pela teoria, a deflação se estabilizou. Sem a curva de Phillips, o controle da inflação acima da meta através da alta dos juros perdeu sua sustentação conceitual. A evidência recente demonstra que, no caso de uma inflação abaixo da meta, ao estabilizar a taxa de juros, a inflação também se estabiliza. A regra heurística utilizada pelos bancos centrais não tem sustentação empírica para desvios, nem acima nem abaixo, da meta. Como veremos mais à frente, há razões para acreditar que a estabilidade da taxa básica esteja associada à estabilidade da inflação, tanto quando está abaixo, como quando está acima da meta.

5. O crédito dispensa a poupança

A incapacidade de entender a moeda como crédito, como um passivo sem lastro do Estado, cuja aceitação é universal na sociedade, é o que explica os descaminhos da teoria monetária. Desde o início das discussões sobre a possibilidade de se reduzir o lastro metálico da moeda, no século XVII, até as controvérsias entre metalistas e nominalistas, nos séculos XVIII e XIX, sobretudo na Inglaterra, duas grandes correntes de pensamento em relação à moeda se delinearam.

A primeira, a qual Schumpeter apropriadamente chamou de teoria monetária do crédito, considera a moeda um ativo real de valor intrínseco. Considera também o crédito como mera transferência de direitos sobre valores monetários, ou seja, a intermediação de poupadores para investidores. A segunda, denominada por Schumpeter de teoria creditícia da moeda, entende a moeda como um crédito contra o Estado, sem valor intrínseco. A classificação de Schumpeter é particularmente reveladora. Para os que entendem a moeda como um ativo de valor intrínseco, corrente defendida originalmente por John Locke e David Ricardo, não existe a possibilidade de crédito não lastreado em ativos existentes. A própria moeda cunhada pelo Estado precisa ter lastro, ser baseada no acúmulo prévio de metais que sirvam de reserva de valor. Essa visão de que a moeda deve ter valor intrínseco, não pode ser apenas um crédito contra o Estado, se tornou majoritária, a partir do início do século XX. Tornou-se tão dominante que, como observou John Maynard Keynes, suprimiu as teses contrárias “assim como a Santa Inquisição se livrou dos hereges”.

Se o Estado não pode cunhar moedas sem lastro metálico, se precisa acumular metais que servem de reserva de valor para então criar moeda, a sua faculdade de dar crédito sem lastro, de ser o credor primário da sociedade, fica cerceada. Para gastar, o Estado restrito à moeda metálica precisa antes cobrar impostos, ou tomar emprestado, de quem tem poupança. O extraordinário poder de criar, e não apenas de transferir no tempo, poder aquisitivo, que só o Estado possui, fica cerceado. Com a moeda fiduciária o Estado pode criar poder aquisitivo, pode gastar antes de cobrar impostos ou de tomar empréstimos. O Estado é o detentor do poder político, se possui adicionalmente a faculdade irrestrita de criar capital, de criar poder aquisitivo, passa a ser excessivamente poderoso. Acumula o poder financeiro ao poder político.

6. A inflação financeira

Ao associar todo crédito à prévia existência de poupança, a macroeconomia convencional é incapaz de explicar a inflação de ativos provocada pela expansão do passivo financeiro do Estado. Para que uma alta dos preços de alguns ativos privados possa ocorrer, uma alta da bolsa de valores por exemplo, sem que haja redução proporcional de preços de outros ativos privados, é preciso que haja um aumento do passivo do Estado. Uma alta generalizada dos preços de ativos privados só pode ocorrer se tiver como contrapartida uma alta equivalente dos passivos do Estado, pois o aumento do crédito, que viabiliza a alta dos ativos, tem necessariamente como contrapartida o aumento do passivo do Estado. O resultado é contábil, inescapável numa economia fechada.

Na economia aberta, é preciso ser qualificado, mas é o resultado da economia fechada que ilustra mais claramente que a contrapartida da expansão do passivo do Estado é a alta dos preços dos ativos financeiros do setor privado. Que a expansão do passivo financeiro do Estado tenha como contrapartida o aumento do ativo financeiro do setor privado é um resultado contábil trivial. A dívida pública é um passivo do Estado e um ativo do setor privado.

