29 de dezembro de 2021

A judia socialista que tentou matar Hitler

Desde a divulgação de escritos antifascistas até a atuação como agente disfarçada na Alemanha nazista, a socialista judia Hilda Monte tornou-se uma das mais formidáveis agentes da resistência. Ela até participou de um plano abortado para matar o próprio Hitler.

Marcus Barnett


A socialista judia Hilde Meisel. (Wikimedia Commons)

Tradução / No dia 17 de abril de 1945, a sorte de Hilda Monte acabou. Por circunstâncias desconhecidas, na fronteira entre a Alemanha nazista e a neutra Liechtenstein, a socialista e guerrilheira da resistência foi morta nas últimas semanas de guerra na Europa.

No entanto, apesar de sua aparente aptidão para esconder detalhes sobre sua vida a fim de permanecer sendo uma militante anônima na luta antifascista, Monte teceu uma fascinante história de 31 anos de vida, que hoje destaca as histórias esquecidas de muitos alemães desconhecidos que chegaram ao ponto de lutar contra o regime nazista – mas também de um esforço muito desconhecido por parte de um fundador da Tribune, sua antiga editora, para financiar uma tentativa de assassinato de Hitler.

Uma jovem resistente

Nascida Hilde Meisel em 1914 de uma família judia em Viena, os pais de Monte mudaram-se para Berlim, onde já haviam vivido em 1915. Foi no cenário explosivo de Berlim dos anos 20 que ela se politizou, juntando-se a sua irmã Margot na Schwarze Haufen (Companhia Negra), um movimento da juventude socialista judaica que adotou seu nome inspirado em um grupo rebelde nas revoltas dos camponeses alemães do século XVI.

Foi aqui que Margot conheceu Max Fürst, com quem logo se casou. Em seguida, trabalhou como secretária de seu amigo Hans Litten, o advogado que notoriamente ousou interrogar Hitler por três horas em um tribunal em 1931- e que terminou sua vida uma década depois no campo de concentração em Dachau.

Meisel estava à esquerda da social-democracia alemã desde 1928. Mudando-se para a Inglaterra um ano depois, ela se tornou uma estudante independente de Harold Laski na Faculdade de Economia de Londres. De lá, ela parece ter trabalhado por algum tempo nas minas alemãs do Ruhr antes de se juntar à equipe editorial do Der Funke (A Faísca), o jornal da Internationale Sozialistische Kampfbund (ISK), fração socialista do Partido Social Democrata da Alemanha (SPD) que pediu em vão uma unidade da esquerda contra o nazismo.

Depois que os nazistas reprimiram o Der Funke em fevereiro de 1933, Monte assumiu então a responsabilidade de organizar grupos ilegais, mudando-se brevemente para Cologne para fazer o que ela descreveu como trabalho de “serviço de fronteira” – ajudar a contrabandear figuras do movimento sindical e e apoio financeiro para os países vizinhos, Holanda, Bélgica e Suíça, enquanto contrabandeava literatura proibida para a Alemanha nazista. Após seu retorno a Berlim, ela criou organizações de propaganda socialista clandestinas, organizando oposição em massa para o plebiscito de agosto de 1934, que confirmou Hitler como o Führer.

Depois de se mudar para Paris para participar do conselho editorial do jornal Sozialistische Warte (Socialista Outlook), Meisel ainda continuou fazendo viagens regulares para a Alemanha, ajudando grupos sindicais clandestinos, e envio de “propaganda e outros materiais” para o país, até mudar-se para a Inglaterra, em 1936. No entanto, as missões estavam se tornando cada vez mais difíceis. Prisões em massa tinham atingido o ISK duramente em 1937 e 1938, levando Monte a retornar à Alemanha para completar algumas tarefas necessárias durante os próximos meses.

Foi durante este período que os tambores de guerra batiam cada vez mais alto. Neste momento de grande intensidade, Meisel rompeu com o ISK por causa de sua aparente falta de militância. Naquele mesmo ano de desespero, Monte entrou em um casamento de fachada com John Olday, um artista gay alemão que havia lutado na Revolta Spartacista de 1918-19 e cuja herança meio escocesa lhe ofereceu – e a ela – a relativa segurança de um passaporte britânico.

