1 de fevereiro de 2022

O retorno do passado como relâmpago

Tirar as lições do passado é o ofício do historiador. Compreender o passado, construir um discurso crítico sobre o passado e então extrair as lições. Mas, tendo dito isso, todos os problemas permanecem em aberto.

Uma entrevista com
Enzo Traverso

Entrevistado por
Martín Martinelli

Jacobin

Na opinião do historiador italiano Enzo Traverso, o que o COVID-19 realmente fez foi acelerar processos que já estavam ativos: desvelou ou clareou tendências estruturais. (Foto: Freddy Davies / La Directa)

A ideia de que tirar lições do passado pode melhorar os seres humanos é uma abstração típica de uma concepção cumulativa e linear da história. Segundo Enzo Traverso, em algumas circunstâncias históricas o passado torna-se ativo, torna-se vivo. É nesses momentos que essas "lições do passado", essa memória coletiva, podem ser ativadas através de uma ação conjunta.

O historiador Enzo Traverso estabeleceu-se como uma das vozes mais proeminentes da cena marxista contemporânea. Tivemos a oportunidade de conversar com ele sobre as concepções da história, o papel dos intelectuais hoje, o nacionalismo e como ele acha que a pandemia que estamos passando vai ficar na história.

Martín Martinelli

Estou interessado na sua avaliação da ideia de compreender o presente a partir de algumas chaves do passado. Você diria que a história pode funcionar como uma ponte para a interpretação e transformação do presente?

ET

Eu diria que extrair as lições do passado é tarefa do historiador.

Compreender o passado, construir um discurso crítico sobre o passado e extrair as lições do passado. Mas, tendo dito isso, todos os problemas permenecem em aberto. As lições do passado podem ser entendidas de diferentes maneiras. Por isso, as representações e interpretações do passado mudam a cada época. E assim a pergunta me lembra o conhecido aforismo: historia magistra vitae.

Deixando Cícero de lado, não se trata de extrair do passado um conjunto de regras morais, aplicáveis ​​a todas as histórias igualmente, da mesma forma hoje como na história do mundo antigo. Mas digamos que há um equívoco, que começou com o Iluminismo, e gira em torno da ideia de que, tirando lições do passado, os seres humanos podem melhorar a si mesmos. Esta é uma abstração típica de uma concepção linear da história; uma história sempre cumulativa que leva à ideia de progresso. É claro que não é nesse sentido que digo que é possível extrair lições da história. Seria muito fácil dizer que a história é a própria negação desse aforismo.

Caso contrário, seria preciso perguntar seriamente como é possível que, após os fascismos do século 20, a Segunda Guerra Mundial e o Holocausto, vivenciamos hoje uma nova ascensão da direita radical e dos fascismos em grande parte do mundo. Ou eu, que sou italiano, poderia me perguntar como é que a Itália, que era um país de emigração, um país de migrantes, hoje – que é um país de imigração – é tão xenófoba. Isso, seguindo o aforismo anterior, significaria que as "lições do passado" não foram aprendidas e que os italianos esqueceram sua história. O mesmo pode ser dito dos judeus, que durante séculos foram uma minoria oprimida e perseguida, mas cuja história culminou no Estado de Israel, um Estado opressor. E assim os exemplos poderiam continuar. O importante, em todo caso, é que essa ideia de “tirar lições do passado” é uma ilusão.

Não acredito em uma concepção cumulativa e linear da história. Acredito no que Walter Benjamin chamou de reaparecimento, reativação ou retorno do passado como um relâmpago: em algumas circunstâncias históricas, o passado se torna ativo, se torna vivo. Esses são os momentos em que essas lições do passado, essa memória coletiva, podem ser ativadas por meio de ações conjuntas. Isso significa levar em conta todos os limites do papel do historiador e da consciência histórica.

Martín Martinelli

Com relação ao seu livro Onde foram parar os intelectuais? (Editora Âyiné, 2020), gostaria de perguntar qual você acha que é a situação dos intelectuais hoje. Said e Gramsci, entre outros, deram definições a esse respeito. Até que ponto elas ainda são válidas, dada a aparência e hegemonia dos meios de comunicação de massa, redes sociais, internet etc.?

