3 de fevereiro de 2022

Começa a batalha pela Colômbia

Com as divisões da Guerra Fria de volta à tona, os Estados Unidos estão fazendo exatamente o que você esperaria: tentando exercer influência em seu antigo "quintal". As próximas eleições na Colômbia são um teste fundamental.

Carlos Cruz Mosquera


O governo dos EUA (e a UE) têm usado organizações da sociedade civil na Colômbia para combater ameaças potenciais à ordem política e econômica estabelecida desde a década de 1990.

À medida que os Estados Unidos continuam a intensificar a pressão diplomática e militar sobre a Rússia e a China por sua suposta intromissão estrangeira em todo o mundo, evidências da América Latina expõem seus padrões duplos. Historicamente percebida pelos Estados Unidos como seu "quintal" (ou seu "jardim da frente", como Joe Biden sugeriu mais recentemente), a América Latina é agora uma peça de xadrez na "nova Guerra Fria".

No início desta semana, congressistas influentes dos EUA propuseram um novo projeto de lei intitulado "Lei de Segurança Estratégica do Hemisfério Ocidental", destinado a aumentar a cooperação militar com nações amistosas da América Latina. Isso, de acordo com políticos dos EUA, ajudará a lidar com a ameaça percebida de interferência chinesa e russa na região.

Mas enquanto a China e a Rússia estão aprofundando suas relações diplomáticas e comerciais em toda a América Latina, são os Estados Unidos que têm uma história de intromissão antidemocrática que continua até o presente. Em um documento recente que circula na embaixada dos Estados Unidos em Bogotá, Colômbia, são prometidas doações de grande e pequena escala a organizações locais que promovam afinidade com a posição política do governo dos Estados Unidos.

O anúncio da embaixada afirma que eles financiarão grupos que apoiem os "objetivos estratégicos da embaixada" e que "aumentem ... a afinidade com as políticas e prioridades dos Estados Unidos por meio de programação cultural e educacional estratégica na mídia e em plataformas digitais". O projeto de doação tem uma dotação anual de 250.000 dólares, pouco menos de um bilhão de pesos colombianos.

Com as eleições legislativas e presidenciais se aproximando na Colômbia e com uma coalizão de esquerda liderando as pesquisas, não é de admirar que a superpotência ocidental esteja gastando muito. Os Estados Unidos têm mais poder aquisitivo do que todos os partidos políticos do país e tentam garantir a lealdade política da população, tradicionalmente ligada à direita em declínio.

Esse esforço é, obviamente, apenas a tática mais recente usada pelos Estados Unidos para manter um governo amigável na nação conturbada. O governo dos EUA gastou bilhões ao longo de décadas cooperando com consecutivas administrações violentas de direita.

Além do esforço de difundir afinidade com as posições políticas do governo dos Estados Unidos, o guia de financiamento da embaixada também visa priorizar candidatos com projetos empresariais que incluam "mulheres, afro-colombianos, venezuelanos na diáspora, comunidades indígenas, LGBTQ+ e outras comunidades vulneráveis”. Esse esforço para parecer “empoderar” comunidades carentes e vulneráveis ​​não é apenas hipócrita, considerando o importante papel dos Estados Unidos no fortalecimento das forças políticas que abandonam e oprimem essas comunidades; o financiamento americano de organizações "civis" sempre foi acompanhado pelo financiamento das violentas autoridades militares e policiais.

Pesquisas mostram que o governo dos EUA (e a UE) têm usado organizações da sociedade civil na Colômbia para combater ameaças potenciais à ordem política e econômica estabelecida desde a década de 1990. Um dos programas, conhecido como Laboratórios de Paz, começou como base para desarmar o conflito violento nas regiões mais afetadas. Depois de receber dezenas de milhões de dólares de países ocidentais, tornou-se o "braço social" do Plano Colômbia, uma operação militar apoiada pelos EUA conhecida por suas táticas violentas de contra-insurgência.

Na atualidade, uma guinada à esquerda na Colômbia, historicamente o aliado estratégico mais próximo dos Estados Unidos na região, representa uma ameaça ao domínio norte-americano, embora o movimento seja liderado pelo centro-esquerdista Gustavo Petro, que evitou críticas abertas aos Estados Unidos. A ampla coalizão de esquerda liderada por Petro, o Pacto Histórico, está causando sensação em todo o país e parece o provável vencedor das eleições de maio, que podem marcar uma ruptura com mais de duzentos anos de hegemonia dos partidos liberal-conservadores. E embora os líderes da coalizão pareçam radicais (e sejam apresentados como tal na mídia), suas propostas políticas são moderadas.

Petro não é o agente russo ou chinês ou a ameaça "comunista" atribuída a ele. Influenciado e aconselhado por pensadores como Thomas Piketty, a ameaça de Petro à classe dominante colombiana e aos EUA é sua insistência em uma modesta redistribuição da enorme riqueza do país, muito distante do líder castro-chavista retratado pela mídia corporativa apoiada pelos Estados Unidos.

A tentativa da embaixada de influenciar as próximas eleições na Colômbia é apenas a mais recente. Em um momento em que o Ocidente tão ligeiramente grita “intromissão”, não esqueçamos que foram os EUA que enviaram navios de guerra, ameaçaram uma invasão e forçaram a separação do Panamá da Colômbia. Os Estados Unidos também pressionaram o governo colombiano a enviar tropas para defender a United Fruit Company dos trabalhadores em greve, o que acabou instigando o massacre de milhares de pessoas. Os Estados Unidos aconselharam e depois treinaram os militares e paramilitares colombianos em suas táticas violentas de contra-insurgência, com legados que persistem até o presente, e são os Estados Unidos e o Ocidente em geral que sistematicamente, por décadas, apoiaram e sustentaram um Estado nefasto para proteger seus interesses econômicos e geopolíticos na região.

Sejamos claros: a batalha pela Colômbia, e pela América Latina em geral, não está colocando as superpotências do mundo umas contra as outras: ela coloca o governo dos EUA e as classes dominantes pró-EUA contra as massas oprimidas e exploradas que anseiam por uma mudança: mudança essa que não nos converta no jardim ou quintal de ninguém, mas em uma região independente capaz de ajudar a afastar o mundo do capitalismo neoliberal, um sistema que não fez nada por nós e só leva a mais destruição e desgraça.

Sobre o autor

Carlos Cruz Mosquera é doutorando e professor associado na Queen Mary, University of London. Sua pesquisa gira em torno da análise do "poder civil" da União Europeia na América Latina e seu papel na manutenção do status quo neoliberal na região.

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