MICHAEL BECKLEY
MICHAEL BECKLEY é professor associado de Ciência Política na Universidade Tufts, pesquisador sênior não residente no American Enterprise Institute e diretor para a Ásia no Foreign Policy Research Institute.
Foreign Affairs
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Anuj Shrestha |
Em 1898, quando o Reino Unido se juntou a outras potências na divisão do outrora poderoso império Qing, o primeiro-ministro britânico Lord Salisbury alertou uma plateia londrina de que o mundo estava se dividindo em nações "vivas" e "moribundas". As vivas eram as potências emergentes da era industrial — Estados com populações crescentes, tecnologias transformadoras e forças armadas de alcance e poder de fogo sem precedentes. Os moribundos eram impérios estagnados, paralisados pela corrupção, apegados a métodos obsoletos e à beira da ruína. Salisbury temia que a ascensão de alguns, colidindo com o declínio de outros, lançasse o mundo em um conflito catastrófico.
Agora, essa era de transições de poder está chegando ao fim. Pela primeira vez em séculos, nenhum país está crescendo rápido o suficiente para perturbar o equilíbrio global. Os booms demográficos, os avanços industriais e as aquisições territoriais que outrora impulsionaram as grandes potências já se esgotaram em grande parte. A China, a última grande potência em ascensão, já está atingindo o pico, com sua economia desacelerando e sua população encolhendo. Japão, Rússia e Europa estagnaram há mais de uma década. A Índia tem juventude, mas carece de capital humano e capacidade estatal para transformá-la em força. Os Estados Unidos enfrentam seus próprios problemas – dívida, crescimento lento, disfunção política –, mas ainda superam rivais que mergulham em uma decadência ainda mais profunda. As rápidas ascensões que antes definiam a geopolítica moderna deram lugar à esclerose: o mundo é agora um clube fechado de governantes envelhecidos, cercado por potências médias, países em desenvolvimento e Estados falidos.
Essa reversão traz consequências profundas. A longo prazo, pode poupar o mundo do ciclo ruinoso das potências em ascensão – suas buscas por território, recursos e status que tantas vezes terminavam em guerra. No curto prazo, no entanto, a estagnação e os choques demográficos estão gerando perigos agudos. Estados frágeis estão se curvando sob dívidas e o crescimento da juventude. Potências em dificuldades estão recorrendo à militarização e ao irredentismo para evitar o declínio. A insegurança econômica está alimentando o extremismo e corroendo as democracias, enquanto os Estados Unidos caminham para um unilateralismo violento. A era das potências emergentes está terminando, mas suas consequências imediatas podem não ser menos violentas.
Prever é um negócio arriscado. A demografia pode ser medida, mas a tecnologia e a política frequentemente surpreendem, e as certezas de hoje podem parecer ingênuas daqui a uma geração ou mesmo alguns anos. O que se pode afirmar com segurança é que, durante dois séculos e meio, a política global foi impulsionada pela rápida ascensão de grandes potências, e as forças que tornaram tais ascensões possíveis estão agora em declínio. Isso não garante estabilidade, mas marca uma mudança profunda: a conhecida luta entre poderes vivos e moribundos está chegando ao fim, e outra história, com contornos ainda obscuros, começa a se desenrolar.
Agora, essa era de transições de poder está chegando ao fim. Pela primeira vez em séculos, nenhum país está crescendo rápido o suficiente para perturbar o equilíbrio global. Os booms demográficos, os avanços industriais e as aquisições territoriais que outrora impulsionaram as grandes potências já se esgotaram em grande parte. A China, a última grande potência em ascensão, já está atingindo o pico, com sua economia desacelerando e sua população encolhendo. Japão, Rússia e Europa estagnaram há mais de uma década. A Índia tem juventude, mas carece de capital humano e capacidade estatal para transformá-la em força. Os Estados Unidos enfrentam seus próprios problemas – dívida, crescimento lento, disfunção política –, mas ainda superam rivais que mergulham em uma decadência ainda mais profunda. As rápidas ascensões que antes definiam a geopolítica moderna deram lugar à esclerose: o mundo é agora um clube fechado de governantes envelhecidos, cercado por potências médias, países em desenvolvimento e Estados falidos.
Essa reversão traz consequências profundas. A longo prazo, pode poupar o mundo do ciclo ruinoso das potências em ascensão – suas buscas por território, recursos e status que tantas vezes terminavam em guerra. No curto prazo, no entanto, a estagnação e os choques demográficos estão gerando perigos agudos. Estados frágeis estão se curvando sob dívidas e o crescimento da juventude. Potências em dificuldades estão recorrendo à militarização e ao irredentismo para evitar o declínio. A insegurança econômica está alimentando o extremismo e corroendo as democracias, enquanto os Estados Unidos caminham para um unilateralismo violento. A era das potências emergentes está terminando, mas suas consequências imediatas podem não ser menos violentas.
A ERA DA ASCENSÃO
Apesar da moda de comparar a China a uma Atenas em ascensão e os Estados Unidos a uma Esparta ameaçada, as verdadeiras “potências em ascensão” são um fenômeno moderno. Elas surgiram apenas nos últimos 250 anos, com a Revolução Industrial, quando o carvão, o vapor e o petróleo libertaram as sociedades da armadilha malthusiana, na qual cada nova riqueza era engolida por mais bocas, mantendo os padrões de vida estagnados na subsistência. Pela primeira vez, riqueza, população e poderio militar puderam se expandir em conjunto — combinando-se em vez de se compensarem —, permitindo que os países acumulassem poder em uma trajetória ascendente constante. Essa transformação se baseou em três forças: tecnologias que turbinaram a produtividade, populações crescentes que aumentaram as forças de trabalho e os exércitos, e máquinas militares que permitiram conquistas rápidas.