ET

Esse livro é uma discussão sobre a história dos intelectuais. Procuro refletir sobre a forma como uma parábola histórica chegou ao fim. O século 20, como o século dos intelectuais, acabou. O conceito de intelectual surge no final do século XIX na França, com o caso Dreyfus; depois há um grupo de grandes figuras —Pasolini na Itália, Sartre na França, Chomsky nos Estados Unidos— que encarnam esse mundo em que os intelectuais desempenham um papel fundamental na crítica ao poder. E essa é a ideia de intelectual que Said levanta em seu pequeno ensaio, interessante, porque é bastante nostálgico. Lá ele escreve que os intelectuais desempenharam esse papel na história e que precisamos de intelectuais que possam desempenhar um papel semelhante no mundo de hoje. É a função que ele deu a si mesmo, no que diz respeito à Palestina, por exemplo.

Essa figura do intelectual surgiu em um mundo dominado pela cultura escrita, a cultura da palavra, do livro, do texto impresso. Uma época em que os intelectuais, não estou dizendo que eles tinham o monopólio da escrita, mas, no início, quase. Eles tinham uma "autoridade moral intelectual", como Bauman a define, como os legisladores. Essa figura apareceu em um momento em que eles monopolizaram o debate político. Seu papel mudou muito com a reificação do espaço público.

Isso se vê hoje, por exemplo, em Black Lives Matter, o grande movimento que abalou os Estados Unidos (e que teve impacto global, já que movimentos antirracistas semelhantes surgiram em outros países e continentes). Muitos intelectuais apoiaram esse movimento, mas muito pouco se falou sobre eles. Porque no mundo de hoje, a intervenção de um atleta, ator ou rockstar em apoio ao Black Lives Matter tem um impacto muito mais forte. Um intelectual pode escrever um artigo do New York Times sobre isso, e o impacto é limitado. Por outro lado, quando um atleta publica um vídeo com mais de 10 milhões de seguidores, ele viaja o mundo. A mídia mudou radicalmente o pensamento e isso muda o papel do intelectual, isso é evidente.

Martín Martinelli

O cinema também poderia ser mencionado como uma das mídias que mais molda o imaginário histórico...

ET

O cinema tem um papel fundamental na construção de uma representação do passado para as grandes massas. Às vezes até de formas não reconhecidas ou devidamente notadas, mesmo entre os próprios historiadores. Nossa representação do passado é visual, mediada pelo cinema e pela televisão. Em todo o mundo, na Indonésia, por exemplo, se você fala sobre o holocausto, as pessoas visualizam o campo de Auschwitz e a rampa que leva a ele. Esse é o poder do cinema: tenho um amigo pesquisador que forjou o conceito de «poder cinematográfico», poder cinematográfico como instrumento de controle do modo de pensar e do inconsciente.

Isto está ligado —e partilho deste ponto de vista— com o que Regis Debray sintetizou como «o advento da videoesfera», também relacionado com o declínio do papel dos intelectuais. Os intelectuais tiveram um papel crucial; a figura de Sartre destaca-se nos tempos da grafosfera, no mundo dominado pela cultura escrita. Mas então surge a era do vídeo: um mundo dominado pelas imagens. Estes também moldam nossas representações do passado.

Agora, a era da videosfera durou muito pouco, porque já entramos em algo diferente, a digitosfera, o mundo das redes sociais e a Internet. Não é mais Hollywood que constrói nossas representações. Isso é algo que os historiadores raramente levam em conta suficientemente. Procuro fazê-lo introduzindo uma dimensão de história visual em meus últimos livros, tentando mostrar como certos conceitos são inseparáveis ​​de certas imagens, palavra de sua representação mais difundida. Por exemplo, no meu último livro sobre a melancolia da esquerda, tento mostrar a existência de uma iconografia que expressa muito bem uma visão teleológica da história. Essa iconografia dominou a cultura do socialismo e do comunismo por muito tempo.

Para mim esses aspectos são cruciais, pois até agora os historiadores pensaram as imagens de forma instrumental. Como nos trabalhos sobre propaganda fascista, onde as imagens são usadas apenas para mostrar como a propaganda manipula. Acredito que as imagens são fontes no sentido mais abrangente da palavra: fontes com as quais os historiadores devem trabalhar, fontes que devem ser colocadas em diálogo com outras fontes mais tradicionais, como arquivos, produções textuais etc. Conectados com as imagens, os textos podem adquirir novos significados.

Martín Martinelli

O que você acha dos debates sobre a concepção da própria disciplina histórica? Como eles se relacionam com a história consumida pelas massas? Estou pensando, por exemplo, no Historikerstreit na Alemanha nos anos 80.