Diferentemente da dívida externa, que é detida por não residentes, o aumento da dívida pública interna não reduz a renda, nem a riqueza interna. Ao contrário, tem como contrapartida inevitável o aumento da riqueza privada, porque o passivo financeiro do Estado é equivalente ao ativo financeiro do setor privado. Tem, adicionalmente, um efeito redistributivo inequivocamente concentrador de renda e riqueza, pois o passivo é de toda a sociedade e o ativo é dos detentores da dívida pública, os agentes superavitários, capazes de acumular ativos financeiros como reserva de valor.

O neoliberalismo econômico que, há mais de quatro séculos, sustenta que o Estado não pode expandir seu passivo financeiro além do que foi capaz de acumular, seja em lastro metálico ou em impostos arrecadados, parece assim estar pregando contra os seus próprios interesses. Os mais ardorosos defensores da restrição ao endividamento público são justamente agentes superavitários do setor privado, mas a defesa da restrição ao aumento do passivo do Estado sempre foi seletiva. Primeiro, porque enquanto restringe a expansão do crédito concedido diretamente pelo Estado, deixa livre a expansão do crédito bancário. Segundo, porque ao longo da história, sempre houve exceções em relação às restrições para a expansão da dívida pública. O financiamento de guerras ao inimigo externo, em todas as épocas, foi visto como um motivo legítimo para abrir exceção. Da mesma forma, o socorro ao setor financeiro privado foi também sempre entendido como razão para suspender a conversibilidade da moeda e liberar a expansão do passivo monetário do Estado. Embora a teoria convencional se recuse a reconhecer que o Estado é o credor primário na economia, quem pode expandir o crédito e criar poder aquisitivo sem lastro, o seu papel de emprestador de última instância, para socorrer o setor financeiro em momentos de crise, nunca foi questionado.

Foto: Nelson Provazi

7. A taxa de juros

Vários são os conceitos de taxas de juros. A profusão de definições confunde, dado que a teoria se refere à taxa de juros, como se fosse um único e bem determinado conceito. A taxa real de juros, assim como conceitos mais esotéricos, como o da taxa neutra, não são observáveis, a não ser de forma indireta a partir de suposições subjetivas. A taxa de juros que pode ser inequivocamente observada é a taxa nominal, a taxa em valores monetários para um determinado prazo. Diferentes taxas nominais de juros refletem o risco associado ao devedor e ao prazo do contrato. O Estado emissor da moeda fiduciária não corre risco de não ter recursos para resgatar sua dívida no vencimento.

O ponto é mal compreendido. Os Estados podem não ter como honrar compromissos de dívidas denominadas em moeda estrangeira, que não são capazes de emitir, mas, a menos que tomem a decisão política de não honrar a dívida denominada na sua moeda, podem sempre creditar monetariamente o detentor da dívida e pagar. Existe risco na dívida pública denominada em moeda estrangeira, mas não existe risco de crédito na dívida pública denominada em moeda nacional. A taxa de juros de um dia, “overnight”, da dívida pública denominada em moeda nacional, é a taxa sem risco para o prazo mais curto da economia. Por isso é chamada de a taxa básica. Esta é a taxa que o banco central cobra, ou paga, para emprestar, ou tomar, reservas bancárias do sistema financeiro por um dia. Apesar de já aprovado em lei o pagamento de juros nas reservas voluntárias do sistema bancário, como já é prática da maioria dos bancos centrais no mundo, o Banco Central do Brasil ainda opera primordialmente com operações de curtíssimo prazo, com lastro em títulos públicos, conhecidas como “operações compromissadas”.

Independentemente de como opere o banco central, com reservas remuneradas ou com operações compromissadas, a taxa básica das reservas bancárias é hoje reconhecidamente o principal instrumento de política monetária. O banco central determina a taxa básica e toma, ou empresta, as reservas ofertadas, ou demandadas, pelo sistema financeiro nesta taxa. Repito para deixar claro: a taxa básica de juros nas reservas bancárias é fixada pelo banco central, é o seu principal instrumento de política. Ao fixar a taxa básica, o banco central se torna um doador ou um tomador passivo de reservas para o sistema financeiro. A taxa de juros é determinada pelo banco central e as reservas bancárias, o principal componente da base monetária, são determinadas pela demanda da economia. A quantidade de crédito na economia, decidida pelo otimismo dos empresários e do sistema financeiro, determina a demanda por reservas bancárias, a base monetária, que o banco central se vê na obrigação de suprir, para garantir o controle da taxa básica. Dito na linguagem técnica dos economistas: a taxa de juros é exógena e a moeda é endógena. Ocorre que todo o raciocínio econômico convencional parte do pressuposto oposto, de que a taxa de juros é endógena, determinada no mercado, e que a moeda é exógena, controlada pelo banco central.

