Tom Williams
Tribune
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Artistas da WWE entretêm membros das Forças Armadas dos Estados Unidos em Washington, D.C., 2016. (Crédito: Serviço de Distribuição de Informações Visuais de Defesa.) |
A World Wrestling Entertainment (WWE) — a potência da indústria que se mantém inigualável desde a compra da World Championship Wrestling, sua antiga concorrente, no início dos anos 2000 — está abertamente alinhada ao governo de Donald Trump. Recentemente, recontrataram Brock Lesnar, implicado no escândalo de tráfico sexual envolvendo Vince McMahon; a WWE mantém relações estreitas com Logan Paul e o regime saudita; sua principal estrela dos últimos dez anos, Roman Reigns, expressou apoio a Donald Trump; e a cofundadora Linda McMahon é membra do gabinete de Trump. Recentemente, a WWE televisionou um lutador mascarado “do Golfo Estadunidense”, refletindo a crescente simpatia da organização pelo MAGA.
Enquanto isso, a recém criada All Elite Wrestling (AEW) está cada vez mais se inclinando para o outro lado. Sua versão do título mundial agora é detida por “Hangman” Adam Page, um “cowboy millennial ansioso” (que na vida real é um cara chamado Steven Woltz), um ex-professor de estudos de mídia e representante sindical de professores cujo hobby é jardinagem, seu herói é David Attenborough e cujo candidato presidencial preferido em 2020 era Bernie Sanders, para quem ele fez uma série de pequenas doações. (No formulário de inscrição, ele listou sua profissão como “correria e zoeiro”.)
A conquista do título de Page em julho foi emocionante; conheço pelo menos três adultos que choraram quando ele finalmente segurou o cinturão em suas mãos. Isso se deveu em parte ao fato de que, como as linhas entre realidade e ficção estão mais tênues do que nunca, os fãs se identificam tanto com o personagem quanto com a pessoa por trás dele. A conquista do título de Page veio ao fim de uma história bem conhecida de tragédia e redenção, nada incomum na luta livre. Mas o que a tornou tão emocionalmente ressonante foi que Page reagiu a todas as coisas tipicamente absurdas que lhe aconteceram como se fossem de fato reais. Assim, ele se tornou talvez o personagem mais identificável e humano da luta livre.
O key angle (gíria da luta livre para enredo) foi um incidente em que seu rival, Swerve Strickland, invadiu a casa da família de Page e se aproximou ameaçadoramente do berço de seu filho pequeno. Por mais ridículo que pareça, o key angle de invasão de domicílio é um tropo padrão da luta livre, criado para intensificar a rivalidade e gerar mais “heat” (raiva dos fãs) e levar o babyface (o mocinho) a se vingar violentamente. “Hangman” acabou se vingando de Strickland, mas também se encaminhava para um colapso traumático. As lutas entre os dois foram violentas; uma delas conseguiu incorrer na ira do famoso jornal reacionário Daily Mail depois que Page grampeou uma das pinturas de seu filho na bochecha de Strickland e bebeu seu sangue.
O personagem de Hangman — inseguro, atormentado por sentimentos de inadequação e vício — é um avatar para sujeitos políticos, especialmente os mais jovens, que se entendem através do prisma de suas opressões e traumas. Woltz é agora um multimilionário, mas suas origens relativamente humildes o tornam parte de uma classe marginal de jovens que frequentemente se deparam com tetos de vidro e têm seus horizontes limitados pela desigualdade econômica.
Há um forte contraste entre o arco de redenção de Hangman e a mais recente saga da WWE, na qual Cody Rhodes — que, quando não está lutando, aparece de terno e botas e tem uma tatuagem da bandeira estadunidense no pescoço — encerrou sua história conquistando a versão da WWE do título mundial. A ideia por trás disso parecia ser que, como seu pai, o ícone da luta livre Dusty Rhodes, era um campeão (embora não na WWE ou na WWF, como era conhecida na época), ele também deveria ser.
O personagem Cody Rhodes entrou para a história por meio de uma busca fortemente individualizada e, quando partiu para a WWE, onde é visto como um herói, Rhodes era odiado pelos fãs da AEW. A AEW parece ter uma base de fãs mais socialmente liberal (a segunda campeã mundial feminina da empresa era uma mulher trans), e sua percepção de Rhodes era a de um herdeiro, playboy, arrogante e metido a besta. Ele deveria ser um babyface, mas era vaiado fora do prédio em todos os eventos.