ET

Acho que sua pergunta nos permite refletir sobre a relação entre a dinâmica da pesquisa histórica: a trajetória historiográfica, por um lado, e o uso público da história, por outro. As discussões dos historiadores na Alemanha durante a década de 1980 sobre o Holocausto foi um grande debate que transcendeu amplamente as fronteiras do campo historiográfico. Foi um debate nacional que aconteceu nos jornais, na mídia, foi um debate da sociedade civil como um todo. Alguns resultados alcançados pelo conhecimento e pesquisa dos historiadores foram transformados em consciência compartilhada, em consciência histórica.

O historikerstreit não é apenas uma etapa da história da historiografia alemã; é um momento crucial na história da relação da Alemanha com seu próprio passado, no surgimento de uma nova consciência histórica no centro da qual está o Holocausto. Não é possível hoje, para um jovem alemão de vinte anos, pensar na história da Alemanha sem dar uma posição central ao Holocausto. Esta é uma consequência do historikerstreit. Assim, poderíamos dar muitos outros exemplos.

Você, que trabalha na Palestina: o que se chama —entre aspas— “revisionismo histórico” na Palestina, que é uma dinâmica historiográfica. Vemos historiadores questionando o relato tradicional da guerra de 1948. Esse debate tem consequências sobre a maneira como a sociedade israelense como um todo pensa sobre seu próprio passado. É um momento em que a narrativa sionista tradicional de redenção é muito mais problematizada. Uma guerra de libertação ou uma guerra de ocupação, ou ambas ao mesmo tempo, ou uma guerra que se concebe e se faz como uma guerra de libertação e que se torna uma guerra de expulsão e ocupação de territórios e a criação de um Estado, que é um estado de opressão.

Todo esse conjunto de debates sobre o uso público do passado tem uma relação muito forte com a historiografia no sentido de que, por um lado, são nutridos pelo trabalho dos historiadores e, por outro, afetam o trabalho dos historiadores. Porque depois do historikerstreit, a história do Holocausto não pode mais ser escrita como antes; nem a história de Israel pode ser escrita sem levar em conta o debate revisionista, etc. O mesmo pode ser dito em relação ao colonialismo, à Guerra da Argélia... poderíamos dar vários exemplos do mesmo.

Os historiadores devem estar cientes de que trabalhamos para dar respostas a questões de conhecimento que são sociais. Se posso escrever livros sobre um assunto e publicá-los, é porque há um público que quer conhecer e refletir sobre o passado. Assim, há uma dialética fundamental entre pesquisa e trajetórias da memória no espaço público. Se não estamos cientes disso, estamos errados. Não é por acaso que recebemos uma bolsa para trabalhar neste tema e não em outro. Você tem que falar para os alunos, porque muitas vezes para eles é vital, para fazer uma pesquisa, para conseguir ima bolsa. Eles têm que saber que hoje existe toda uma política de instituições, de centros de poder, uma relação entre o mundo acadêmico e o mundo econômico e político que irradia e estrutura como um tecido também o campo historiográfico.

Martín Martinelli

Você poderia comentar um pouco sobre a tese que você apresentou em The End of Jewish Modernity, sobre a mutação do judaísmo que ocorre entre Trotsky e Kissinger? Onde você colocaria Herzl nesse esquema? E como foi que a judeofobia se tornou o eixo do nacionalismo europeu?

ET

Esse livro foi muito polêmico: defendido por um conjunto de pesquisadores e ativistas e fortemente criticado por outros. Fui estigmatizado como antissemita nos Estados Unidos, na França e em vários países europeus. Para evitar qualquer mal-entendido, não estou dizendo que o anti-semitismo desapareceu, mas sim que ele ainda existe por meio de ataques terroristas e outras formas de hostilidade, que, sem dúvida, devem ser combatidas.

Minhas reflexões surgiram de uma constatação: o deslocamento do mundo judaico no século 20, da revolução para o imperialismo. Desenho esta paisagem com duas figuras emblemáticas que são, por um lado, Trotsky, o judeu errante da revolução internacional, perseguido, exilado ao longo da vida, cosmopolita, que transita por países e continentes e encarna essa ideia de revolução mundial... E por outro lado Kissinger, como estrategista e teórico do imperialismo. Essas duas figuras emblemáticas sintetizam uma mudança ocorrida no mundo judaico ao longo do século XX. Enquanto isso, ocorreu a Segunda Guerra Mundial e o subsequente nascimento do Estado de Israel. Depois daquele conflito e do holocausto, não estou dizendo que o o anti-semitismo desapareceu, mas que declinou em todos os países onde esteve muito presente, profundamente enraizado nas culturas, nas ideologias.

