Michael Chanan
Resenha do livro Doctored: Fraud, Arrogance, and Tragedy in the Quest to Cure Alzheimer's, de Charles Piller (Atria/One Signal, 2025).
Há uma ironia terrível nos cortes que a Casa Branca vem impondo ao sistema de pesquisa médica dos EUA, especialmente no financiamento de centros de pesquisa sobre o Alzheimer, que, segundo relatos, enfrentam um déficit de US$ 65 milhões. A ironia começa no fato de que décadas de pesquisa não conseguiram descobrir as causas da doença e nem encontrar uma cura. Mas a questão é muito mais profunda do que isso.
De acordo com um novo livro do jornalista científico Charles Piller, Doctored: Fraud, Arrogance, and Tragedy in the Quest to Cure Alzheimer’s, algumas das descobertas científicas associadas a essa pesquisa ficaram sob suspeita, e cientistas foram descobertos falsificando seus estudos de laboratório ao adulterar as imagens usadas para demonstrar os dados.
Não que isso tenha algo a ver, no entanto, com a atual suspensão de financiamento pelo governo Trump. Embora o secretário de Saúde e Serviços Humanos de Donald Trump, Robert F. Kennedy Jr., tenha se referido de passagem à pesquisa “fraudulenta” sobre a doença de Alzheimer durante sua audiência de confirmação, ele não está tentando reformar um sistema de pesquisa falho. Os cortes de financiamento são apenas parte de uma campanha mais ampla de implosão que Kennedy lançou com a aprovação do presidente.
Bomba-relógio
Há uma ironia terrível nos cortes que a Casa Branca vem impondo ao sistema de pesquisa médica dos EUA, especialmente no financiamento de centros de pesquisa sobre o Alzheimer, que, segundo relatos, enfrentam um déficit de US$ 65 milhões. A ironia começa no fato de que décadas de pesquisa não conseguiram descobrir as causas da doença e nem encontrar uma cura. Mas a questão é muito mais profunda do que isso.
De acordo com um novo livro do jornalista científico Charles Piller, Doctored: Fraud, Arrogance, and Tragedy in the Quest to Cure Alzheimer’s, algumas das descobertas científicas associadas a essa pesquisa ficaram sob suspeita, e cientistas foram descobertos falsificando seus estudos de laboratório ao adulterar as imagens usadas para demonstrar os dados.
Não que isso tenha algo a ver, no entanto, com a atual suspensão de financiamento pelo governo Trump. Embora o secretário de Saúde e Serviços Humanos de Donald Trump, Robert F. Kennedy Jr., tenha se referido de passagem à pesquisa “fraudulenta” sobre a doença de Alzheimer durante sua audiência de confirmação, ele não está tentando reformar um sistema de pesquisa falho. Os cortes de financiamento são apenas parte de uma campanha mais ampla de implosão que Kennedy lançou com a aprovação do presidente.
Bomba-relógio
O financiamento governamental para pesquisas sobre demência remonta a 1974, quando os Estados Unidos criaram o Instituto Nacional do Envelhecimento (NIA). A iniciativa surgiu em resposta às evidências emergentes da ciência biomédica de que a condição descoberta por Alois Alzheimer em 1906 não era apenas uma predisposição à velhice, mas uma doença do cérebro, e que sua incidência aumentava com o envelhecimento da população.
Nos EUA e em outros lugares, falava-se de uma epidemia, “uma bomba-relógio”, e de uma preocupação crescente com os custos médicos e sociais exorbitantes. O que surgiu foi uma rede que envolveu governos, hospitais, universidades, a indústria farmacêutica e organizações da sociedade civil, como a Associação de Alzheimer.
Segundo a antropóloga médica Margaret Lock, em seu livro de 2013, “The Alzheimer Conundrum” [O Dilema do Alzheimer], isso equivalia a um mercado de pesquisa, diagnóstico e tratamento no qual todos competiam por financiamento. Os números divulgados, diz Lock, foram “projetados para incitar ações políticas e aumentar o financiamento para a pesquisa da DA”. Isso não significa que fossem exagerados, mas sim que, como diz o jargão, sua apresentação foi maquiada.