8. O banco central determina a taxa de juros

Apesar de ter ficado claro que o banco central não controla os agregados monetários, o que já foi incorporado nos cursos avançados de macroeconomia, grande parte dos analistas ainda raciocina como se a taxa de juros fosse determinada pelo mercado e não um instrumento do banco central. Mais uma vez, a confusão entre os diferentes conceitos de taxas de juros permite que se sustente, ao mesmo tempo e aparentemente sem contradição, que a taxa de juros é determinada no mercado e que o banco central controla a taxa de juros. O banco central controlaria a taxa básica, mas “a” taxa de juros seria determinada pelas forças do mercado. A taxa de juros nos títulos de longo prazo da dívida pública é recorrentemente utilizada pelos analistas como indicador da pressão exercida pela demanda de financiamento do Estado no mercado de “loanable funds”. Os desvios significativos da taxa longa em relação à taxa básica são invocados como evidência do “risco fiscal”, de que o banco central não controla “a” taxa de juros, mas apenas a taxa básica.

As taxas para diferentes prazos da dívida podem efetivamente apresentar desvios, para cima ou para baixo, em relação à taxa básica. A chamada estrutura a termo das taxas, a “yield curve”, ou a “curva dos juros”, que associa as taxas aos prazos da dívida, pode tomar diferentes formas. Pode ser positivamente inclinada, com as taxas mais altas para prazos mais longos, “flat” ou paralela ao eixo horizontal do tempo, ou ainda negativamente inclinada. Ao fixar a taxa básica por um dia, o banco central determina o primeiro ponto da curva, mas o mercado determina as taxas para todos os demais prazos.

Ocorre que o mercado determina as taxas, para os diferentes prazos, estimando as sucessivas taxas de um dia, de overnight, determinadas pelo banco central até lá. A taxa de um ano é a estimativa do mercado do custo de aplicar, sucessivamente por 365 dias, à taxa básica. Este é o custo de financiar a compra do título de um ano no mercado interbancário de reservas até o seu vencimento, o custo de “carregar” o título até o vencimento. Dado que as sucessivas taxas de overnight são determinadas pelo banco central, tudo que o mercado faz, ao precificar títulos mais longos, é estimar a trajetória da taxa básica para o prazo do título. Como há incerteza sobre a trajetória das taxas a serem fixadas pelo banco central, ao precificar os títulos mais longos, o mercado exige um prêmio sobre o custo de carregamento. Quanto maior o prazo, maior a incerteza, maior o prêmio exigido.

Este prêmio de risco é muitas vezes, equivocadamente, considerado uma estimativa do risco de crédito da dívida. Equivocadamente, porque não existe risco de default na dívida denominada na moeda fiduciária do seu emissor. O prêmio, nos prazos mais longos da dívida, é efetivamente um prêmio de risco, mas de risco do carregamento, risco de que a trajetória da taxa básica possa vir a ser superior à prevista, não risco de crédito do Estado.

Como as taxas para diferentes prazos de dívida são calculadas pelo mercado com base no custo de carregamento que é determinado pelo banco central, toda a estrutura a termo das taxas é determinada pelo banco central. A incerteza sobre a trajetória da taxa básica é o que leva o mercado a pedir um prêmio nos prazos mais longos, mas como a curva dos juros é baseada no que o mercado espera que seja a política do banco central para a taxa básica até os diferentes prazos de vencimentos, é o banco central quem influencia toda a curva de juros. Se a incerteza sobre a política do banco central em relação à taxa básica for reduzida, também o prêmio do mercado para os prazos mais longos será reduzido. Essa é a razão pela qual os bancos centrais passaram a anunciar como pretendem conduzir suas políticas de juros no futuro. O “forward guidance”, ou direcionamento futuro, é uma forma de reduzir o risco de carregamento e influenciar a curva de juros. Ainda que o banco central anuncie o que irá fazer, a incerteza sobre a trajetória da taxa básica não desaparece por completo, pois é sempre possível que o banco central mude de ideia e não faça o que se comprometeu a fazer.