A história do nacionalismo europeu no século XX não pode ser pensada sem conceder um lugar central ao antissemitismo como elemento estruturante da visão nacionalista de mundo. Na paisagem contemporânea que emerge após aquela guerra, o conservadorismo, as ideias conservadoras e neoconservadoras, suas estratégias e os quadros políticos dos movimentos de direita não são mais antissemitas. Ou melhor, elas não têm mais o antissemitismo como traço dominante. A partir deste ponto, Herzl, fundador do sionismo, é um precursor. De certa forma, ele é um precursor de Kissinger: ele pensa no projeto de um Estado judeu na Palestina como algo que pode ser alcançado com o apoio das grandes potências imperiais.

Tudo isso não significa que todos os judeus foram revolucionários ou que todos os judeus se tornaram reacionários. Isso é uma simplificação ridícula, é claro. Há uma tradição de pensamento crítico arraigada nas culturas judaicas, o que significa que ainda há muitos judeus em movimentos de esquerda, de extrema esquerda, na elaboração de uma crítica às formas de dominação... e isso é algo muito simples de verificar. As condições históricas até a Segunda Guerra Mundial deram aos judeus aquela – digamos – posição “privilegiada” na crítica do poder. Após a guerra, essas condições não existem mais. Após a criação do Estado de Israel, verificamos como se estabelece uma relação simbiótica e orgânica entre uma camada intelectual e os centros de poder. Analisar esse processo é muito interessante.

O que me impressionou na crítica é detectar uma espécie de deficiência ou cegueira... Não querer ver o que é absolutamente óbvio. Tentei estabelecer uma genealogia intelectual. Não é apenas Kissinger, é Herzl, é o ponto de partida de toda uma jornada intelectual. Há um grupo de pensadores, de Leo Strauss a Karl Popper, a Raymond Aaron e outros, que lideram essa mudança. O que é inegável é que para um intelectual judeu, ser conservador, ideólogo do imperialismo ou nacionalista era objetivamente muito difícil na Europa até a Segunda Guerra Mundial, e ae roenou algo muito fácil depois.

Por quê? Porque houve uma explosão de pensamento crítico, de criatividade intelectual, estética, literária no mundo judaico no início do século XX devido à presença —combinada— de um conjunto de condições históricas. Ser judeu significava ter esse papel crítico, estar fora do poder, fora das instituições, ser um outsider. Mas, depois da Segunda Guerra, essa não é mais a situação dos judeus na França, no Reino Unido ou nos Estados Unidos.

MM

Me quedó una cuestión pendiente de lo que mencionó antes, acerca del rol de los intelectuales hoy. Quisiera saber su opinión sobre el movimiento de Boicot, Desinversión y Sanciones (BDS).

ET

Bueno, eso es todo otro tema. Yo creo que las campañas de boicot, en particular la de los productos que llegan desde las colonias en los territorios palestinos, sufre de un hándicap fundamental vinculado a la pregnancia de la memoria colectiva. Lo observo muy claro en Alemania, por ejemplo, donde este fenómeno tomó formas patológicas: hay movimientos de la izquierda radical que son hipersionistas y que defienden la bomba atómica israelí. Porque Alemania tiene que expiar sus culpas: Alemania no puede criticar a Israel porque es la responsable del Holocausto. Eso demuestra cómo la memoria puede afectar los posicionamientos políticos.

Conozco mucha gente para la que participar en una manifestación para el boicot de productos israelíes es algo simplemente imposible emocionalmente, porque es demasiado pregnante en su conciencia y en su memoria el recuerdo de las manifestaciones de boicot de las tiendas judías de uno de los rasgos fundamentales del antisemitismo. Vivimos en un mundo en el cual la memoria del Holocausto ocupa este papel central como paradigma de las violencias y de la opresión. Así, para otorgar el reconocimiento de un genocidio, de una persecución o de una masacre hay que compararla al Holocausto. Siguiendo esta lógica, esa sería la única manera de reconocer la magnitud de la masacre en cuestión, el debate sobre el Holocausto marca el contexto.