Os sintomas da demência são hoje bem conhecidos, em parte por sua representação em um fluxo constante de filmes e programas de televisão, tanto de ficção quanto documentários, ao longo dos últimos trinta anos. Esses produtos culturais não informam os espectadores sobre o contexto mais amplo — concentram-se no indivíduo, em sua perda de memória e identidade, e em sua relação com seu principal cuidador, frequentemente o cônjuge.
Nos EUA e em outros lugares, falava-se de uma epidemia, “uma bomba-relógio”, e de uma preocupação crescente com os custos médicos e sociais exorbitantes. O que surgiu foi uma rede que envolveu governos, hospitais, universidades, a indústria farmacêutica e organizações da sociedade civil, como a Associação de Alzheimer.
Segundo a antropóloga médica Margaret Lock, em seu livro de 2013, “The Alzheimer Conundrum” [O Dilema do Alzheimer], isso equivalia a um mercado de pesquisa, diagnóstico e tratamento no qual todos competiam por financiamento. Os números divulgados, diz Lock, foram “projetados para incitar ações políticas e aumentar o financiamento para a pesquisa da DA”. Isso não significa que fossem exagerados, mas sim que, como diz o jargão, sua apresentação foi maquiada.
Os sintomas da demência são hoje bem conhecidos, em parte por sua representação em um fluxo constante de filmes e programas de televisão, tanto de ficção quanto documentários, ao longo dos últimos trinta anos. Esses produtos culturais não informam os espectadores sobre o contexto mais amplo — concentram-se no indivíduo, em sua perda de memória e identidade, e em sua relação com seu principal cuidador, frequentemente o cônjuge.
Os sintomas da demência são hoje bem conhecidos, em parte pela sua representação em um fluxo constante de filmes e programas de televisão.
Eles são unidos por laços de amor que são severamente testados à medida que a doença progride, e sempre termina da mesma forma — não há finais felizes, embora alguns filmes optem pelo escapismo. Alternativamente, a família pode ser disfuncional, ou o cenário pode ser uma casa de repouso, e o filme pode assumir o formato de um drama, uma comédia de humor ácido, um suspense, um road movie ou qualquer outro, porque é assim que os gêneros cinematográficos funcionam.
Alguns se aproximam das manifestações clínicas da doença, e outros são extremamente perspicazes. No entanto, há um elefante na sala (o que os teóricos chamam de ausência estruturante): nunca há nada neles sobre a economia política por trás da medicalização da doença.
Biomarcadores
Alguns se aproximam das manifestações clínicas da doença, e outros são extremamente perspicazes. No entanto, há um elefante na sala (o que os teóricos chamam de ausência estruturante): nunca há nada neles sobre a economia política por trás da medicalização da doença.
Biomarcadores
Todos concordam que a demência está, de alguma forma, intimamente ligada às mudanças que ocorrem no cérebro, marcadas pelas proteínas nocivas que Alzheimer descobriu, chamadas biomarcadores. Estes consistem em placas de amiloide e emaranhados de tau (descobertos posteriormente) que prejudicam a sinalização cerebral e destroem neurônios.
No entanto, quanto mais pesquisas eram realizadas, mais incertezas e anomalias surgiam. Acumulavam-se casos em que autópsias cerebrais mostravam biomarcadores em pessoas que não apresentavam sintomas. Houve estudos com gêmeos, cujos genes eram idênticos, um dos quais desenvolveu demência e o outro, não. Isso levantou questões cruciais sobre o que impede alguém aparentemente predisposto à demência de contrair a doença — perguntas que permanecem sem resposta.
Embora a demência geralmente apareça na velhice, um pequeno número de casos, conhecidos como início precoce, ocorre na meia-idade, às vezes até antes.
No entanto, quanto mais pesquisas eram realizadas, mais incertezas e anomalias surgiam. Acumulavam-se casos em que autópsias cerebrais mostravam biomarcadores em pessoas que não apresentavam sintomas. Houve estudos com gêmeos, cujos genes eram idênticos, um dos quais desenvolveu demência e o outro, não. Isso levantou questões cruciais sobre o que impede alguém aparentemente predisposto à demência de contrair a doença — perguntas que permanecem sem resposta.