Para eliminar a incerteza, é preciso que o banco central não apenas anuncie o que pretende fazer, mas compre e venda títulos nas taxas anunciadas para os diferentes prazos ao longo da curva de juros. “Put your money where you mouth is”, ponha seu dinheiro no que diz, é o que passou a fazer recentemente o Banco do Japão. Ao comprar e vender títulos para os diferentes prazos da dívida, como já faz o Banco do Japão, o banco central determina toda a estrutura a termo dos juros, o que lhe dá um instrumento muito mais poderoso do que apenas a fixação da taxa básica de overnight.

9. O prazo da dívida é irrelevante

O mercado pode, ainda assim, discordar do banco central. Pode, por exemplo, achar que a taxa fixada para os títulos de longo prazo são insuficientes, que a inflação mais alta do que pressupõe o otimismo do banco central irá mais à frente forçá-lo a subir as taxas, e quem comprou títulos longos terá prejuízo. O mercado procurará então fugir dos prazos mais longos e se concentrar nos mais curtos, para os quais acredita que o banco central irá efetivamente manter as taxas com as quais se comprometeu.

De fato, ao fixar as taxas, comprando e vendendo títulos para os prazos ao longo da curva, o banco central abre mão do controle sobre o prazo médio da dívida. Se o mercado desconfiar que as taxas para prazos mais longos estão subestimadas, que o banco central será obrigado a elevar a taxa básica antes do vencimento dos títulos, haverá mais vendas para o banco central do que compras pelo mercado de títulos longos, e o prazo médio da dívida será reduzido.

O raciocínio convencional é que o encurtamento do prazo da dívida é indesejável, que quanto mais longa a dívida, menos problemático é o seu refinanciamento. Esta é uma visão justificada quando os mercados de dívida eram ilíquidos e as mãos do banco central estavam amarradas pela disponibilidade de lastro metálico. No passado, grande parte dos compradores de títulos públicos eram tomadores finais que pretendiam levá-los até o resgate, pois não havia liquidez para compra e venda no mercado sem grandes deságios e o banco central, restrito pela exigência de lastro metálico, não poderia garantir a liquidez aos títulos da dívida. Sem a restrição de lastro para a emissão de moeda, o banco central pode sempre recomprar ou refinanciar a dívida do mercado com emissão de reservas bancárias. Por isso a dívida pública é hoje extremamente líquida, mesmo para grandes valores, negociada em mercado sem deságio em segundos. Toda a reserva de liquidez do sistema financeiro é mantida em títulos públicos. A dívida pública é, hoje, a moeda que paga juros.

A colocação de títulos longos não garante que o banco central, diante de uma crise de confiança, não venha a ser obrigado a recomprá-los ou refinanciá-los. Como uma parcela expressiva dos títulos longos são carregados pelas instituições financeiras, diretamente em suas carteiras ou nos fundos administrados por elas, sempre financiados no interbancário a prazos mais curtos, a alta das taxas dos papéis longos pode provocar perdas expressivas, o que obriga o banco central a intervir para evitar uma crise mais grave. Ora, se o banco central será sempre obrigado a intervir, como emprestador de última instância, para impedir perdas mais expressivas e salvar o mercado, o prazo médio da dívida é irrelevante.

Toda dívida, por mais longa que seja, está sujeita a uma garantia de recompra pelo banco central, em caso de crise de confiança e iliquidez no mercado. Por que então alongar a dívida? Por que pagar um prêmio nos títulos longos carregados pelo sistema com financiamento de curto prazo no interbancário? O prêmio dos papéis longos é apropriado pelo sistema bancário, que se financia com o público no curto-prazo e, em caso de iliquidez, diretamente com o banco central.