As políticas aparentemente mais progressistas dos fãs também influenciaram o início da guerra entre Page e Strickland. Tudo começou com Strickland interrompendo Page durante uma entrevista no ringue, zombando de seu físico e dizendo a Page que o usaria como trampolim para o topo. No entanto, ao mesmo tempo, Strickland também proclamou que se tornaria o primeiro campeão negro da AEW. Apesar de Strickland ser o vilão da história, a plateia foi à loucura. Eles queriam ver um campeão negro. Até Page (ou talvez Woltz, saindo do personagem) concordou.
Daquele ponto em diante, os fãs queriam que Strickland ascendesse no campeonato, mesmo às custas do amado Page. Nada que Strickland fizesse na história o levaria a ser vaiado, porque os fãs de luta livre modernos sabem que tudo é “armado”. Eles gostaram de Swerve Strickland, o anti-herói — especialmente de seu bordão “De quem é a casa?”, “A casa é do Swerve!”, inspirado no Run-DMC —, mas também queriam que Stefon Strickland, a pessoa por trás do personagem, escrevesse um capítulo importante na história da empresa (talvez em parte porque o histórico da rival WWE com lutadores negros seja, no mínimo, controverso).
O personagem de Hangman passou quase dois anos em depressão, afastando seus amigos por meio de explosões frequentemente violentas e bebedeiras. Em termos de lute livre, dois anos são um arco narrativo que se desenvolve lentamente. O impacto sentimental de sua eventual redenção e triunfo foi intensificado pelo aprendizado de Page a forjar solidariedades, tornando-se parte de uma espécie de coalizão arco-íris de personagens, incluindo, entre outros: a mulher negra efervescente e hippie Willow Nightingale; o adorável caipira criador de galinhas Mark Briscoe; o garoto de Essex, fã do NHS, Will Ospreay (atualmente o melhor performer de ringue do mundo); e, por fim, Strickland. Este era um grupo de pessoas com lutas interseccionais que, no fim das contas, só queriam um ambiente de trabalho melhor.
Há um forte contraste entre o arco de redenção de Hangman e a mais recente saga da WWE, na qual Cody Rhodes — que, quando não está lutando, aparece de terno e botas e tem uma tatuagem da bandeira estadunidense no pescoço — encerrou sua história conquistando a versão da WWE do título mundial. A ideia por trás disso parecia ser que, como seu pai, o ícone da luta livre Dusty Rhodes, era um campeão (embora não na WWE ou na WWF, como era conhecida na época), ele também deveria ser.
O personagem Cody Rhodes entrou para a história por meio de uma busca fortemente individualizada e, quando partiu para a WWE, onde é visto como um herói, Rhodes era odiado pelos fãs da AEW. A AEW parece ter uma base de fãs mais socialmente liberal (a segunda campeã mundial feminina da empresa era uma mulher trans), e sua percepção de Rhodes era a de um herdeiro, playboy, arrogante e metido a besta. Ele deveria ser um babyface, mas era vaiado fora do prédio em todos os eventos.
As políticas aparentemente mais progressistas dos fãs também influenciaram o início da guerra entre Page e Strickland. Tudo começou com Strickland interrompendo Page durante uma entrevista no ringue, zombando de seu físico e dizendo a Page que o usaria como trampolim para o topo. No entanto, ao mesmo tempo, Strickland também proclamou que se tornaria o primeiro campeão negro da AEW. Apesar de Strickland ser o vilão da história, a plateia foi à loucura. Eles queriam ver um campeão negro. Até Page (ou talvez Woltz, saindo do personagem) concordou.
Daquele ponto em diante, os fãs queriam que Strickland ascendesse no campeonato, mesmo às custas do amado Page. Nada que Strickland fizesse na história o levaria a ser vaiado, porque os fãs de luta livre modernos sabem que tudo é “armado”. Eles gostaram de Swerve Strickland, o anti-herói — especialmente de seu bordão “De quem é a casa?”, “A casa é do Swerve!”, inspirado no Run-DMC —, mas também queriam que Stefon Strickland, a pessoa por trás do personagem, escrevesse um capítulo importante na história da empresa (talvez em parte porque o histórico da rival WWE com lutadores negros seja, no mínimo, controverso).
O personagem de Hangman passou quase dois anos em depressão, afastando seus amigos por meio de explosões frequentemente violentas e bebedeiras. Em termos de lute livre, dois anos são um arco narrativo que se desenvolve lentamente. O impacto sentimental de sua eventual redenção e triunfo foi intensificado pelo aprendizado de Page a forjar solidariedades, tornando-se parte de uma espécie de coalizão arco-íris de personagens, incluindo, entre outros: a mulher negra efervescente e hippie Willow Nightingale; o adorável caipira criador de galinhas Mark Briscoe; o garoto de Essex, fã do NHS, Will Ospreay (atualmente o melhor performer de ringue do mundo); e, por fim, Strickland. Este era um grupo de pessoas com lutas interseccionais que, no fim das contas, só queriam um ambiente de trabalho melhor.