O mundo pré-industrial não tinha nenhuma dessas dinâmicas. Do ano 1 a 1820, a renda global per capita aumentou apenas 0,017% ao ano, ou pouco menos de 2% por século. Com a pobreza como norma, as mudanças de poder ocorriam apenas de forma intermitente, geralmente pela compressão de recursos escassos. Os impérios chinês e indiano produziam excedentes agrícolas, Veneza e os otomanos tributavam o comércio, Espanha e Portugal saqueavam a prata e os Habsburgos e Bourbons se expandiam por meio de casamentos dinásticos. Avanços militares — cavalaria sob os mongóis ou pólvora sob os impérios otomano, safávida e mogol — remodelaram o equilíbrio por um tempo, mas os rivais acabaram se adaptando. Até mesmo o alardeado Estado fiscal-militar do Reino Unido simplesmente extraiu mais da escassez.
A Revolução Industrial rompeu o domínio da escassez e fez da produtividade a base do poder, impulsionando sociedades da Idade Média à Moderna em menos de um século. Um britânico nascido em 1830 entrava em um mundo de velas, carroças e navios de madeira; na velhice, essa mesma pessoa podia andar de trem, enviar telégrafos e caminhar por ruas ladeadas por luzes elétricas, produtos industriais e encanamento. Em uma vida, o consumo de energia per capita multiplicou-se de cinco a dez vezes.
Essa convulsão produziu as primeiras potências emergentes modernas. No século XIX, o crescimento da renda per capita expandiu-se a uma taxa 30 vezes superior à pré-industrial, e os ganhos concentraram-se entre um punhado de Estados, criando vastas assimetrias de poder. O Reino Unido, os Estados Unidos e os estados alemães saltaram de menos de 10% da produção industrial global em 1800 para mais da metade em 1900, enquanto suas rendas per capita praticamente triplicaram. As participações da China e da Índia, em contraste, caíram de mais da metade da produção mundial para menos de 10%, e os Habsburgos, Otomanos e Russos permaneceram em grande parte agrários, com suas indústrias inundadas por importações. Em 1900, as populações das principais nações industriais ganhavam cerca de oito a dez vezes mais por pessoa do que a China ou a Índia, e várias vezes mais do que as da Rússia e dos impérios Habsburgo e Otomano. O que antes era uma paridade aproximada tornou-se a chamada Grande Divergência entre o Ocidente e o resto.
Os ganhos de produtividade desencadearam um boom populacional. As sociedades pré-industriais mal haviam crescido, com as populações dobrando apenas uma vez a cada mil anos. A industrialização rompeu esse limite: no século XIX, a população global cresceu cerca de dez vezes mais rápido do que, em média, do ano 1 a 1750. A agricultura mecanizada, o saneamento, a eletricidade, a refrigeração e os novos medicamentos aumentaram a expectativa de vida média global em mais de 60% entre 1770 e 1950, permitindo que as populações dobrassem a cada uma ou duas gerações. Alemanha, Reino Unido e Estados Unidos lideraram esse aumento, seguidos por Japão e Rússia, enquanto China, Índia e os impérios Habsburgo e Otomano ficaram para trás. Na Primeira Guerra Mundial, exércitos que antes somavam dezenas de milhares de homens conseguiam reunir milhões.
A produtividade está diminuindo, as populações estão diminuindo e a conquista está se tornando mais difícil.
A força de trabalho alimentou os exércitos industriais — o terceiro ingrediente do poder em ascensão. A guerra pré-industrial era brutal, mas limitada. Os exércitos eram geralmente pequenos, sazonais e parasitários, vivendo da terra e se movendo apenas na velocidade permitida por cascos ou velas. Com armas rudimentares e logística precária, as guerras eram frequentes, mas indecisas, muitas vezes se arrastando por décadas. A industrialização virou o mundo de cabeça para baixo. Ferrovias, navios a vapor e telégrafos tornaram possível a mobilização em massa, enquanto rifles, metralhadoras e artilharia pesada multiplicaram o poder de destruição. No início do século XX, os impérios industriais controlavam quatro quintos do globo, transformando o mapa em uma colcha de retalhos dominada por um punhado de potências em ascensão.
Juntas, essas revoluções econômicas, demográficas e militares uniram todas as regiões em uma única arena. O valor do comércio global aumentou dez vezes entre 1850 e 1913, e até mesmo impérios há muito isolados, como o Japão Tokugawa e a China Qing, foram forçados a entrar na briga. Pela primeira vez, as nações se depararam com uma escolha difícil: industrializar-se ou ser dominadas. Dessa disputa emergiu um pequeno rol de grandes potências, cada uma forjada por meio de algumas rotas excepcionais.
Uma delas foi a consolidação nacional, na qual a primeira região em industrialização de uma terra fragmentada conquistou as demais. A Prússia uniu a Alemanha, Satsuma e Choshu construíram o Japão moderno, o Piemonte liderou a unificação italiana e o Norte industrializado dos Estados Unidos esmagou as nações nativas, derrotou o Sul secessionista e escravista e expandiu-se para o oeste. Outra rota para o poder era o totalitarismo, com antigos impérios buscando uma industrialização vertiginosa sob ditadores implacáveis — a União Soviética de Joseph Stalin, a Alemanha de Adolf Hitler, a China de Mao Zedong — a um custo humano impressionante. Uma terceira rota era tornar-se um protetorado. A China, tendo assistido à reconstrução da Alemanha e do Japão do pós-guerra sob a proteção dos EUA, inclinou-se para Washington a partir da década de 1970 para extrair capital e conhecimento, antes de se separar neste século em busca da primazia. Essas foram as portas para o clube das potências em ascensão — e todas se abriram sob as extraordinárias condições tecnológicas, demográficas e militares da era industrial.