Além do prêmio de carregamento, o sistema financeiro se beneficia da assimetria em relação aos movimentos da taxa básica: quando as taxas sobem, o banco central é obrigado a intervir para evitar uma crise, mas quando se reduzem, o ganho da valorização dos títulos é do sistema. Liquidez é uma qualidade da qual o aplicador em títulos públicos só está disposto a abrir mão mediante um prêmio na taxa de juros. Ainda assim, só está disposto a alongar o prazo quem tem acesso ao financiamento do interbancário irrigado pelo banco central, ou seja, o sistema bancário. Grande parte do financiamento da dívida é de curtíssimo prazo, o prêmio dos títulos mais longos é apropriado pelo sistema financeiro, que faz a transformação de prazos, carregando papéis longos financiados no curto prazo pelo público.

A única razão para emitir títulos de mais longo prazo é poder balizar a estrutura a termo das taxas de juros. Com títulos longos e intervenção ativa ao longo da curva, como faz o Banco do Japão, o banco central tem um instrumento muito mais poderoso do que apenas a taxas básica de overnight para a condução da política monetária. O banco central não apenas fixa a taxa básica, como tem como determinar toda a estrutura a termo da curva de juros.

A taxa de juros não é resultado da oferta e da demanda de fundos emprestáveis, de “loanable funds”, não é o resultado do equilíbrio entre a poupança e o investimento, mas sim da política de juros do banco central. Como observado por Keynes na Teoria Geral, a taxa de juros é determinada no mercado monetário. O mercado monetário é o mercado de dívida pública, dado que a moeda é dívida pública, é o passivo de curtíssimo prazo do Estado. A moeda só se distingue de títulos de dívida pelo fato de não pagar juros e não ter prazo de resgate, mas a moeda é dívida pública, é uma perpetuidade que não paga juros, mas é dívida pública de toda forma. O banco central dita a taxa básica do mercado monetário e tem como controlar toda a estrutura a termo das taxas de dívida pública. A conclusão é irrefutável: a taxa de juros da dívida pública é determinada pelo banco central.

10. Os limites da taxa de juros e a sustentabilidade da dívida

Existe uma infinidade de taxas de juros que refletem os riscos associados à infinidade de contratos de crédito existentes na economia, mas a taxa, ou a estrutura a termo de taxas, que serve de referência para todas elas é a taxa da dívida pública, a taxa de juros, num país com sua moeda fiduciária, sem risco de crédito. Esta é a taxa de juros à qual se refere toda a macroeconomia e é determinada pelo banco central. Não é determinada no mercado, não depende do equilíbrio entre poupança e investimento, nem da oferta e da demanda por fundos “emprestáveis”. Não depende porque o Estado, através do banco central, determina a taxa de juros e garante que a oferta de fundos “emprestáveis” será a que for demandada a esta taxa. Só assim o banco central pode fixar a taxa de juros. Dito na linguagem técnica: a taxa de juros é o instrumento de política do banco central, portanto, uma variável exógena, não determinada endogenamente pelas forças do mercado. A variável endógena, que resulta das forças de mercado, é o crédito demandado pelo sistema e garantido pelo banco central à taxa de juros por ele determinada.

O controle da taxa de juros pelo banco central tem implicações da maior importância para a política macroeconômica. Nos últimos anos, sobretudo depois da crise financeira de 2008 e agora da covid, o rápido crescimento da dívida pública em todo o mundo levou alguns dos expoentes da macroeconomia convencional a reavaliar o papel e a sustentabilidade do endividamento público (8). A reavaliação foi feita a partir da constatação de que se a taxa de juros da dívida é menor do que a taxa de crescimento da economia, a relação dívida/PIB não terá uma trajetória explosiva. Ainda que haja períodos nos quais a dívida venha a crescer substancialmente, como ocorreu com as crises de financeira de 2008 e do Covid, se a taxa de juros for inferior ao crescimento da economia, a relação dívida/PIB voltará a cair.