Eso explica por qué en la década de los sesenta había muchos intelectuales en Estados Unidos de origen europeo que llegaron como exilados, fueron acogidos y entendían que no podían aceptar participar en manifestaciones en contra la guerra de Vietnam, en las que se quemaba la bandera estadounidense. Esto a veces es difícil de entender. Pensemos en una persona chilena: hace poco se abrieron los archivos y se conoce el rol de Estados Unidos en el golpe de Pinochet en Chile; en ese caso, quemar una bandera norteamericana es mucho más fácil de lo que fue para los exiliados en Estados Unidos de los 60. ¿Qué quiero decir con esto? Que no todos pudieron actuar como Marcuse. Y eso es algo a tomar en cuenta cuando se observan las controversias alrededor de la campaña para el boicot de los productos.

Porque tienen que enfrentarse con la memoria del Holocausto, que en muchos casos es instrumentalizada, que es utilizada como un arma en contra de los derechos palestinos, ese es el contexto. No creo que eso sea algo permanente, desde la comparación entre la ocupación de los territorios palestinos y Sudáfrica es aún más legítima en la opinión internacional, digamos que veo un cambio. Sin embargo, en la manera de formular una reivindicación política, un eslogan, hay que valorar esas precauciones. Las campañas para el boicot en México, en Alemania, en Francia y en Nueva York no son lo mismo, hay que pensarlas según el contexto.

MM

Em sintonia com algumas questões que surgiram ao longo da palestra, não posso deixar de perguntar sobre o nacionalismo, que é uma questão que atravessa a história do século 20 e agora também o século 21.

ET

É um ponto muito importante. Eu não sou um historiador do nacionalismo, então tenho muito mais perguntas do que respostas a esse respeito. Mas acho que o nacionalismo de hoje tem características diferentes em relação aos nacionalismos do passado. Uma das mudanças mais significativas que tentei destacar e analisar em meus trabalhos é a transição do antissemitismo para a islamofobia como elemento estruturante do nacionalismo no mundo ocidental. A islamofobia na Ásia assume diferentes traços que podem ser analisados. Há mudanças significativas e, ao mesmo tempo, elementos de continuidade.

Deixando de lado as formulações mais ingênuas que poderiam aparecer, por exemplo, mesmo nos escritos de Marx no século XIX, ou Auguste Comte, que diz que a era do industrialismo (como ele a chama), é uma época em que os ódios nacionais desaparecem... Outro exemplo é o do pós-guerra, os anos do boom, quando havia a ideia de que o nacionalismo era uma herança da segunda metade do século XIX e primeira metade do século XX, que a doença explodiu com a Segunda Guerra Mundial e então caminharíamos em direção a um mundo em que o nacionalismo é uma memória do passado. Tudo isso foi uma ilusão, porque sabemos muito bem que, com o fim da Guerra Fria, em um mundo novo, com uma ordem internacional diferente e com a globalização, com o questionamento das soberanias nacionais, a incapacidade de controlar a dinâmica econômica do neoliberalismo, uma das reações mais importantes é a de um certo retorno nacionalista, um retorno muito conservador ao nacionalismo: xenófobo, radical, reativo. É uma expressão de medo diante do mundo global.

Então há continuidade e também transformação, porque se analisarmos os movimentos nacionalistas de hoje, eles são muito diferentes dos do passado, apesar de serem também racistas, e poderem assumir alguns slogans. Mas não se engane: existem diferenças fundamentais, do meu ponto de vista, que importa esclarecer; pois, caso contrário, confundiríamos a maneira de lutar.

Houve um tempo, na década de 1930, por exemplo, em que o nacionalismo era a opção das classes dominantes em muitos países. Estamos em uma situação semelhante hoje? A questão permanece em aberto. As eleições nos Estados Unidos mostraram que não. Há uma tendência geral que indica que, depois de Trump nos Estados Unidos, Bolsonaro no Brasil, a ascensão massiva de movimentos de extrema direita na Europa, o que está acontecendo na Índia com Modi, em outros países asiáticos..., a nova direita, o pós-fascismo se alimenta e extrai sua força da rejeição do neoliberalismo e da globalização. E essas duas são opções das elites, das classes dominantes em nível global. Refiro-me a multinacionais de todo o mundo ocidental e também de países do Sul, da União Europeia como instituição, de Wall Street e do Pentágono. Sabemos que Trump queria bombardear o Irã e o Pentágono o bloqueou. Ainda não é a opção, e isso é uma diferença.