DE VENTOS A FAVOR PARA VENTOS CONTRA
Essas portas estão se fechando. A produtividade está diminuindo, as populações estão diminuindo e a conquista está se tornando mais difícil. As tecnologias atuais, por mais notáveis que sejam, não remodelaram a vida como a Revolução Industrial. Um apartamento americano da década de 1940, com geladeira, fogão a gás, luz elétrica e telefone, pareceria familiar hoje. Em contraste, uma casa da década de 1870, com banheiro externo, poço artesiano e lareira para cozinhar e se aquecer, pareceria pré-histórica. O salto de 1870 para 1940 foi transformador; os passos desde então, muito menos.
As velocidades de transporte estagnaram: apenas 66 anos separaram Kitty Hawk do pouso na Lua, mas meio século depois, carros e aviões ainda se movem a velocidades do século XX. O setor de energia mostrou inércia semelhante, com os combustíveis fósseis ainda fornecendo mais de 80% do suprimento global — praticamente inalterado desde a década de 1970, apesar dos trilhões investidos em fontes de energia renováveis. A longevidade estagnou à medida que os ganhos de expectativa de vida nas economias avançadas diminuíram ou até mesmo reverteram. O número de cientistas aumentou mais de quarenta vezes desde a década de 1930, mas a produtividade da pesquisa declinou aproximadamente na mesma margem, agora caindo pela metade a cada 13 anos. A P&D empresarial mais que dobrou como parcela do PIB desde 1980, mas o crescimento da produtividade e a formação de startups caíram pela metade nas economias avançadas. Até mesmo a revolução digital se mostrou passageira; após um breve aumento no final da década de 1990, o crescimento da produtividade caiu novamente para mínimos históricos.
As tecnologias atuais não remodelaram a vida como a Revolução Industrial.
Algumas previsões afirmam que a inteligência artificial turbinará a produção global em 30% ao ano, mas a maioria dos economistas espera que ela adicione apenas cerca de um ponto percentual ao crescimento anual. A IA se destaca em tarefas digitais, mas os maiores gargalos trabalhistas estão nos âmbitos físico e social. Hospitais precisam de enfermeiros mais do que de exames mais rápidos; restaurantes precisam de cozinheiros mais do que de pedidos de tablets; advogados precisam persuadir juízes, não apenas analisar memoriais. Robôs continuam desajeitados em cenários do mundo real e, como o aprendizado de máquina é probabilístico, erros são inevitáveis — portanto, os humanos muitas vezes precisam se manter informados. Refletindo esses limites, cerca de 80% das empresas que utilizam IA generativa relataram que ela não teve efeito material em seus lucros, em uma Pesquisa Global da McKinsey sobre IA.
Mesmo que a IA continue avançando, grandes ganhos de produtividade podem levar décadas, pois as economias precisam se reorganizar em torno de novas ferramentas. Isso oferece pouco alívio para as economias em dificuldades de hoje. O crescimento global desacelerou de 4% nas primeiras décadas do século XXI para cerca de 3% atualmente — e para apenas 1% nas economias avançadas. O crescimento da produtividade, que era de 3% a 4% ao ano nas décadas de 1950 e 1960, caiu para perto de zero. Enquanto isso, a dívida global aumentou de 200% do PIB há 15 anos para 250% atualmente, chegando a 300% em algumas economias avançadas.
A perspectiva demográfica é igualmente sombria. Hoje, quase dois terços da humanidade vivem em países com taxas de natalidade abaixo dos níveis de reposição. A maioria das nações industrializadas são literalmente potências moribundas, encolhendo centenas de milhares a cada ano — algumas em milhões — e os mercados emergentes não ficam muito atrás. Apenas a África Subsaariana ainda apresenta alta fecundidade, e as taxas estão diminuindo mesmo lá. Estimativas recentes sugerem que a população global começará a cair na década de 2050.
As implicações para o poder nacional são gritantes. À medida que a força de trabalho se contrai e o número de aposentados aumenta, projeta-se que o crescimento nas principais economias cairá pelo menos 15% nos próximos 25 anos e, para algumas, o impacto será muito pior. Compensar essa perda exigiria ganhos de produtividade de 2% a 5% ao ano — o ritmo vertiginoso da década de 1950 — ou semanas de trabalho mais longas, nenhuma das quais é realista em meio à desaceleração da inovação e à aposentadoria em massa. O declínio demográfico também descarta qualquer recuperação fulminante. Na era industrial, até mesmo países devastados pela guerra poderiam se recuperar: a Alemanha após a Primeira Guerra Mundial, a União Soviética e o Japão após a Segunda Guerra Mundial e a China após seu "século de humilhação" retornaram maiores e mais fortes em uma geração. Hoje, com o encolhimento populacional, o poder perdido pode ter desaparecido para sempre.
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Na Bolsa de Valores de Nova York, em Nova York, setembro de 2025 Jeenah Moon / Reuters |
Sem crescimento econômico nem recuperação demográfica com que contar, a conquista pode parecer o último caminho para o poder ascendente. No entanto, esse caminho também está se estreitando. A disseminação de tecnologias industriais — ferrovias, telégrafos e eletrificação — facilitou a construção do Estado e a descolonização, quadruplicando o número de Estados-nação no mundo desde 1900. Desde então, mais de 160 ocupações estrangeiras foram atoladas em insurgências, à medida que rifles, morteiros e granadas de propulsão a foguete baratos transformavam aldeias em zonas de matança. As armas nucleares elevaram os riscos da conquista a níveis existenciais, enquanto munições guiadas de precisão e drones agora permitem que até mesmo milícias desorganizadas, como os Houthis, danifiquem navios e tanques. Enquanto isso, os despojos da conquista diminuíram: terras e minerais outrora enriqueceram impérios, mas hoje quase 90% dos ativos corporativos nas economias avançadas são intangíveis — softwares, patentes e marcas que não podem ser saqueados.