O debate tem dado margem para muita controvérsia e a mais álgebra do que o necessário, mas o resultado é trivial: se a taxa de juros for inferior à taxa de crescimento, a dívida irá crescer menos do que a economia. Grande parte da discussão gira em torno de saber se as taxas de juros, que hoje são muito baixas, claramente inferiores ao crescimento, ainda que medíocre, das economias, irão continuar baixas. Quem sustenta que o endividamento é indesejável e perigoso argumenta que os juros voltarão a subir e os países muito endividados serão pegos no contrapé. Ora, a incerteza sobre o custo da dívida pressupõe que a taxa de juros, como sustentava a macroeconomia convencional do século passado, esteja fora do controle do banco central. Sabe-se, hoje, que a taxa de juros é um instrumento do banco central. Basta que as autoridades monetárias se comprometam a não fixar a taxa de juros acima da taxa de crescimento, para garantir que a relação entre a dívida e o produto interno irá eventualmente se reduzir.

Comprometer-se com uma taxa de juros abaixo da taxa de crescimento não significa que o banco central não possa, transitoriamente, elevar os juros acima do crescimento para evitar o sobreaquecimento da economia. Basta que a taxa média ao longo de tempo não exceda o crescimento. Sabe-se também que a taxa de juros, por si só, é um instrumento menos poderoso do que se imaginava para desaquecer a economia e controlar a inflação. Tem-se consciência de que a política de juros precisa ser coordenada com a política fiscal, sob pena de ser inócua ou mesmo contraproducente. A alta dos juros agrava o desequilíbrio fiscal, como reconhece própria macro convencional, é distributivamente regressiva e pode elevar as expectativas de inflação, como sustenta a conjectura Neo-Fisheriana (9). Como veremos mais à frente, há razões para crer que a alta dos juros, independentemente do efeito sobre as expectativas, eleve também a própria inflação.

O fato de que a taxa de juros é um instrumento do banco central não significa que não haja limites para a sua fixação. Se fixada acima da taxa de crescimento, por um período longo de tempo, irá provocar desequilíbrio fiscal, concentrar a renda e dar à dívida pública uma trajetória insustentável. Se fixada, por um período prolongado, muito abaixo da taxa de crescimento, irá provocar inflação de ativos e desequilíbrio no balanço de pagamentos, pois a inflação de ativos tende a ser seguida por uma crise financeira com fuga de capitais. Existem limites e diretrizes para a política de juros do banco central, mas a melhor compreensão desses limites, assim como de suas possibilidades, exige que se descarte a velha concepção de que a taxa de juros é determinada pelo mercado e não pelo banco central. É preciso um novo arcabouço teórico que reconheça o que, há décadas, se sabe na prática: a taxa de juros é uma variável de política do banco central. É uma variável de política pública com implicações que transcendem as reconhecidas pela macroeconomia convencional.

11. A inflação e a taxa de juros

Se a moeda é endógena e a Curva de Phillips desapareceu, o que determina a inflação? A macroeconomia convencional não tem ideia, transferiu a responsabilidade para o campo da psicologia coletiva: seriam as expectativas. A verdade é que a teoria econômica nunca teve explicação para o que determina o nível de preços. O modelo canônico de equilíbrio geral de Walras/Arrow/Debreu determina preços relativos num mercado competitivo instantâneo, mas não tem explicação para o que Walras chamou de o “numéraire”, o preço absoluto que fixa toda a estrutura de preços relativos (10) . A tese de que a moeda é um monopólio do Estado, retomada pelo Cartalismo de Georg F. Knapp, no início do século XX, dá a resposta para a determinação do nível de preços, que falta ao modelo de equilíbrio geral.

Como vimos, a moeda é uma unidade de dívida pública, legalmente aceita para o pagamento de impostos e demais obrigações contra o Estado, que passa a ser a unidade de conta da economia (11). Como todo monopolista, o Estado fixa o preço de seu produto, nesse caso o preço da moeda em relação à cesta de bens e serviços da economia, que vem a ser justamente o nível de preços. A forma pela qual o Estado fixa o preço da moeda é ao determinar quanto paga pelo que adquire. Se o Estado comprasse toda a cesta de bens e serviços existente na economia, estaria determinado inexoravelmente o nível de preços, mas como o Estado só adquire um subconjunto dos bens e serviços produzidos, o nível de preços é fixado por este subconjunto, sobretudo pelos preços pagos pelos produtos e serviços que são utilizados na produção de um grande número de outros bens e serviços. O preço da energia, o salário mínimo e a taxa de câmbio são exemplos de preços onde o valor pago pelo Estado ancora o nível de preços. Servem de referências a partir das quais o mercado determina toda a estrutura de preços relativos.