Embora a demência geralmente apareça na velhice, um pequeno número de casos, conhecidos como início precoce, ocorre na meia-idade, às vezes até antes.
À medida que a pesquisa se intensificava, os cientistas distinguiam outras variedades de demência, descobriam novos biomarcadores e levantavam novas questões. Embora a demência geralmente surja na velhice, um pequeno número de casos, conhecidos como de início precoce, ocorre na meia-idade, às vezes até mais cedo.
Pesquisas em epigenética, que investigam a maneira como a expressão gênica é ativada e desativada, descobriram uma ligação com certas mutações genéticas. Mas ninguém conseguiu descobrir exatamente como elas funcionavam. Também se descobriu que a doença tem um longo período de gestação, de dez a quinze anos, antes de começar a se manifestar.
Enquanto isso, a indústria farmacêutica trabalhava, buscando medicamentos para aliviar os sintomas. De acordo com um dos cientistas de laboratório que atua na área, Karl Herrup, em seu livro “How Not to Study a Disease” [Como Não Estudar uma Doença] (2021), eles se fixaram em um fenômeno conhecido como “cascata amiloide”.
A hipótese amiloide sugeria que essas proteínas resultavam em uma cascata de alterações bioquímicas que causavam demência, e essa se tornou a principal linha de investigação dos pesquisadores. Apesar da incerteza dessa hipótese, os pesquisadores ignoraram as evidências emergentes de outros fatores, como várias formas possíveis de inflamação cerebral.
Essa fixação, segundo Herrup, equivalia a um dogma simples: “Se você não está estudando amiloide, não está estudando Alzheimer”. Ele argumenta que foram as empresas que ditaram essa abordagem, e não a ciência. Os cientistas precisavam dessas empresas para levar as descobertas da pesquisa laboratorial ao programa de ensaios exigido, recorrendo fortemente a subsídios governamentais.
Despersonalização
Enquanto isso, a indústria farmacêutica trabalhava, buscando medicamentos para aliviar os sintomas. De acordo com um dos cientistas de laboratório que atua na área, Karl Herrup, em seu livro “How Not to Study a Disease” [Como Não Estudar uma Doença] (2021), eles se fixaram em um fenômeno conhecido como “cascata amiloide”.
A hipótese amiloide sugeria que essas proteínas resultavam em uma cascata de alterações bioquímicas que causavam demência, e essa se tornou a principal linha de investigação dos pesquisadores. Apesar da incerteza dessa hipótese, os pesquisadores ignoraram as evidências emergentes de outros fatores, como várias formas possíveis de inflamação cerebral.
Essa fixação, segundo Herrup, equivalia a um dogma simples: “Se você não está estudando amiloide, não está estudando Alzheimer”. Ele argumenta que foram as empresas que ditaram essa abordagem, e não a ciência. Os cientistas precisavam dessas empresas para levar as descobertas da pesquisa laboratorial ao programa de ensaios exigido, recorrendo fortemente a subsídios governamentais.
Despersonalização
As empresas médicas competiram entre si para encontrar o medicamento decisivo. Isso apesar de menos de um em cada dez candidatos que iniciaram os ensaios de fase um nos EUA terem concluído a fase três e recebido aprovação oficial. Mesmo entre os medicamentos que chegaram até esse ponto, a aprovação pode não ser obtida em outras jurisdições.
Todas as empresas médicas competiram entre si para encontrar o medicamento definitivo.
Existe agora um padrão estabelecido. Um após o outro, são introduzidos medicamentos que, na melhor das hipóteses, são minimamente eficazes por um período limitado de tempo, se os efeitos forem sequer perceptíveis. Frequentemente, são retirados após uma “análise de futilidade”. Eles não funcionam de forma alguma em algumas pessoas e podem produzir uma série de efeitos colaterais físicos adversos em outras.