Para as aspirantes a grandes potências no mundo em desenvolvimento, a escalada é ainda mais íngreme. Empresas multinacionais de países ricos dominam o capital e a tecnologia, enquanto a produção global se tornou modular, relegando os retardatários a funções de baixo valor – montagem de bens ou exportação de matérias-primas – sem a chance de construir suas próprias empresas globalmente competitivas. A ajuda externa diminuiu, os mercados de exportação estão se contraindo e o protecionismo está se espalhando, puxando para cima a escada impulsionada pela exportação que os antigos países em ascensão outrora escalaram.
A rotatividade histórica desacelerou drasticamente. Com poucas exceções, os países que eram ricos e poderosos em 1980 permanecem assim hoje, enquanto a maioria dos pobres permaneceu pobre. Entre 1850 e 1949, cinco novas grandes potências surgiram em cena, mas nos 75 anos seguintes, apenas a China. E pode ser a última.
CUIDADO COM A VARIAÇÃO
Como potência preeminente do mundo, os Estados Unidos definem o ritmo em que outros ascendem ou caem – e no início do século XXI, esse ritmo era abismal. Em 2001, o país sofreu o ataque mais mortal à sua terra natal. Na década seguinte, travou duas das três guerras mais longas de sua história, custando centenas de milhares de vidas, incluindo milhares de americanos, e gastando US$ 8 trilhões, sem garantir a vitória. Em 2008, sofreu o pior colapso financeiro desde a Grande Depressão.
Enquanto isso, outras economias diminuíram a diferença. Entre 2000 e 2010, o PIB da China em dólares — o indicador mais claro do poder de compra de um país nos mercados internacionais — saltou de 12% para 41% do PIB dos EUA. A participação da Rússia quadruplicou; a do Brasil e da Índia mais que dobrou; e as principais economias da Europa também obtiveram ganhos significativos. Para muitos observadores, essas mudanças anunciaram uma transição de poder épica — o que o escritor Fareed Zakaria memoravelmente chamou de "a ascensão do resto", inaugurando um suposto "mundo pós-americano".
A China pode ser a última nova grande potência a entrar em cena.
Mas a maré logo virou. Na década de 2010, a maioria das grandes economias recuou. As participações do Brasil e do Japão no PIB dos EUA foram reduzidas aproximadamente pela metade. Canadá, França, Itália e Rússia perderam cerca de um terço de seu peso econômico relativo, enquanto as participações da Alemanha e do Reino Unido se contraíram em cerca de um quarto. Apenas China e Índia continuaram a subir.
A década de 2020 foi ainda mais difícil. A Índia é a única grande economia que ainda acompanha o ritmo dos Estados Unidos. De 2020 a 2024, o PIB da China caiu de 70% para 64% do PIB dos EUA. O do Japão caiu de 22% para 14%. As economias da Alemanha, França e Reino Unido caíram ainda mais, enquanto a da Rússia está cambaleando após um breve solavanco durante a guerra. As economias combinadas dos países da África, América Latina, Oriente Médio, Sul da Ásia e Sudeste Asiático também encolheram — de cerca de 90% do PIB dos EUA há uma década para apenas 70% em 2023. "A ascensão do resto" não apenas desacelerou; está se revertendo.
Também não é provável uma recuperação. A aparente ascensão de novas potências nos primeiros anos do século XXI sempre foi enganosa, pois o PIB é uma medida rudimentar de força. O que importa mais são os fundamentos de uma economia robusta — produtividade, inovação, mercados de consumo, energia, finanças e saúde fiscal — e, nessas frentes, a maioria dos concorrentes está vacilando. Na última década, apenas a Índia e os Estados Unidos avançaram em produtividade total dos fatores, que mede a eficiência com que um país converte trabalho, capital e outros insumos em produção econômica. O Japão estagnou, enquanto outros países retrocederam, investindo mais insumos, mas produzindo menos crescimento. Nos setores avançados, a diferença é maior: as empresas americanas capturam mais da metade dos lucros globais de alta tecnologia; A China mal consegue atingir 6%.
As vantagens dos Estados Unidos vão além. Seu mercado consumidor é agora maior do que o da China e da zona do euro juntos. É o segundo maior comerciante do mundo, mas está entre os menos dependentes do comércio, com exportações representando apenas 11% do PIB – um terço do qual vai para o Canadá e o México – em comparação com 20% da China e 30% globalmente. No setor de energia, saltou de importador líquido para o maior produtor, desfrutando de preços muito abaixo dos concorrentes. E o dólar continua a dominar as reservas, o setor bancário e o câmbio. A dívida pública e privada total nos Estados Unidos é enorme – cerca de 250% do PIB em 2024 e provavelmente aumentará com os cortes de impostos estendidos aprovados pelo Congresso em julho – mas ainda menor do que a de muitos pares: no Japão, ultrapassa 380%; na França, 320%; e na China, ultrapassa 300%, incluindo os passivos ocultos de governos locais e empresas. Além disso, de 2015 a 2025, a dívida nos Estados Unidos caiu ligeiramente, enquanto aumentou quase 60 pontos percentuais na China, mais de 25 no Japão e no Brasil, e quase 20 na França.
"A ascensão do resto" não apenas desacelerou; está se revertendo.
A demografia prejudicará ainda mais os rivais americanos. Nos próximos 25 anos, os Estados Unidos ganharão cerca de oito milhões de adultos em idade ativa (um aumento de 3,7%), enquanto a China perderá cerca de 240 milhões (uma queda de 24,5%) — mais do que toda a força de trabalho da União Europeia. O Japão perderá cerca de 18 milhões de trabalhadores (25,5% de sua força de trabalho), a Rússia mais de 11 milhões (12,2%), a Itália cerca de 10 milhões (27,5%), o Brasil outros 10 milhões (7,1%) e a Alemanha mais de 8 milhões (15,6%). O envelhecimento agravará a situação. Durante o mesmo período, os Estados Unidos adicionarão cerca de 24 milhões de aposentados (um aumento de 37,8% em relação ao atual), mas a China adicionará mais de 178 milhões (um aumento de 84,5%). O Japão, já saturado de idosos, ganhará 2,5 milhões de aposentados (um aumento de 6,7%). A Alemanha adicionará 3,8 milhões (aumento de 19%), a Itália 4,3 milhões (aumento de 29%), a Rússia 6,8 milhões (aumento de 27%) e o Brasil 24,5 milhões (aumento impressionante de 100%). Durante dois séculos, as potências emergentes foram impulsionadas pelo aumento da população jovem; hoje, as principais economias estão perdendo trabalhadores enquanto acumulam aposentados — um golpe duplo que nenhum concorrente jamais enfrentou.