A alegria com a vindicação fictícia de Page coincidiu, em certa medida, com a carreira real de Woltz, o que nos dá uma ideia do homem por trás do protagonista. Ele alcançou o auge da AEW em 2021, ao final de outra história envolvente, na qual superou sua síndrome de impostor e seu problema com a bebida para conquistar o título das mãos de seu amigo de verdade e grande figura do ringue, Kenny Omega. A carreira de Woltz logo encontrou um obstáculo, após uma discussão dentro e fora das telas com a maior estrela da AEW na época, CM Punk (Phil Brooks). Curiosamente, a discordância era sobre os direitos dos trabalhadores.
Woltz acreditava que Brooks havia usado sua influência nos bastidores para realizar pequenas vinganças contra lutadores com quem tinha problemas e, como a arte imitava a vida, disse a ele, enquanto interpretava o Hangman, o quanto estava enojado. Brooks ficou furioso e saiu do personagem para prejudicar Woltz, o que fez com que Woltz se visse estagnado.
Em uma encruzilhada profissional, Woltz e três amigos — Omega (Tyson Smith) e a proeminente dupla Young Bucks (Matthew e Nicholas Massey) — fizeram algo quase inédito no mundo ultracompetitivo e individualizado da luta livre: efetivamente negociaram de forma coletiva para garantir melhores termos e condições. “Os quatro caras fizeram um pacto de que permaneceriam juntos, fosse na WWE ou na AEW”, relatou o estimado jornalista e historiador de luta livre Dave Meltzer. “Eles basicamente fizeram um acordo de que as regras seriam majoritárias.”
Dois anos depois, a AEW apresentou um espetáculo sensacional na ilustre Arena México, na Cidade do México. Abrindo o evento, um Woltz visivelmente nervoso surpreendeu e encantou o público, majoritariamente latino, ao fazer uma promo sincera em um espanhol decente, na qual contou sobre seu trabalho em uma fazenda com trabalhadores migrantes mexicanos na juventude, comovendo os presentes ao defender a união e o apoio aos trabalhadores migrantes (mais tarde naquela noite, o gigantesco ex-membro do sindicato IATSE, Brody King, avançou em direção ao ringue com uma camiseta com os dizeres “ABOLISH ICE” [Acabem com a ICE]).
“Olá”, ele começou enquanto pegava o microfone da casa. “Meu nome é Hangman”. A Arena México se apaixonou.
Woltz acreditava que Brooks havia usado sua influência nos bastidores para realizar pequenas vinganças contra lutadores com quem tinha problemas e, como a arte imitava a vida, disse a ele, enquanto interpretava o Hangman, o quanto estava enojado. Brooks ficou furioso e saiu do personagem para prejudicar Woltz, o que fez com que Woltz se visse estagnado.
Em uma encruzilhada profissional, Woltz e três amigos — Omega (Tyson Smith) e a proeminente dupla Young Bucks (Matthew e Nicholas Massey) — fizeram algo quase inédito no mundo ultracompetitivo e individualizado da luta livre: efetivamente negociaram de forma coletiva para garantir melhores termos e condições. “Os quatro caras fizeram um pacto de que permaneceriam juntos, fosse na WWE ou na AEW”, relatou o estimado jornalista e historiador de luta livre Dave Meltzer. “Eles basicamente fizeram um acordo de que as regras seriam majoritárias.”
Dois anos depois, a AEW apresentou um espetáculo sensacional na ilustre Arena México, na Cidade do México. Abrindo o evento, um Woltz visivelmente nervoso surpreendeu e encantou o público, majoritariamente latino, ao fazer uma promo sincera em um espanhol decente, na qual contou sobre seu trabalho em uma fazenda com trabalhadores migrantes mexicanos na juventude, comovendo os presentes ao defender a união e o apoio aos trabalhadores migrantes (mais tarde naquela noite, o gigantesco ex-membro do sindicato IATSE, Brody King, avançou em direção ao ringue com uma camiseta com os dizeres “ABOLISH ICE” [Acabem com a ICE]).
“Olá”, ele começou enquanto pegava o microfone da casa. “Meu nome é Hangman”. A Arena México se apaixonou.
“Quando eu era jovem, minha família tinha uma fazenda de tabaco”, continuou ele. “E todo verão, seis homens vinham de Ruiz, Nayarit, para trabalhar [...] Todos os anos eu trabalhava com eles, e eles me ensinaram sobre o México. Eram trabalhadores esforçados, honestos e se importavam com suas famílias. Eles me ensinaram que somos todos melhores quando trabalhamos juntos.”