O fato de que o Estado seja monopolista da moeda e que tenha o poder de ancorar o nível absoluto de preços, através do que decide institucionalmente pagar pelo que adquire, não impede que haja expressivas variações dos preços relativos. Altas expressivas de alguns preços, sobretudo, mas não exclusivamente, dos preços sinalizadores pagos pelo Estado, são refletidas no nível de preços.

Dada a inflexibilidade para baixo dos salários, o ajuste dos preços relativos tende a ser feito através da alta de alguns preços, enquanto outros são mantidos constantes. O resultado é uma alta no nível de preços. Essa alta do nível geral de preços, medida por um dos índices utilizados para indicar a sua variação, é comumente chamada de a taxa de inflação. É uma medida do aumento ocorrido nos preços até o momento. É, portanto, a alta dos preços observada pelo retrovisor. Uma definição mais rigorosa de inflação é o aumento contínuo da estrutura a termo dos preços, é a alta dos preços futuros em relação aos preços hoje. A inflação corrente é o prêmio sobre os preços de hoje que deve pagar quem deseja comprar a cesta de bens e serviços hoje, para pagamento em algum momento no futuro.

Assim definida, como a estrutura temporal dos preços, do presente até um ponto futuro no tempo, fica claro que a inflação pode ser entendida como a taxa própria de juros, “the own rate of interest”, da cesta de bens e serviços na economia, isto é, o prêmio percentual em termos da cesta de bens e serviços que deve ser pago para entrega hoje e devolução da mesma cesta de bens a prazo. Dito de outra forma, a inflação é o deságio no valor da moeda entre hoje e uma data futura de pagamento.

Assim como o nível de preços é determinado pelo emissor monopolista da moeda, o deságio do valor da moeda no tempo é determinado pelo banco central. É determinado pelo que o braço financeiro do Estado, o banco central, fixa como desconto da moeda futura em relação à moeda hoje, isto é, a taxa de juros. Ao fixar a estrutura a termo da taxa de juros, a curva de juros, que tem efetivamente o poder de fixar, o banco central estará determinando a estrutura a termo do valor da moeda, logo, a estrutura temporal dos preços, ou seja, a inflação. Ao contrário do que supõe a teoria convencional hegemônica, a inflação não é negativamente correlacionada com a taxa de juros. Ao elevar a taxa de juros para conter a demanda e, supostamente, reduzir a inflação, o banco central está na realidade definindo uma inflação mais alta. Essa é também a conclusão de John Cochrane, que por caminhos muito diferentes, a partir do modelo macro convencional de equilíbrio geral dinâmico estocástico, DSGE, formula a tese, ou a conjectura, neofisheriana, em homenagem a Irwin Fisher, de que a taxa de juros está positivamente correlacionada com a inflação (12).

12. Conclusão: repensar a governança

É imperativo repensar a governança do Estado e o desenho das restrições institucionais ao seu poder financeiro e da forma como o delega ao sistema bancário. Sem restrições institucionais, o Estado tem a capacidade ilimitada de dar crédito e de criar poder aquisitivo. Tem adicionalmente a capacidade de determinar a taxa de juros. Controla, assim, tanto a criação de ativos e passivos financeiros da sociedade, como a taxa de transferência no tempo destes ativos e passivos, ou seja, o preço da transferência de riqueza no tempo. O poder econômico do Estado, numa sociedade moderna onde a moeda é fiduciária, se não for restringido e institucionalmente regulado, é efetivamente avassalador. Compreende-se que o liberalismo econômico distorça a realidade para lhe impor limites supostamente naturais, mas, curiosamente, se recusa a reconhecer que o sistema bancário também cria poder aquisitivo, insiste em sustentar que é mero intermediário de agentes superavitários para deficitários.

A verdadeira responsabilidade fiscal e monetária consiste em assegurar que a contabilidade financeira da economia seja pautada pelos valores, no sentido de crenças e princípios, da sociedade. A contabilidade financeira deve procurar recompensar a produtividade e promover o bem estar coletivo. Assim como não pode ser desvirtuada para atender a interesses ilegítimos dos ocupantes do Estado e corporativistas de setores que procuram capturá-lo, não pode também ser integralmente delegada ao sistema financeiro com acesso ao banco central. O volume e o direcionamento do crédito é instrumento poderoso, muito mais poderoso do que a taxa básica de juros, hoje, o principal instrumento de política monetária.