Na primeira metade do século XX, o internacionalismo predominou no movimento operário e o nacionalismo prevaleceu no campo burguês do capitalismo. Atualmente, as classes dominantes do capitalismo são muito globais, muito pós-nacionais, não são nacionalistas. Eles podem se tornar nacionalistas por razões utilitárias e instrumentais. Se houver uma crise que coloque seus interesses em questão, eles podem muito bem optar pelo nacionalismo e pelo fascismo também. Mas não é a situação no momento.

MM

¿Cómo piensa que el eurocentrismo y el occidentecentrismo inciden en las interpretaciones y resignificaciones de las revoluciones del siglo XX?

ET

Es una buena pregunta, porque yo creo que la cuestión del eurocentrismo hay que replantearla y repensarla desde el presente. Es decir, existe una vieja crítica al eurocentrismo que, por supuesto, es fundamental, pero que es un poco obsoleta hoy. Vivimos en un mundo en el que Europa dejó de ser el centro desde hace un siglo, desde la Primera Guerra Mundial. Después de las descolonizaciones y de la Segunda Guerra Mundial, se sucedieron ya varias generaciones en un mundo donde Europa es marginal.

Para un chino —hoy y desde hace tiempo— Europa ya no es la referencia central en su representación; y esto es extensible a muchos de otros países y continentes. En el campo historiográfico hay una herencia del eurocentrismo, que se convirtió en occidentecentrismo, que aún moldea una manera de pensar, acercarse e interpretar el pasado. También moldeó los instrumentos metodológicos con los cuales se lo investiga. Lo que hoy se denomina «multiculturalismo» es una manera de entender que las dicotomías establecidas por una visión eurocéntrica del mundo («Europa y el mundo colonial» o «Europa y fuera») no existen más.

Si vamos a un campus en cualquier universidad de Estados Unidos, nos encontraremos con investigadores y estudiantes que llegan de todo el mundo. Si vamos a una multinacional de la Silicon Valley, nos encontraremos todo un conjunto de informáticos que llegan de Pakistán, de India, de África… En ese sentido, la noción de eurocentrismo es muy obsoleta. Pero, al mismo tiempo, sigue siendo una noción que moldea la forma de pensar de los historiadores, aunque muchas veces de forma inconsciente. Porque el eurocentrismo ha devenido casi en un insulto. Pero, bueno, si leemos un poquito las obras que salieron en las últimas décadas, nos encontramos con que hay visiones eurocéntricas y occidentecéntricas muy acentuadas. Me parece que debemos repensar este concepto.

Ahora bien, con respecto a las evoluciones, el centro de tu pregunta, citaré un libro de Michel Rolph Trouillot sobre la revolución en Haití: Silencing the Past (silenciando el pasado). Explica cómo durante un siglo y medio la revolución de Haití fue olvidada y suprimida, casi en el sentido psicoanalítico de la palabra. Porque la revolución de Haití era unthinkable, impensable, no se podía pensar con las categorías de pensamiento del mundo occidental y de Europa en particular. Durante más de un siglo se escribieron libros sobre la historia de las revoluciones en los que la Revolución de Haití no existe, y esto también en la historiografía marxista.

En el gran libro de Eric Hobsbawm sobre las revoluciones de principios de los años 60, las revoluciones son la francesa, la del 48, la rusa y la china, pero la haitiana no está. Otro ejemplo de esto es el controvertido ensayo de Hanna Arendt de la misma época (1963). La revolución de Haití es una revolución de esclavos que termina con la esclavitud y logra la independencia. Es un acontecimiento histórico fundamental para comprender todo el recorrido de las revoluciones de los siglos XIX y XX, las independencias en América Latina y sus guerras de liberación, así como las revoluciones anticoloniales del siglo XX. Eso indica muy claramente cómo la visión eurocéntrica del mundo es un prisma deformante.

Pensar las revoluciones hoy, en la época de la globalización, significa poner en cuestión muchas jerarquías —conceptuales también— que hemos heredado del pasado. La contradicción es esa: un mundo global que no es más eurocéntrico desde hace tiempo y un mundo intelectual que todavía es moldeado por esas categorías heredadas del pasado.

MM

Me gustaría que profundice una afirmación que hizo hace algún tiempo: «sobre el carácter problemático del occidentecentrismo (…) ¿Es legítimo considerar 1789 o 1914 como grandes inflexiones o virajes en la historia, por ejemplo, de África?». La carrera de Historia, tal como se enseña en América Latina, tiene ese semblante.

