10 de novembro de 2022

Cinco anos e meio na Folha

Convidado para a equipe de transição, deixo este espaço para não misturar as coisas

Nelson Barbosa

Folha de S.Paulo

Como alguns leitores devem saber, fui convidado para a equipe de transição de Lula, juntamente com Guilherme Mello, André Lara Resende e Persio Arida. Aceitei o convite e, por esse motivo, decidi deixar de escrever neste espaço para não misturar as coisas.

Agradeço à Folha pela oportunidade de publicar minhas opiniões sobre economia e política, com total liberdade de expressão. Foram cinco anos e meio como colunista.

Agradeço, também, aos leitores, por suas críticas favoráveis e desfavoráveis, com quem também aprendi bastante desde 2017. Mas, antes de iniciar a nova empreitada, permitam-me dois comentários.

Ex-ministro da Fazenda Nelson Barbosa - Divulgação

O primeiro é sobre um assunto recorrente: a definição da política fiscal de 2023 em diante, o que está gerando ruído e volatilidade no mercado.

Como já afirmei neste espaço, o Projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa) de 2023, enviado pelo atual governo ao Congresso, está muito aquém do necessário para manter o Auxílio Brasil em R$ 600 por mês, bem como para preservar vários programas essenciais no seu valor nominal de 2022.

Do jeito que está, o Ploa 2023 prevê contração do gasto primário em 1,4% do PIB no próximo ano, um corte nunca feito em nossa história econômica recente.

Colocando de outra forma, se houver aumento de gasto de até R$ 150 bilhões em relação ao projetado no Ploa 2023, ainda assim a despesa primária de 2023 provavelmente ficará no mesmo valor de 2022, de 19% do PIB.

Antes da eleição, o próprio governo Bolsonaro já havia reconhecido a necessidade de revisar o Ploa 2023 e elevar o gasto primário. Agora parece que essa tarefa caberá exclusivamente ao governo eleito, que já iniciou discussões sobre uma "proposta de emenda à Constituição (PEC) de transição".

O formato e valor da PEC da Transição ainda estão em debate, mas, caso aprovada, acho que a proposta será o primeiro passo de uma reconstrução fiscal e econômica mais ampla, que deve incluir a revisão das atuais regras fiscais, a retomada da reforma tributária, a recuperação do investimento público, uma nova política de diversificação produtiva e o desenvolvimento sustentável (ambiental e social).

Sobre a proposta fiscal especificamente, no início deste ano eu disse que qualquer solução teria que passar na política e no mercado. Não adianta passar em apenas um deles. Já apresentei várias ideias e propostas de política econômica neste espaço. Agora irei reapresentar essas ideias e ouvir alternativas na equipe de transição.

Meu segundo comentário é coisa de nerd, recomendar um livro: "Chip War, The Fight For The World's Most Critical Technology", de Chris Miller, professor de história internacional da Tufts University (Boston, EUA). O livro saiu no mês passado e descreve a evolução do setor de semicondutores, desde a invenção do transistor até hoje.

O texto é excelente (coisa de historiador, não de economista) e cheio de informações úteis para economistas e não economistas, mesclando dinâmica de mercado, papel de políticas públicas, disputas internacionais e implicações sociais e econômicas da "revolução dos chips".

Do meu ponto de vista de economista, o livro de Miller documenta e comprova a importância do Estado no desenvolvimento tecnológico, não necessariamente via empresas estatais, mas sobretudo via estímulo à pesquisa acadêmica e inovação de mercado.

Voltando ao parágrafo inicial, agradeço especialmente o apoio de vários colegas durante minha jornada na Folha. Como diz aquele ditado popular: é na adversidade que conhecemos os verdadeiros amigos.

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