Além dos Estados Unidos, apenas a Índia — o país mais populoso do mundo, com uma força de trabalho projetada para crescer até a década de 2040 — parece estar parcialmente protegida do declínio demográfico, aumentando suas esperanças de ser a próxima potência em ascensão. No entanto, a Índia sofre com uma escassez devastadora de trabalhadores qualificados. Em 2020, quase um quarto dos adultos em idade produtiva nunca havia frequentado a escola e, entre aqueles que frequentaram, quatro em cada cinco não possuíam habilidades básicas em matemática e ciências. No total, quase 90% dos jovens não atingem os níveis essenciais de alfabetização e matemática. O problema é agravado pela fuga de cérebros: a Índia envia mais migrantes qualificados para economias avançadas do que qualquer outro país. Um estudo que acompanhou a coorte de 2010 de candidatos ao Exame de Admissão Conjunta da Índia – a porta de entrada para instituições de tecnologia de elite – descobriu que, em oito anos, mais de um terço dos 1.000 melhores colocados se mudaram para o exterior, incluindo mais de 60% dos 100 melhores.
A economia indiana amplifica essas deficiências. O trabalho e a indústria continuam limitados: mais de 80% dos trabalhadores estão no setor informal não tributável, e quase metade de todos os setores industriais sofreram contração desde 2015. A infraestrutura e o comércio também são limitados: o porto mais movimentado da Índia movimenta apenas um sétimo do volume do da China, e um quarto do comércio do país com a Europa e o Leste Asiático precisa passar por centros estrangeiros, adicionando três dias de trânsito e cerca de US$ 200 ao custo de cada contêiner. Por fim, o aclamado setor de serviços é restrito, com crescimento concentrado em empresas de TI que não conseguem absorver uma vasta força de trabalho, deixando cerca de 40% dos universitários na faixa dos 20 anos desempregados. A Índia continuará relevante — seu mercado é amplo, suas forças armadas são fortes para os padrões regionais, sua diáspora é influente —, mas carece das bases para uma verdadeira ascensão como grande potência.
A APOSTA DA CHINA
Se algum país pode desafiar os ventos contrários de hoje, é a China. Ela produz um terço dos bens do mundo e produz mais navios, veículos elétricos, baterias, minerais de terras raras, painéis solares e ingredientes farmacêuticos do que o resto do mundo combinado. Polos industriais como Shenzhen e Hefei podem levar um projeto do protótipo à produção em massa em poucos dias, alimentados pela maior rede elétrica do planeta e por uma vasta força de trabalho robótica. Pequim financia pesquisas, dirige empresas e estoca recursos, enquanto sua estratégia de IA preza pela implantação rápida e de baixo custo. A escala dá à China vantagem. Ela pode inundar mercados e levar concorrentes à falência, como fez com os painéis solares, e produzir bens estratégicos – de drones a navios e terras raras – mais rápido do que qualquer rival. Do lado dos ativos, a China parece imparável.
Do lado dos passivos, no entanto, a posição da China é muito mais fraca. Seu modelo de crescimento se baseia em três apostas perigosas: que a produção bruta importa mais do que os retornos líquidos, que algumas indústrias de destaque podem substituir a ampla vitalidade econômica e que a autocracia pode proporcionar mais dinamismo do que a democracia. Essas apostas geraram uma produção espetacular, mas a custos crescentes – e a história mostra que tais passivos costumam ser decisivos.
Nos últimos dois séculos, Estados com recursos líquidos mais profundos — o que restou depois de prover para seus povos, sustentar suas economias e proteger suas terras — prevaleceram em 70% das disputas, 80% das guerras e em todas as rivalidades entre grandes potências. A China e a Rússia do século XIX pareciam imponentes no papel, com as maiores economias na Eurásia, mas seus impérios, assolados por responsabilidades, foram repetidamente superados por rivais menores e mais eficientes: Alemanha, Japão e Reino Unido. No século XX, a União Soviética canalizou vastos recursos para setores estratégicos, gastando quase o dobro dos Estados Unidos em P&D como parcela do PIB e empregando quase o dobro de cientistas e engenheiros, enquanto produzia aço, máquinas-ferramentas, tecnologia nuclear, petróleo, gás e outras matérias-primas. Construiu barragens e ferrovias gigantes e saltou para uma liderança precoce na corrida espacial. No entanto, esses feitos produziram ilhas de excelência em um mar de estagnação, e a União Soviética acabou entrando em colapso não por falta de megaprojetos, mas porque sua economia em geral apodreceu.
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Visitantes no Templo do Céu em Pequim, setembro de 2025 Maxim Shemetov / Reuters |
A China hoje está caindo em uma armadilha semelhante. Seu modelo de investimento depende de insumos cada vez maiores para gerar retornos cada vez menores, com cada unidade de produção exigindo agora de duas a três vezes mais capital e quatro vezes mais mão de obra do que nos Estados Unidos. Para manter o crescimento, Pequim inundou o sistema com crédito, criando mais de US$ 30 trilhões em novos ativos bancários desde 2008. Em 2024, seu sistema bancário havia inchado para US$ 59 trilhões — o equivalente a três vezes seu PIB e mais da metade do PIB global.