ET

Sí, el caso de Argentina es emblemático desde ese punto de vista: se estudia más el pasado europeo que el precolonial, propio del continente; se estudia la historia del feudalismo como la etapa que precede al capitalismo que la historia de Latinoamérica. Lo que he volcado al respecto en algunos de mis trabajos es casi banal: desde una visión africana, los grandes cortes históricos cambian. El Congreso de Berlín, por ejemplo, que define las fronteras de África, es mucho más relevante que 1848 o 1914. Y esa es la razón por la cual algunas «historias del siglo XIX» que salieron recientemente (pienso en Christopher Bayly o en Jürgen Osterhammel, quien teoriza sobre la historia global) se posicionan desde perspectivas distintas, múltiples. Debemos pensar el siglo XIX como un siglo policéntrico, con fronteras cronológicas inestables, que fluyen y varían.

La «historia global» hace que, de manera indirecta, la Primera Guerra Mundial sea un corte también para África. Porque es después de la gran guerra que Alemania perdió sus colonias en África —la Mittelafrika, como la llamaban los alemanes en la época—; eso radicalizó el nacionalismo Alemán hacia el pangermanismo y la colonización de Europa del Este. La transición de la Mittelafrika a la Mitteleuropa en la visión nazi es la consecuencia del impacto global de la Gran Guerra. Por lo tanto, no creo que los viejos criterios de periodización sean simplemente insignificantes. Lo que creo es que hay que repensarlos en un marco global: cuestionarlos, modificarlos e inscribirlos en contextos más amplios.

MM

Para terminar, le quiero preguntar qué piensa de la coyuntura actual, de los últimos dos años, con la pandemia. Como historiador, ¿cree que la crisis del COVID-19 es comparable a otros momentos bisagra en la historia, como pueden ser 1914, 1917, 1989?

ET

Si el momento actual se trata de un cambio histórico estará más claro en veinte años, no es algo que se pueda establecer hoy. Seguramente Europa no comprendió en 1922, cuando Mussolini fue nombrado jefe del gobierno, que empezaba un nuevo ciclo.

La pandemia que afecta a todo el mundo con consecuencias económicas, con cambios antropológicos en la manera de vivir, de trabajar, que afectan jerarquías sociales y trastocan las desigualdades de nuestra sociedad, será recordada durante mucho tiempo, sin dudas. En términos de la crisis ecológica, por caso, una de las cuestiones fundamentales del siglo XXI, no percibo que la pandemia trastoque el paisaje. Podría pensarse como una etapa de suspensión. Nos han mostrado fotos aéreas del planeta y pudimos ver cómo desapareció la polución en Beijing cuando se reduce el consumo energético, o cómo el aire en el planeta mejora sin un tráfico aéreo de millones de viajeros todos los días.

Otro ejemplo: el proceso y las formas de trabajo. Algunos manifiestan que en 2020, con la pandemia, marca un cambio comparable a la transición del fordismo y posfordismo. Un tercio de la oficinas en Nueva York no serán reabiertas, porque ahora la gente puede trabajar desde su casa y eso limita mucho los gastos de las empresas. Esos son cambios que modifican nuestras experiencias. Trabajar desde casa implica formas de socialización diferentes, implica horarios y ritmos de trabajo diferentes, todo eso es cierto. Pero es demasiado temprano para decir que se trata de un cambio antropológico irreversible.
Mi impresión es que lo que hizo el COVID-19 en realidad fue acelerar procesos que ya estaban activos: desveló o aclaró tendencias estructurales. Por lo tanto, no veo un cambio radical, histórico, causado por la pandemia. Pero es una impresión, y por supuesto me puedo equivocar.

Sobre o entrevistador

Martín Marinelli es doctor en Ciencias Sociales y Humanas y profesor de Historia en la Universidad Nacional de Luján (Argentina). Es uno de los coordinadores del Grupo Especial Revista Al-Zeytun / CLACSO «Palestina y América Latina» por el Instituto de Estudios de América Latina y el Caribe (Universidad de Buenos Aires).

Sobre o entrevistado

Historiador, profesor de la Universidad de Cornell y autor, entre otros, de Melancolía de izquierda. Marxismo, historia y memoria (Fondo de Cultura Económica, 2018).

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