Combatente de guerra

Também é provável que este foi o ano em que ela se encontrou pela primeira vez com George Strauss. Strauss, o deputado trabalhista de Lambeth North e futuro ministro do gabinete de Harold Wilson, era um jovem, rico e idealista de esquerda que, após o início da Guerra Civil espanhola, ajudou a financiar, estabelecer e organizar a Tribun a fim de – nas palavras de seu primeiro exemplar de janeiro de 1937 – “defender um socialismo vigoroso e exigir resistência ativa ao fascismo no país e no exterior”.

Em 1946, em uma revelação não característica para o Sunday Times, Strauss admitiu que no final dos anos trinta ele tinha financiado uma empresa misteriosa chamada Union Time Ltd. Embora fosse, formalmente, uma assessoria de imprensa, a organização era na realidade uma fachada para vários emigrantes alemães que trabalhavam em vários campos profissionais para incentivar a opinião antinazista na Grã-Bretanha e combater a propaganda nazista em geral. Foi a Union Time Ltd que tinha acobertado, entre muitas outras, as atividades de Meisel, que se aproximou deles com planos para assassinar Hitler – e ao fazê-lo, talvez conseguissem evitar o iminente estouro da guerra.

Os detalhes exatos sobre os acontecimentos são, como muitos aspectos da vida de Meisel, pouco claros. Parece que depois de voltar a Londres de um período organizando unidades clandestinas na Alemanha, ela se aproximou de Strauss pedindo dinheiro para assassinar Hitler. Strauss enviou-a para a cidade de Londres para se encontrar com Werner Knop, um jornalista financeiro ligado à Union Time Ltd. Em um artigo do Saturday Evening Post de 1946 sobre o caso, Knop escreveu que Strauss visitou-o em maio de 1939 para perguntar se ele iria encontrar um “visitante incomum” com uma “proposta incomum”. Ele foi então apresentado a Meisel, que descreveu seus planos.

Depois de reconhecer a “qualidade de convencimento” de Meisel, bem como sua “frieza”, Knop lhe concedeu o apoio financeiro necessário. Em uma viagem a Cologne, Monte recebeu parte de suas despesas para a viagem, com outra parte a ser recolhida por uma pessoa de confiança. Esta figura tinha sido informada para segui-la durante sua estadia na Alemanha, caso ela fosse uma provocadora ou uma farsante; o contato relatou que ela havia desaparecido dentro de 30 minutos após a coleta do dinheiro, fazendo com que Knop refletisse que eles tinham “pelo menos uma prova negativa de que ela era veterana nos truques do ramo do mercado clandestino”. Monte tinha avisado Knop que em 18 de julho, seu grupo realizaria um “ataque de demonstração” – naquele dia, 9 pessoas no Strength Through Joy, fretado pelos nazistas, foram mortas em uma explosão na sala das caldeiras.

Ao mesmo tempo, ela não era a única cidadã britânica radical em Cologne sob ordens. O jovem anarquista Albert Meltzer também foi enviado à cidade por exilados anarquistas alemães, com ordens para passar documentos clandestinos aos camaradas de lá – a esperança de que a cidadania britânica de Meltzer o protegeria de quaisquer intromissões das potenciais de segurança. Embora na época ele pensasse que os documentos estavam “relacionados à emigração”, ele foi mais tarde informado pelo anarquista Willy Fritzenkotter que eles eram para “a evasão de [um] ataque planejado” na tentativa de assassinato que nunca aconteceu. Ele conheceu Meisel com Fritzenkotter, lembrando seu “incomum” apoio de Strauss.

A história diz que o que quer que tenha acontecido com Meisel e os seus contatos, o seu atentado organizado contra Hitler nunca aconteceu. Mas dois meses depois, em 8 de novembro de 1939, uma bomba relógio projetada por Georg Elser detonou no Bürgerbräukeller em Munique, matando 8 pessoas e ferindo 62 nazistas — perdendo Hitler por apenas 7 minutos.

Há uma especulação aberta sobre se Meisel estava diretamente ligada a esta explosão da bomba de Elser; seu marido, John Olday, certamente pensou assim. Seu camarada de longa data na ISK, Fritz Eberhard, tinha a mente mais aberta, porém, embora ele acreditasse ser “altamente improvável” que ela tivesse algo a ver diretamente com isso, ele declarou a possibilidade de que ela tivesse “feito uma transferência financeira para o assassino Elser como parte de seu trabalho no Union Time”, particularmente porque era claro que a tentativa de Elser de tirar a vida do Führer era um empreendimento planejado a longo prazo.