Grande parte dessa dívida está afundada em apartamentos vazios, fábricas deficitárias e empréstimos inadimplentes — ativos que parecem riqueza no papel, mas na verdade são notas promissórias que podem nunca ser pagas. O setor imobiliário e de construção, que antes representavam quase 30% da economia, implodiu, eliminando cerca de US$ 18 trilhões em riqueza familiar desde 2020. O golpe para os cidadãos chineses foi mais duro do que o que atingiu os americanos em 2008, pois as famílias chinesas investiram mais que o dobro de seu patrimônio líquido em imóveis. Com muitas famílias de classe média privadas de suas economias, a renda disponível estagnou em US$ 5.800 por pessoa e o consumo em 39% do PIB — aproximadamente metade do nível dos EUA e muito abaixo do que Japão, Coreia do Sul e Taiwan sustentaram durante seus booms industriais. A demanda despencou e os preços caíram por nove trimestres consecutivos, a mais longa recessão deflacionária sofrida por qualquer grande economia em décadas.
Outro problema é o capital humano. Embora Pequim tenha investido generosamente em infraestrutura, negligenciou sua população. Apenas um terço dos adultos em idade produtiva concluiu o ensino médio — a menor proporção entre os países de renda média. Em contraste, quando a Coreia do Sul e Taiwan estavam no mesmo nível de renda da China no final da década de 1980, cerca de 70% de seus trabalhadores tinham ensino médio completo, uma base que lhes permitiu passar das linhas de montagem para indústrias avançadas e alcançar status de alta renda. Na China rural, a desnutrição e a pobreza levam muitas crianças a abandonar os estudos antes do ensino fundamental. O resultado, como demonstrou o economista Scott Rozelle, é o desaparecimento de centenas de milhões de jovens trabalhadores despreparados para uma economia moderna, assim como os empregos de baixa qualificação na construção civil que antes os absorviam.
A demografia e a pressão fiscal agravam a pressão. Se os idosos da China formassem um país, este seria o quarto maior e o de crescimento mais rápido do mundo — quase 300 milhões hoje, com projeção de ultrapassar 500 milhões até 2050. Até lá, apenas dois trabalhadores sustentarão cada aposentado, em comparação com dez em 2000. No entanto, a rede de segurança é frágil. As pensões cobrem apenas metade da força de trabalho e se esgotarão até 2035. O atendimento aos idosos é ainda mais frágil. A China tem apenas 29 enfermeiros para cada 10.000 habitantes, em comparação com 115 no Japão e 70 na Coreia do Sul. E uma força de trabalho em declínio está reduzindo a base de arrecadação do governo: a arrecadação tributária caiu de 18,5% do PIB em 2014 para menos de 14% em 2022 — menos da metade da média entre os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
O que se avizinha é uma reprise de alguns dos piores aspectos do século XX.
Pequim espera impulsionar sua economia subsidiando indústrias estratégicas. Mas esses setores são pequenos demais para compensar o colapso do mercado imobiliário — veículos elétricos, baterias e energias renováveis, juntos, representaram apenas 3,5% do PIB em 2023 — e muitos estão se tornando passivos. Os subsídios geraram superávits, guerras de preços e zonas industriais "zumbis", que lembram as cidades fantasmas da crise imobiliária. As montadoras chinesas produzem o dobro do número de carros que o mercado doméstico pode absorver e quase o triplo do número de veículos elétricos. As empresas de energia solar adicionaram 1.000 gigawatts de capacidade em 2023 — cinco vezes o resto do mundo combinado —, empurrando os preços para abaixo do custo. O transporte ferroviário de alta velocidade acumulou cerca de um trilhão de dólares em dívidas, com a maioria das linhas operando com prejuízo. Quase um quarto das empresas industriais chinesas estão atualmente deficitárias, a maior participação desde 2001 e quase o dobro da participação de uma década atrás, enquanto as cinco maiores gigantes da tecnologia do país perderam US$ 1,3 trilhão em valor de mercado desde 2021.
E apesar de mais de um trilhão de dólares em subsídios na última década, a China ainda depende dos Estados Unidos e de seus aliados para 70% a 100% de cerca de 400 bens e tecnologias essenciais. Chips semicondutores, por exemplo, ultrapassaram o petróleo bruto como a maior importação do país, mas a produção doméstica cobre menos de um quinto da demanda. Na vanguarda, a China depende quase inteiramente de fornecedores estrangeiros. Após os controles de exportação de chips de IA impostos por Washington em 2022, a participação dos EUA no poder global de computação de IA aumentou quase 50%, enquanto a da China foi reduzida pela metade, deixando os Estados Unidos com uma vantagem de cinco vezes maior. Esse episódio ressaltou o que os acadêmicos Stephen Brooks e Benjamin Vagle chamaram de "poder comercial excludente": em setores intensivos em P&D, os Estados Unidos e seus aliados capturam mais de 80% das receitas globais. Em tempos normais, esse domínio gera poder de mercado; em uma crise, torna-se uma arma — a China pode perder de 14% a 21% do PIB em um corte comercial, em comparação com apenas 4% a 7% para os Estados Unidos.
Essas vulnerabilidades são agravadas pelo sistema político chinês. O Partido Comunista Chinês transformou a autocracia em uma camisa de força econômica, apertando seu controle sobre o setor privado e direcionando capital para empresas com conexões políticas. As startups financiadas por capital de risco caíram de aproximadamente 51.000 em 2018 para apenas 1.200 em 2023, de acordo com reportagem do Financial Times. O investimento estrangeiro caiu para o menor nível em três décadas, enquanto a fuga de capitais aumentou, com dezenas de milhares de milionários e centenas de bilhões de dólares saindo a cada ano. O resultado é uma economia frágil — ativos formidáveis na superfície, mas passivos crescentes por baixo.