O indivíduo em sofrimento é capturado por um processo de medicalização que o domina e o redefine como um mero paciente, rotulado com um nome e um número. A pessoa desaparece, diz Lock, “transformada em um caso de transtorno de déficit de atenção completamente descontextualizado [...] reduzido inteiramente à neuropatologia”. Essa despersonalização tende a agravar a condição e pode levar a diagnósticos e tratamentos excessivos, especialmente para aqueles que acabam em casas de repouso.
Tudo isso soa como a definição apócrifa de insanidade de Albert Einstein: fazer a mesma coisa repetidamente e esperar resultados diferentes. O resultado foi que outras abordagens acabaram abandonadas. Questões sobre influências externas e ambientais eram ainda mais elusivas, embora houvesse especulações sobre os benefícios da educação e da aptidão física e sobre o papel da plasticidade do cérebro saudável, que lhe confere “capacidade de reserva”.
Pesquisadores reuniram evidências demográficas de que pessoas e classes sociais que não possuem esses benefícios são mais suscetíveis. A incidência de demência é maior entre mulheres do que entre homens, e entre hispânicos e afro-estadunidenses, em oposição a brancos, e aumenta à medida que a renda familiar diminui. Esse padrão claramente implica fatores sociais e ambientais, e não médicos.
Investigando imagens
O indivíduo em sofrimento é capturado por um processo de medicalização que o domina e o redefine como um mero paciente, rotulado com um nome e um número. A pessoa desaparece, diz Lock, “transformada em um caso de transtorno de déficit de atenção completamente descontextualizado [...] reduzido inteiramente à neuropatologia”. Essa despersonalização tende a agravar a condição e pode levar a diagnósticos e tratamentos excessivos, especialmente para aqueles que acabam em casas de repouso.
Tudo isso soa como a definição apócrifa de insanidade de Albert Einstein: fazer a mesma coisa repetidamente e esperar resultados diferentes. O resultado foi que outras abordagens acabaram abandonadas. Questões sobre influências externas e ambientais eram ainda mais elusivas, embora houvesse especulações sobre os benefícios da educação e da aptidão física e sobre o papel da plasticidade do cérebro saudável, que lhe confere “capacidade de reserva”.
Pesquisadores reuniram evidências demográficas de que pessoas e classes sociais que não possuem esses benefícios são mais suscetíveis. A incidência de demência é maior entre mulheres do que entre homens, e entre hispânicos e afro-estadunidenses, em oposição a brancos, e aumenta à medida que a renda familiar diminui. Esse padrão claramente implica fatores sociais e ambientais, e não médicos.
Investigando imagens
Agora, o livro de Charles Piller, baseado em uma série de artigos para a revista Science, expõe uma cultura de fraude e cumplicidade científica. “Doctored” apresenta evidências de que diversas autoridades importantes na área, geralmente aquelas que apoiam a hipótese amiloide, foram responsáveis por falsificar seus estudos de laboratório, adulterando as imagens usadas para demonstrar os dados.
Em questão estava um teste chamado “western blot”, que mede as quantidades de proteínas específicas em uma amostra de tecido. Quando essas imagens são coradas em laboratório e iluminadas em um visor digital, elas aparecem em um padrão de bandas empilhadas em forma de escada; quanto mais espessas as bandas, maior a quantidade daquela proteína específica na amostra.
Como acontece com qualquer imagem fotográfica, é fácil corrigir as manchas usando softwares como o Photoshop. Com essas ferramentas prontamente disponíveis, as faixas podem ser copiadas e coladas; suas formas podem ser ajustadas, sua intensidade manipulada e seus fundos alterados.
Dissidentes científicos revelaram essa manipulação por meio de exames detalhados de imagens com programas de IA. Esses “detetives de imagens” eram os informantes de Piller. O livro é um relato jornalístico vibrante e ousado de dezenas de casos envolvendo aparente má conduta em pesquisas sobre Alzheimer por cientistas renomados.
Estes são (ou foram) líderes da área que lideraram grandes conferências e fundaram suas próprias empresas biofarmacêuticas. Eles atuaram como revisores uns dos outros, citaram os artigos uns dos outros e editaram os periódicos em que publicavam. Eles também controlavam as oportunidades de carreira e a concessão de bolsas uns aos outros. Essa “máfia amiloide” fomentou uma monocultura científica que esvaziou o cenário de pesquisa ao seu redor.