O início da guerra

Após seu rompimento com o ISK e o fracasso ocidental em deter o fascismo antes de lançar o mundo na guerra, Meisel viveu com o artista austríaco Hannes Hammerschmidt e sua esposa Tess na cidade de Sleights, junto aos pântanos de North Yorkshire. Ela mudou seu codinome clandestino para Hilda Monte e começou a escrever regularmente em inglês para a Tribune, o Left News de Victor Gollancz, e foi co-autora de um livro, How to Conquer Hitler, com Eberhard. Ela se tornou uma professora popular da Associação de Educação dos Trabalhadores, e também encontrou trabalho como assessora do Comitê Internacional do Trabalho, que governa o Comitê Executivo Nacional.

Dirigido por William Gillies, o Comitê Internacional esteve envolvido no resgate de importantes social-democratas alemães e foi fortemente apoiado pelo ministro do Trabalho para a Guerra Econômica Hugh Dalton e Dick Crossman, o chefe de propaganda e chefe do “bureau alemão” de Dalton. Sendo trazida para o Ministério da Guerra Econômica, Meisel começou a trabalhar com Walter Auerbach, um funcionário alemão da Federação Internacional dos trabalhadores dos Transportes (ITF) transmitindo para a Alemanha a partir da estação de rádio de esquerda de Crosman, SER (Transmissor da Revolução Europeia).

No Ministério, Monte trabalhou no Comitê Paritário da Europa Central. Como o Ministério era o pai do Executivo de Operações Especiais (SOE), que foi formado por Churchill para “incendiar a Europa ocupada” com sabotagem, assassinato e armadilhas obscuras, a veterana internacional Meisel encontrou um papel perfeito para seu nicho e foi enviada para Lisboa em 1941, onde atuou como mensageira de telegramas internacionais usando os códigos tanto do SOE quanto do ITF.

Embora pareça que ela estava destinada a ir para a Suíça e desocupar a França para construir laços com refugiados antifascistas alemães, italianos e espanhóis, estes planos parecem ter se chocado com um muro, e Monte permaneceu em Lisboa até junho de 1941. Lá, conheceu Peter Leopold, um exilado alemão que vive em Marselha, que a substituiu enquanto ela mesma estabelecia um serviço de distribuição de literatura alemã antinazista.

Em Londres e na neutra Suécia, os líderes exilados da ITF estavam trabalhando para contrabandear informações, dinheiro e fugitivos em embarcações, navios e trens que entravam e saiam da Alemanha nazista, com conexões muito mais estabelecidas e profissionais do que o serviço secreto britânico. Embora a deliberada destruição pós-guerra de arquivos SOE torna isso difícil de determinar, é mais do que possível que foi assim que Monte voltou para Londres após suas missões no exterior.

Uma vez na Inglaterra, ela continuou seu trabalho de propaganda, usando o conhecimento em primeira mão de seus contatos na resistência em seus apelos ao povo alemão. Em uma transmissão de rádio da BBC de 1943, ela fez uma das primeiras referências ao Holocausto no mundo ocidental:

"O que está acontecendo hoje na Polônia, o extermínio a sangue frio do povo judeu, está sendo feito em seu nome, em nome do povo alemão. Mostrem a sua solidariedade com estas pessoas, mesmo que isso requeira coragem — especialmente se requer coragem."

Em 1942, Victor Gollancz publicou “Help Germany to Revolt”, outro livro co-escrito com Eberhard, no qual eles disseram ao leitor que:

"Sentimos que você e alguns dos seus camaradas do Partido Trabalhista estão começando a compreender que hoje recai uma enorme responsabilidade sobre estes últimos vestígios do socialismo Europeu que existem na Grã-Bretanha. As massas oprimidas do continente procuram no Movimento Trabalhista Britânico orientação e assistência na luta pela sua libertação e o estabelecimento, após esta guerra, de uma Comunidade Europeia... e só há uma maneira de lançar essa base: fazendo uma revolução alemã."

A Europa em chamas

Em setembro de 1944, Monte voltou novamente para trás das fileiras como agente “Crocus” do Escritório de Serviços Estratégicos dos Estados Unidos, organizado por “Wild” Bill Donovan – que tinha recrutado manadas de antifascistas fortes, veteranos da Brigada Internacional, e diversos radicais para suas fileiras. Monte e Anna Beyer se tornaram agentes do Projeto Faust e foram treinados perto de Londres no verão de 1944 para atuar como agentes infiltradas dentro da Alemanha nazista.