TEMPESTADES EM CRESCIMENTO
A era das potências em ascensão está chegando ao fim, e as consequências já estão alimentando conflitos. Uma ameaça é que Estados estagnados estejam se militarizando para recuperar territórios "perdidos" e manter o status de grande potência. A Rússia já lançou os dados na Ucrânia e, se não for controlada, pode mirar em vizinhos mais ricos, como os Estados Bálticos ou a Polônia. A China pode tentar algo semelhante contra Taiwan. Para essas potências outrora em ascensão, agora enfrentando a estagnação, a conquista pode parecer tentadora — uma maneira de se apropriar de recursos e respeito, absorver populações, em alguns casos, quase duas vezes mais ricas per capita do que elas, e permitir que seus líderes se apresentem como construtores de impérios em vez de administradores do declínio. O medo aguça o impulso, à medida que a prosperidade ocidental ameaça atrair fronteiras e incitar a agitação interna. Tanto o presidente russo Vladimir Putin, assombrado pelo colapso soviético na década de 1990, quanto o líder chinês Xi Jinping, receoso de uma repetição dos protestos nacionais de 1989 que culminaram na repressão da Praça da Paz Celestial, alimentam o antiamericanismo e o revanchismo para consolidar seu governo — e com sucesso. Os russos sofrem perdas impressionantes na guerra de Putin na Ucrânia em troca de pagamentos em dinheiro e espetáculos patrióticos, enquanto a China canaliza jovens desempregados para boicotes nacionalistas e celebrações do rejuvenescimento prometido por Xi.
Enquanto isso, Rússia e China quintuplicaram os gastos militares em relação aos Estados Unidos e seus aliados desde 2000, ecoando casos anteriores em que potências em conflito — Alemanha e Japão na época da Depressão, a União Soviética nas décadas de 1970 e 1980 — investiram em armas, apostando que, se não pudessem mais comprar influência com crescimento, poderiam, em vez disso, abrir caminho à força para o domínio. Armas de precisão e drones oferecem aos pequenos Estados novas ferramentas de defesa, mas também podem convencer Putin e Xi de que vitórias rápidas são possíveis. Na câmara de eco de um ditador, o que parece suicídio para pessoas comuns pode parecer destino.
Outra ameaça é a falência estatal desenfreada entre países endividados com populações em rápido crescimento. No século XIX, a industrialização transformou o crescimento demográfico em dividendos econômicos, transferindo camponeses para fábricas. Esse caminho agora está fechado. A manufatura é mercantilizada, automatizada e dominada por empresas tradicionais, deixando as retardatárias presas em nichos de baixo valor. A África Subsaariana ainda tem apenas 11,5% de sua força de trabalho na indústria, pouco mais do que há três décadas. A campanha indiana "Make in India" de 2014 prometia uma decolagem na indústria, mas a participação do setor no PIB estagnou em cerca de 17%, e sua participação nos empregos diminuiu. No Oriente Médio, as rendas do petróleo financiaram a modernização urbana, mas não a industrialização generalizada.
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Em uma usina da Nippon Steel em Kimitsu, Japão, maio de 2025 Issei Kato / Reuters |
Muitos países pobres colheram os ganhos de expectativa de vida da modernidade, mas sem uma revolução econômica, transformando o crescimento populacional em um problema. A ONU estimou que 3,3 bilhões de pessoas vivem atualmente em países onde os pagamentos de juros da dívida excedem o investimento em saúde ou educação. Desde 2015, o PIB per capita estagnou em grande parte da África e do Oriente Médio, a poupança e o investimento entraram em colapso e o desemprego entre os jovens chega a 60% em alguns países. Essas pressões estão alimentando a turbulência: cerca de um terço dos Estados africanos estão em conflito ativo, e a violência jihadista no Sahel explodiu desde 2015, com grupos extremistas como o Boko Haram e afiliados da Al-Qaeda e do Estado Islâmico (ou ISIS) operando em mais de uma dúzia de países. À medida que as pessoas fogem da turbulência, a migração dispara. Em junho de 2024, a Agência da ONU para Refugiados contabilizou mais de 120 milhões de pessoas deslocadas à força em todo o mundo.
A espiral de falência do Estado pode ampliar uma terceira ameaça: o avanço do antiliberalismo dentro das próprias democracias. Depois que a guerra na Síria levou quase um milhão de refugiados para a Europa, partidos etnonacionalistas surgiram em todo o continente. Uma mudança semelhante ocorreu nos Estados Unidos em meio à migração recorde na fronteira sul durante o governo Biden. A confiança pública no governo entrou em colapso — caindo nos Estados Unidos de quase 80% na década de 1960 para cerca de 20% atualmente — enquanto a automação e a desigualdade esvaziaram as classes médias e inflamaram as políticas de identidade. Potências autoritárias exploram essas fissuras: a Rússia financia e amplifica movimentos extremistas, a China exporta ferramentas de vigilância e ambas inundam seus adversários ocidentais com desinformação. A democracia liberal historicamente prosperou em eras de crescimento, oportunidade e coesão. É muito menos claro se ela pode resistir a uma era de estagnação, migração em massa e subversão digital.
À medida que a democracia liberal se corrói internamente, o internacionalismo liberal se desfaz no exterior. Em um mundo sem potências emergentes, os Estados Unidos estão se tornando uma superpotência desonesta, com pouco senso de obrigação para além de si mesmos. Durante a Guerra Fria, a liderança americana era em parte virtude e em três partes interesse próprio: proteger aliados, transferir tecnologia e abrir os mercados americanos eram o preço para conter um rival em ascensão. Os Aliados aceitaram publicamente a primazia dos EUA porque o Exército Vermelho se aproximava e o comunismo contava com centenas de milhões de adeptos. Mas, com o colapso da União Soviética, a demanda por liderança americana também entrou em colapso. Hoje, sem a Ameaça Vermelha para combater e apenas uma ordem liberal amorfa para defender, a expressão "líder do mundo livre" soa vazia até mesmo para os ouvidos americanos.