Autores e periódicos foram forçados a retratar muitos artigos amplamente citados, lançando uma sombra sobre todo o sistema de publicação e revisão por pares.
Em questão estava um teste chamado “western blot”, que mede as quantidades de proteínas específicas em uma amostra de tecido. Quando essas imagens são coradas em laboratório e iluminadas em um visor digital, elas aparecem em um padrão de bandas empilhadas em forma de escada; quanto mais espessas as bandas, maior a quantidade daquela proteína específica na amostra.
Como acontece com qualquer imagem fotográfica, é fácil corrigir as manchas usando softwares como o Photoshop. Com essas ferramentas prontamente disponíveis, as faixas podem ser copiadas e coladas; suas formas podem ser ajustadas, sua intensidade manipulada e seus fundos alterados.
Dissidentes científicos revelaram essa manipulação por meio de exames detalhados de imagens com programas de IA. Esses “detetives de imagens” eram os informantes de Piller. O livro é um relato jornalístico vibrante e ousado de dezenas de casos envolvendo aparente má conduta em pesquisas sobre Alzheimer por cientistas renomados.
Estes são (ou foram) líderes da área que lideraram grandes conferências e fundaram suas próprias empresas biofarmacêuticas. Eles atuaram como revisores uns dos outros, citaram os artigos uns dos outros e editaram os periódicos em que publicavam. Eles também controlavam as oportunidades de carreira e a concessão de bolsas uns aos outros. Essa “máfia amiloide” fomentou uma monocultura científica que esvaziou o cenário de pesquisa ao seu redor.
Autores e periódicos foram forçados a retratar muitos artigos amplamente citados, lançando uma sombra sobre todo o sistema de publicação e revisão por pares.
Os investigadores de imagens descobriram mais do que manipulação de imagens. Às vezes, artigos diferentes usavam a mesma imagem para representar resultados diferentes. Acima de tudo, os resultados não eram replicáveis — o teste decisivo do método científico.
Quando manifestavam suas preocupações pelos canais adequados, os céticos frequentemente enfrentavam resistência dos editores, ou os reguladores repassavam o problema às universidades que empregavam os cientistas envolvidos. As instituições hesitavam para evitar escândalos indesejáveis.
Piller mostra como, no final, autores e periódicos foram forçados a retratar muitos artigos amplamente citados, lançando uma sombra sobre todo o sistema de publicação e revisão por pares. O escândalo arruinou reputações, e as empresas associadas aos dados contaminados tiveram seus preços de ações gravemente afetados. Uma dessas empresas acabou sendo indiciada por fraude por suposta fabricação de dados.
Engano e destruição
Quando manifestavam suas preocupações pelos canais adequados, os céticos frequentemente enfrentavam resistência dos editores, ou os reguladores repassavam o problema às universidades que empregavam os cientistas envolvidos. As instituições hesitavam para evitar escândalos indesejáveis.
Piller mostra como, no final, autores e periódicos foram forçados a retratar muitos artigos amplamente citados, lançando uma sombra sobre todo o sistema de publicação e revisão por pares. O escândalo arruinou reputações, e as empresas associadas aos dados contaminados tiveram seus preços de ações gravemente afetados. Uma dessas empresas acabou sendo indiciada por fraude por suposta fabricação de dados.
Engano e destruição
Posso imaginar um produtor independente e ousado, se ainda houver algum por aí, pegando este livro e transformando-o em um thriller como exposé. No entanto, ensaios clínicos com voluntários tomando medicamentos fúteis, que podem custar bilhões de dólares e levar muitos anos para serem concluídos, continuam quando deveriam ser interrompidos. Financiamentos ainda são concedidos a startups e patentes são licenciadas com base em ciência ruim e aparentemente fraudulenta.
Pelo menos, argumenta Piller, há sinais de que a maré virou, com mais recursos começando a fluir para vias alternativas de pesquisa. Isso seria bom, claro, mas para os afetados, o problema permanece. Eles estão presos em um sistema medicalizado no qual o cuidado é sacrificado no altar da cura em nome do lucro privado. Mas os lá de cima não se importam.
