29 de dezembro de 2021

Os controles estratégicos de preços poderiam ajudar a combater a inflação?

Para evitar a inflação após a Segunda Guerra Mundial, os principais economistas dos Estados unidos recomendaram controles de preços estratégicos. Existem razões para fazer isso hoje também?

Isabella Weber

The Guardian

"Durante a Segunda Guerra Mundial, o governo Roosevelt impôs rígidos controles de preços e instituiu o Office of Price Administration." Fotografia: Frederic J Brown/AFP/Getty Images

A inflação está próxima do ponto máximo dos últimos 40 anos. Os bancos centrais de todo o mundo prometeram intervir. No entanto, um fator crítico que está elevando os preços permanece amplamente esquecido: uma explosão nos lucros. Em 2021, as margens de lucro não financeiras dos EUA atingiram níveis não vistos desde o rescaldo da segunda guerra mundial. Não é uma coincidência. O fim da guerra exigiu uma reestruturação repentina da produção, que criou gargalos semelhantes aos causados pela pandemia. Na época, e agora, grandes corporações com poder de mercado usaram os problemas de abastecimento como uma oportunidade para aumentar os preços e obter lucros inesperados. O Federal Reserve deu uma guinada altista (hawkish) este mês. Mas cortar o estímulo monetário não vai consertar as cadeias de abastecimento. O que precisamos, em vez disso, é uma conversa séria sobre controles estratégicos de preços – assim como depois da guerra.

Hoje, os economistas estão divididos em dois campos na questão da inflação: a equipe ‘Transitória’ argumenta que não devemos nos preocupar com a inflação, pois ela logo desaparecerá. A equipe ‘Estagflação’ pede contenção fiscal e um aumento nas taxas de juros. Mas há uma terceira opção: o governo poderia ter como meta os preços específicos que impulsionam a inflação, em vez de passar para a austeridade, que traz o risco de uma recessão.

Para usar uma metáfora: se sua casa estiver pegando fogo, você não optará por esperar até o fogo acabar. Nem deseja destruir a casa inundando-a. Um bombeiro habilidoso apaga o fogo onde ele está ardendo para evitar o contágio e salvar a casa. A história nos ensina que essa abordagem direcionada também é possível para aumentos de preços.

O Conselho de Consultores Econômicos da Casa Branca sugere que a melhor analogia histórica para a inflação de hoje é o rescaldo da segunda guerra mundial. Na época, e agora, havia uma demanda reprimida graças à grande poupança doméstica. Durante a guerra, isso foi resultado do aumento da renda e do racionamento; durante a Covid-19 as causas foram os estímulos e os confinamentos. Em ambos os momentos, as cadeias de abastecimento foram interrompidas. A interpretação dos assessores da Casa Branca do paralelo entre os dois episódios vai até esse ponto. O que eles não nos dizem é que a inflação depois da guerra teve uma alternativa.

Durante a segunda guerra mundial, a administração Roosevelt impôs controles rígidos de preços e instituiu o Escritório de Administração de Preços (Office of Price Administration). Em comparação com a Primeira Guerra Mundial, os aumentos de preços foram baixos, enquanto o aumento da produção foi quase além da imaginação. Depois da guerra, a questão era o que fazer com o controle de preços. Eles deveriam ser liberados em um big bang, como os democratas do sul, republicanos e grandes empresas estavam pedindo? Ou o controle de preços teria um papel a desempenhar na transição para a economia do pós-guerra?

Alguns dos mais ilustres economistas norte-americanos do século 20 pediram a continuação dos controles de preços no New York Times. Isso incluiu nomes como Paul Samuelson, Irving Fisher, Frank Knight, Simon Kuznets, Paul Sweezy e Wesley Mitchell, bem como 11 ex-presidentes da American Economic Association. As razões apresentadas para o controle de preços também se aplicam à nossa situação atual.

Eles argumentavam que, enquanto os gargalos impossibilitassem a oferta de atender à demanda, os controles de preços de bens importantes deveriam continuar para evitar que os preços disparassem. O czar dos controles de preços em tempo de guerra, John Kenneth Galbraith, juntou-se a essas demandas. Ele explicou que “o papel dos controles de preços” seria “estratégico”. “Isso não deterá a inflação além do que os economistassempre imaginaram”, acrescentou. “Mas ao mesmo tempo estabelecerá a base e ganhará tempo para as medidas que o façam.”

O presidente Truman estava ciente dos riscos de encerrar os controles de preços. Em 30 de outubro de 1945, ele advertiu que após a Primeira Guerra Mundial, os Estados Unidos “simplesmente retiraram os poucos controles que haviam sido estabelecidos e deixaram a natureza seguir seu curso”. E ele insistiu: “O resultado deve servir de lição para todos nós. Uma vertiginosa espiral ascendente dos salários e do custo de vida terminou no crash de 1920 – um crash que espalhou a falência, a retomada de imóveis hipotecados e o desemprego por todo o país.” No entanto, os controles de preços foram revogados em 1946, novamente desencadeando inflação e um ciclo de expansão e queda.

Hoje, há mais uma vez a escolha entre tolerar a explosão de lucros em curso que eleva os preços ou controlar sob medida preços cuidadosamente selecionados. Os controles de preços ganhariam tempo para lidar com os gargalos que continuarão enquanto a pandemia prevalecer. Controles de preços estratégicos também podem contribuir para a estabilidade monetária necessária para mobilizar investimentos públicos em direção à resiliência econômica, mitigação das mudanças climáticas e neutralidade de carbono. O custo de esperar que a inflação desapareça é alto. A retirada do senador Manchin do Build Back Better Act demonstra a ameaça de um espaço político cada vez menor em um momento em que uma ação governamental em larga escala é necessária. A austeridade seria ainda pior: ela pode provocar uma estagflação nas manufaturas.

Precisamos avaliar sistematicamente os controles de preços estratégicos como uma ferramenta de resposta política mais ampla aos enormes desafios macroeconômicos, em vez de fingir que não há alternativa além de esperar para ver ou austeridade.

Isabella Weber é professora assistente de economia na Universidade de Massachusetts Amherst e autora de How China Escaped Shock Therapy

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