Após ser pilotado por um Lysander da RAF e pousar em um prado próximo ao Lago de Genebra, a Resistência Francesa levou Monte e Beyer de caminhão para um túnel ferroviário em desuso. Lá eles encontraram um oficial do Exército Britânico que os levou para a cidade fronteiriça chamada Thonon-les-Bains, onde eles esperaram quatro semanas por uma conexão. O socialista suíço René Bertholet, que tinha trabalhado com Monte no Der Funke e tinha sido preso na Alemanha nazista, também se tornou um agente da SOE, e tinha arranjado o trabalho de fachada — em uma garagem em Montauban — para o agente mais bem sucedido da SOE, Tony Brooks.

Brooks havia sido largado na França ocupada aos 20 anos, onde os combatentes da resistência o enviaram de bicicleta e de trem para um café em Toulouse. Lá ele reconheceu Bertholet – não como seu contato com SOE, mas como um amigo de sua família na Suíça antes da guerra. Com a ajuda de ferroviários ilegais da Confederação Geral do Trabalho (CGT), Brooks e Bertholet organizaram sabotagem ferroviária entre Toulouse, Marselha, Lyon e a fronteira suíça. E logo foi Bertholet que levou Monte e Beyer para a Suíça, onde Monte recebeu novos documentos e foi designada como mensageira para Jupp Kappius, um socialista alemão que foi para a Alemanha de paraquedas pela RAF no final de 1944 para uma campanha de sabotagem.

Com a exceção de um currículo mal escrito descoberto nos arquivos de guerra, é claro que Monte estava muito consciente que precisava deixar pequenos vestígios de suas atividades para trás. Sabemos que ela se encontrava na Áustria em 16 de abril de 1945, quando o Exército Vermelho lançou seu ataque final em Berlim. Após uma missão para o grupo de resistência austríaco “05”, e com papéis identificando-a como Eva Schneider (supostamente uma funcionária pública com endereço domiciliar em Berlim bombardeada), ela estava andando pela densa floresta de Rappenwald, perto da fronteira com Liechtenstein, com uma arma e quase três mil Reichmarks em sua mochila.

Às 3:45 da manhã, ela encontrou uma patrulha de fronteira; depois de contar aos funcionários que ela estava entregando duas na Suíça de Joseph Goebbels (para presumivelmente justificar seu manuseio de uma pistola), ela persuadiu a patrulha a destacar um único guarda para escoltá-la até o Hauptzollamt em Tisis.

Em um ponto na fronteira a apenas 150 metros do território de Liechtenstein, Monte fugiu para a Suíça. O guarda austríaco alvejou-a uma vez, atingindo a coxa direita. A bala encravou numa artéria e ela sangrou até à morte. As forças aliadas levaram meses para informar seus pais, que estavam refugiados no Cairo, e registros austríacos não revelariam seu destino até 1947.

Quando Victor Gollancz publicou seu romance Onde a liberdade pereceu após o fim da guerra, a editora da Tribune Jennie Lee escreveu a introdução. Enaltecendo a “lástima e o desperdício” que a morte de Monte gerava, ela também anunciou o “trabalho perigoso” que caracterizou toda a sua vida adulta, escrevendo que “ela sabia” como sua captura significaria “prisão, tortura e morte”. E lembrou que “Hilda Monte, uma e outra vez, caminhou sozinha através da fronteira.”

Mas quando Hilda Monte morreu, foi Raymond Postgate da Tribune, seu camarada e editor, que deu a notícia de sua morte na edição de 29 de junho de 1945. Descrevendo sua vida, ele sugeriu que fizesse a candidata parlamentar conservador e proeminente simpatizante fascista Eleonora Tennant “pausar” sua campanha contra a presença de refugiados judeus. “Enquanto nenhuma medalha e nenhum título é concedido ao seu tipo” pela classe dominante deste país, Postgate escreveu, “os socialistas britânicos honrarão seu nome e lembrarão esta mulher, que deu sua vida a serviço de nossa causa”.

Republicado de Tribune.

Sobre o autor

Marcus Barnett é militante internacional da Young Labor e editor associado do Tribune

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