Direitos trabalhistas, negociação coletiva e sentimentos pró-imigrantes não são comumente associados aos melhores lutadores. O falecido Hulk Hogan era um racista antissindicalista, e enquanto “Stone Cold” Steve Austin se tornou a maior estrela da luta livre ao socar seu chefe — o já mencionado Vince McMahon, cuja personalidade na vida real se revelou ainda mais repugnante do que sua persona na tela — no limite, Austin era um indivíduo robusto que cuidava apenas de si mesmo. Page pode ser visto como um análogo de Austin na década de 2020. Uma parte fundamental do personagem é sua consciência de que comunidade, comunalidade e coletivismo são necessários para a sobrevivência. O que torna Page único não são atributos sobre-humanos, mas o fato de ele ser uma pessoa vulnerável, imperfeita e, ainda assim, fundamentalmente decente e bem-intencionada.
Talvez ainda mais incomum, a AEW se esforçou para deixar isso bem explícito. Enquanto Page caminhava pelo corredor antes de sua vitória sobre o covarde Jon Moxley — cuja masculinidade tóxica e trotes brutais contra o elenco enfureceram os fãs por meses — o comentarista principal da AEW disse aos telespectadores que Page (e, na verdade, Woltz também) era filho de um produtor de tabaco, “que aprendeu o valor do trabalho duro, da ação coletiva e do respeito ao próximo”. Após uma briga épica e sangrenta com Moxley, o sensível defensor de Bernie soluçou enquanto segurava o cinturão do campeonato mundial.
Tudo isso, é claro, provavelmente é um exemplo da estratégia tipicamente cínica da luta livre de tentar engajar os fãs cedendo aos seus preconceitos, mesmo que isso aconteça em consonância com os desejos e as políticas do talento (no caso de Woltz, não há dúvida de que ele é pelo menos um liberal de esquerda). Eles não estariam fazendo isso se não houvesse um mercado afim. O fato de haver mercado, no entanto, demonstra a onda de apoio aos valores de Page/Woltz. O fato de uma empresa produtora de valor, de propriedade de um bilionário, ter escolhido um personagem como Page como seu porta-estandarte é significativo.
A luta livre é uma ficção, e Hangman Page é um personagem. Mas, como sempre, as questões e o equilíbrio de forças subjacentes a tudo isso são reais. Em última análise, a luta livre é sobre histórias. Muitas vezes, as histórias que cativam nossa imaginação o fazem explorando o zeitgeist. A reação dos fãs de luta livre à superação de traumas e ao isolamento de Hangman Page por meio da solidariedade mostra que o que centenas de milhares de fãs da luta livre e milhões de pessoas em todo o mundo almejam não é apenas sucesso, mas conexão e união.
Sobre o autor
Talvez ainda mais incomum, a AEW se esforçou para deixar isso bem explícito. Enquanto Page caminhava pelo corredor antes de sua vitória sobre o covarde Jon Moxley — cuja masculinidade tóxica e trotes brutais contra o elenco enfureceram os fãs por meses — o comentarista principal da AEW disse aos telespectadores que Page (e, na verdade, Woltz também) era filho de um produtor de tabaco, “que aprendeu o valor do trabalho duro, da ação coletiva e do respeito ao próximo”. Após uma briga épica e sangrenta com Moxley, o sensível defensor de Bernie soluçou enquanto segurava o cinturão do campeonato mundial.
Tudo isso, é claro, provavelmente é um exemplo da estratégia tipicamente cínica da luta livre de tentar engajar os fãs cedendo aos seus preconceitos, mesmo que isso aconteça em consonância com os desejos e as políticas do talento (no caso de Woltz, não há dúvida de que ele é pelo menos um liberal de esquerda). Eles não estariam fazendo isso se não houvesse um mercado afim. O fato de haver mercado, no entanto, demonstra a onda de apoio aos valores de Page/Woltz. O fato de uma empresa produtora de valor, de propriedade de um bilionário, ter escolhido um personagem como Page como seu porta-estandarte é significativo.
A luta livre é uma ficção, e Hangman Page é um personagem. Mas, como sempre, as questões e o equilíbrio de forças subjacentes a tudo isso são reais. Em última análise, a luta livre é sobre histórias. Muitas vezes, as histórias que cativam nossa imaginação o fazem explorando o zeitgeist. A reação dos fãs de luta livre à superação de traumas e ao isolamento de Hangman Page por meio da solidariedade mostra que o que centenas de milhares de fãs da luta livre e milhões de pessoas em todo o mundo almejam não é apenas sucesso, mas conexão e união.
Sobre o autor
Tom Williams é escritor e ativista, além de especialista em estudos sindicais.
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