O mito propalado pela teoria macroeconômica convencional de que a oferta de fundos para investimento só pode vir da renda não consumida, da poupança, e que a taxa de juros equilibra poupança e investimento, decorre da incapacidade de compreender corretamente a origem estatal do crédito. O Estado tem a capacidade de controlar tanto a expansão e o direcionamento do crédito, quanto a taxa de juros. Com base no arcabouço conceitual da macroeconomia convencional, desde a criação do sistema financeiro moderno no século XVII, delega a expansão e o direcionamento do crédito para o sistema bancário e, atualmente, limita-se a determinar a taxa básica de juros, com base na teoricamente questionável e empiricamente duvidosa relação inversa entre juros e inflação.

A combinação de hipertrofia financeira, concentração de riqueza e persistência de uma parcela expressiva da população abaixo da linha de pobreza, mesmo nos países mais avançados, deixa claro que há algo errado na gestão das economias capitalistas contemporâneas. A opção por restringir a ação do Estado, obrigando-o a se financiar integralmente através de receitas tributárias, enquanto a expansão do crédito para o setor financeiro fica irrestrita, é muito provavelmente a principal razão deste estado das coisas.

Por um lado, a restrição indiscriminada ao poder financeiro do Estado limita a sua capacidade de criar poder aquisitivo para explorar as potencialidades da sociedade através do investimento em áreas críticas, como educação, saúde, infraestrutura, pesquisa e tecnologia e o meio ambiente. Por outro lado, completa delegação da expansão do crédito para o sistema bancário provoca ciclos recorrentes de euforias, inflação de ativos e crises financeiras que obrigam a intervenção do Estado como emprestador de última instância. A intervenção do Estado termina por ratificar a inflação dos ativos financeiros criada pela expansão do crédito bancário às custas da expansão da dívida pública. O liberalismo econômico acusa então o aumento do passivo do Estado de ser a razão da crise e reforça a camisa de força ideológica da necessidade de restringir o seu poder financeiro. É imperativo romper a camisa de força ideológica da macroeconomia convencional para poder repensar e superar as distorções do capitalismo financeiro que ameaça a sua própria sobrevivência.

Notas:

1. Ver Lara Resende, A. op.cit.
2. Ver Lara Resende, A. “Dominância Fiscal e Neofisherianismo”, capt.6 em op.cit
3. Ver Reinhart, C. e Rogoff, K.
4. Hicks, J. “ IS-LM: An Explanation” JPKE vol.3, No.2, (1980-1981)
5. Furman, Jason and Summers, “A Reconsideration of Fiscal Policy in an Era of Low Interest Rates”, Peterson Institute for International Economics, Dez.2020
6. Ver Galbraith, James; comentário a Furman, Jason and Summers, op.cit.
7. Minsky, H. P. Stabilizing an Unstable Economy, 2008, McGraw-Hill
8. Ver Furman, J. e Summers, L. “ A Reconsideration of Fiscal Policy in an Era of Low Interest Rates” Peterson institute for International Economics, 1/12/2020, e Lara Resende, A. “Mudança de Paradigma”, Eu&, Valor Econômico, 11/12/2020 ; Ver também Eichengreen, B. In Defense of Public Debt (2012) e Blanchard, O. “Fiscal Policy Under Low Interest Rates”, Draft MIT Press (December 2021)
9. Ver Cochrane, J.H. “Michelson-Morley, Occam and Fisher: The Radical Implications of Stable Inflation at Near-Zero Interest Rates”. Hoover Institute, Stanford, Dec. 2016
10. Ver Lara Resende, A.; op.cit.
11. Ver Lara Resende, A; “Consenso e Contrassenso: Déficit , Dívida e Previdência”, em Consenso e Contrassenso (2020)
12. Lara Resende, A. “Dominância Fiscal e Neofisherianismo”, em Juros, Moeda e Ortodoxia, (2017)

Sobre o autor

André Lara Resende é economista

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