Atualmente, estou escrevendo um livro sobre a forma como a demência é representada na tela. Lendo o livro de Piller, depois de assistir a filmes que apresentam imagens cerebrais digitais de vários tipos, me sinto impelido a questionar o que nos é mostrado e convidado a acreditar que se trata de representações autênticas, se tais imagens podem ter sido manipuladas. De qualquer forma, o espectador comum não consegue entendê-las, exceto como ícones de um terror desconcertante.
Isso empalidece diante da amarga ironia do que acontece atualmente. Robert F. Kennedy Jr. está desmantelando um sistema reconhecidamente disfuncional em nome da “transparência radical”, defendendo que qualquer coisa “que promova a saúde humana e não possa ser patenteada pela indústria farmacêutica” tenha prioridade. Mas a retórica do secretário de saúde de Trump é vazia.
Não imagino que ele esteja pensando em desviar qualquer uma das grandes somas investidas em ciência tendenciosa para apoiar musicoterapia em casas de repouso, por exemplo, ou outras formas de promover as boas vibrações que são bem conhecidas por aliviar os sintomas, reconectando até mesmo pacientes em estágio avançado que perderam a capacidade de falar com suas memórias emocionais.
O relatório com o qual iniciei o texto cita uma pesquisadora de Alzheimer da Universidade de Pittsburgh que foi forçada a reduzir o orçamento do seu laboratório em três quartos: “Estou interessada no que a experiência vivida faz com o envelhecimento cerebral. Isso não é algo que interessará aos acionistas de uma empresa privada, porque eles não podem monetizá-lo.”
Se este é o problema, não foi criado por Trump — a responsabilidade recai sobre a ala medicalizada do complexo industrial-governamental. Mas ele e seu governo não estão resolvendo o problema — estão destruindo-o, e nada de bom pode resultar disso.
Michael Chanan
Pelo menos, argumenta Piller, há sinais de que a maré virou, com mais recursos começando a fluir para vias alternativas de pesquisa. Isso seria bom, claro, mas para os afetados, o problema permanece. Eles estão presos em um sistema medicalizado no qual o cuidado é sacrificado no altar da cura em nome do lucro privado. Mas os lá de cima não se importam.
Atualmente, estou escrevendo um livro sobre a forma como a demência é representada na tela. Lendo o livro de Piller, depois de assistir a filmes que apresentam imagens cerebrais digitais de vários tipos, me sinto impelido a questionar o que nos é mostrado e convidado a acreditar que se trata de representações autênticas, se tais imagens podem ter sido manipuladas. De qualquer forma, o espectador comum não consegue entendê-las, exceto como ícones de um terror desconcertante.
Isso empalidece diante da amarga ironia do que acontece atualmente. Robert F. Kennedy Jr. está desmantelando um sistema reconhecidamente disfuncional em nome da “transparência radical”, defendendo que qualquer coisa “que promova a saúde humana e não possa ser patenteada pela indústria farmacêutica” tenha prioridade. Mas a retórica do secretário de saúde de Trump é vazia.
Não imagino que ele esteja pensando em desviar qualquer uma das grandes somas investidas em ciência tendenciosa para apoiar musicoterapia em casas de repouso, por exemplo, ou outras formas de promover as boas vibrações que são bem conhecidas por aliviar os sintomas, reconectando até mesmo pacientes em estágio avançado que perderam a capacidade de falar com suas memórias emocionais.
O relatório com o qual iniciei o texto cita uma pesquisadora de Alzheimer da Universidade de Pittsburgh que foi forçada a reduzir o orçamento do seu laboratório em três quartos: “Estou interessada no que a experiência vivida faz com o envelhecimento cerebral. Isso não é algo que interessará aos acionistas de uma empresa privada, porque eles não podem monetizá-lo.”
Se este é o problema, não foi criado por Trump — a responsabilidade recai sobre a ala medicalizada do complexo industrial-governamental. Mas ele e seu governo não estão resolvendo o problema — estão destruindo-o, e nada de bom pode resultar disso.
Michael Chanan
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