Precisamos de um tributo seletivo pró-saúde e pró-desenvolvimento verde
Nelson Barbosa
Funcionárias em linha de produção de fábrica de São Paulo. Eduardo Knapp/Folhapress |
Segundo reportagens da imprensa, o governo anunciará um corte linear do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), de 25% ou aproximadamente R$ 20 bilhões. A medida faz parte da campanha de reeleição de Bolsonaro, mas ela traz um tema relevante: precisamos ter IPI? Para quê? Começando com um pouco de história, o IPI é um tributo sobre valor adicionado (lucros e salários), criado no fim dos anos 1960, na reforma tributária da ditadura militar, em substituição ao imposto sobre consumo, que tinha incidência cumulativa (sobre o faturamento).
Na prática, o IPI funciona como um tributo seletivo, isto é, um imposto com limites fixados em lei, mas modulação decidida por decreto, para incentivar ou penalizar alguns produtos ou atividades. Na lógica dos anos 1960, o IPI foi pensado como instrumento de arrecadação adicional do Estado, cobrando-se alíquotas extra de imposto (além da contribuição social federal, ISS e ICMS) para penalizar produtos considerados supérfluos (coisa de rico) ou prejudiciais à saúde (como bebida alcoólicas e cigarros). Passados mais de 50 anos, o que era supérfluo virou bem de consumo popular, como geladeira, máquina de lavar, fogão, automóvel e outros bens de consumo durável.
Não faz mais sentido ter imposto adicional sobre esses itens por questão de arrecadação, mas vale a pena utilizar o IPI para outros fins, como eficiência energética. Traduzindo do economês, o IPI sobre bens de consumo deveria virar tributo seletivo com alíquota fixada de acordo com o consumo de energia ou combustível do item em questão. Isso já é feito para alguns eletrodomésticos e deveria ser ampliado para veículos, estimulando a adoção de motores híbridos e elétricos (em vez de diferenciar IPI por cilindrada).
Na mesma direção, também vale a pena usar o IPI para estimular a reciclagem de materiais e o uso de produtos e insumos com menor emissão de carbono, de modo a incentivar a transição energética. Devido ao atual contexto de alta inflação, esse tipo de medida deve ser ficar para um segundo momento, mas estudos e planejamento podem começar desde já. Já no caso de produtos nocivos para a saúde, é necessário manter o IPI (ou o tributo seletivo que o substituir) como fonte adicional de arrecadação, para o SUS (Sistema Único de Saúde).
Aliás, mesma lógica deveria ser usada para criar um tributo que substituísse o DPVAT, pois é o SUS que lida com a maior parte das vítimas de acidentes de trânsito, mas estou saindo do tema. Por fim, o IPI sobre os demais insumos e produtos deveria ser simplesmente zerado, pois não faz sentido punir nossa indústria com imposto adicional. Porém, como no Brasil tributação é sempre um assunto complicado, vários setores são contra esse tipo de desoneração pois usam o IPI como forma de obter créditos tributários e pagar menos impostos (exemplo: concentrado de refrigerante produzido em Manaus).
Nesse último caso, a reforma do IPI deve analisar a cadeia produtiva de cada setor e eliminar gradualmente o tributo, o que acabará aumentando a arrecadação do governo pelo fim da farra de créditos presumidos (imposto não pago, mas ainda assim usado para abater imposto devido). Voltando à pergunta inicial: não precisamos mais do IPI dos anos 1960, mas precisamos de um tributo seletivo pró-saúde e pró-desenvolvimento verde, que não sirva de muleta para desoneração desnecessária de grandes empresas. A medida em discussão pelo governo não faz quase nada disso, mas ela força a rediscussão do tema neste ano eleitoral.
Sobre o autor
Professor da FGV e da UnB, ex-ministro da Fazenda e do Planejamento (2015-2016). É doutor em economia pela New School for Social Research.
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