Como resultado, a estratégia dos EUA está se desfazendo de valores e memória histórica, estreitando seu foco para o dinheiro e a defesa da pátria. Os Aliados estão descobrindo o que é o unilateralismo puro e simples, à medida que garantias de segurança se tornam extorsões de proteção e acordos comerciais são impostos com tarifas. Essa é a mesma lógica de poder bruto que ajudou a desencadear duas guerras mundiais, e as consequências já são visíveis. Instituições multilaterais estão paralisadas, regimes de controle de armas estão entrando em colapso e o nacionalismo econômico cresceu.
O que se avizinha não é um concerto multipolar de grandes potências compartilhando o mundo, mas uma reprise de alguns dos piores aspectos do século XX: Estados em dificuldades se militarizando, Estados frágeis entrando em colapso, democracias apodrecendo por dentro e o suposto garantidor da ordem recuando para o interesse próprio paroquial.
O LADO BOM
Se os perigos atuais puderem ser administrados, no entanto, o fim das potências emergentes poderá, em última análise, produzir um futuro mais brilhante. Durante séculos, a ascensão e a queda de grandes potências desencadearam as guerras mais sangrentas da história. Sem novos desafiantes, o mundo pode finalmente obter um alívio do ciclo mais destrutivo de todos: a rivalidade hegemônica.
Como observou o cientista político Graham Allison, nos últimos 250 anos houve dez casos de uma potência emergente confrontando uma potência dominante. Sete terminaram em carnificina. Pode-se debater sua seleção de casos, mas o padrão básico é claro: potências emergentes desencadearam uma guerra catastrófica aproximadamente uma vez a cada geração.
Um mundo sem potências emergentes não acabará com os conflitos, mas poderá dissipar o espectro dessas lutas que destroem o sistema. A violência persistirá — a estagnação e o colapso do Estado podem até tornar os conflitos locais mais frequentes —, mas é improvável que tais confrontos tenham o alcance global, o zelo ideológico, a duração geracional e o potencial apocalíptico das disputas hegemônicas. Populações em declínio e economias em desaceleração podem minar a ambição e a capacidade de conquista continental — ou de recuperação, uma vez que potências vacilantes tropecem. Um mundo menos dinâmico também pode gerar uma disputa mais pragmática entre sistemas liberais e autoritários-cleptocráticos, em vez das cruzadas totalizantes do fascismo e do comunismo, que emergiram da turbulência da industrialização e buscaram refazer a humanidade. A história não terminará, mas seu capítulo mais catastrófico poderá.
Essa restrição pode ser reforçada pelo que o cientista político Mark Haas chama de "paz geriátrica". Sociedades em envelhecimento enfrentam custos de bem-estar social crescentes, grupos cada vez menores de recrutas em idade militar e eleitorados avessos ao risco. Às vésperas da Primeira Guerra Mundial, a idade média das grandes potências era de cerca de 20 anos. Hoje, ela ultrapassa os 40 anos em todas as grandes potências, exceto nos Estados Unidos (que tem pouco menos de 40 anos), e dentro de uma década, um quarto ou mais de seus cidadãos serão idosos. Há um século, sociedades jovens se lançaram em guerras mundiais; No século XXI, as potências cinzentas podem estar cansadas e sábias demais para tentar.
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Aguardando o transporte público em San Diego, Califórnia, março de 2025 Mike Blake / Reuters |
Se um mundo sem potências emergentes se mostrar mais calmo geopoliticamente, a economia também poderá ser mais promissora do que o esperado. Mesmo sem outra revolução industrial, as novas tecnologias estão melhorando a vida cotidiana, e a humanidade está mais saudável e educada do que nunca. O crescimento mais lento da produtividade e o envelhecimento populacional podem moderar o PIB, mas não precisam impedir uma revolução mais silenciosa nos padrões de vida, criando um futuro em que as sociedades se tornem mais ricas em conhecimento e mais saudáveis fisicamente, mesmo com o declínio populacional.
Outra fonte de otimismo reside na assimetria demográfica atual. As economias avançadas são ricas em capital, mas pobres em mão de obra, enquanto grande parte do mundo em desenvolvimento — especialmente a África — apresenta o perfil inverso. Em princípio, isso prepara o cenário para uma nova divisão do trabalho: sociedades envelhecidas fornecem poupança e tecnologia, e as mais jovens fornecem trabalhadores, criando uma simbiose que poderia sustentar o crescimento global mesmo com a desaceleração das nações. O fluxo de remessas, as parcerias de qualificação e os investimentos transfronteiriços são os primeiros sinais dessa nova relação, e as plataformas digitais estão facilitando a coordenação. No entanto, nada disso é automático. As políticas de comércio e migração estão se voltando para dentro, e absorver grandes fluxos migratórios sem perturbar as sociedades continua sendo um desafio assustador. Sem uma gestão cuidadosa — canais de migração baseados em regras, fronteiras seguras, proteção aos trabalhadores e novos modelos de colaboração remota — o que poderia ser um pacto de crescimento pode, na verdade, ruir em reação negativa. A oportunidade é real, mas os obstáculos também.
Prever é um negócio arriscado. A demografia pode ser medida, mas a tecnologia e a política frequentemente surpreendem, e as certezas de hoje podem parecer ingênuas daqui a uma geração ou mesmo alguns anos. O que se pode afirmar com segurança é que, durante dois séculos e meio, a política global foi impulsionada pela rápida ascensão de grandes potências, e as forças que tornaram tais ascensões possíveis estão agora em declínio. Isso não garante estabilidade, mas marca uma mudança profunda: a conhecida luta entre poderes vivos e moribundos está chegando ao fim, e outra história, com contornos ainda obscuros, começa a se desenrolar.
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