Com o fechamento de Washington e o desaparecimento das redes de segurança, Donald Trump está enviando bilhões para resgatar o governo de extrema direita da Argentina. Os aposentados argentinos, levados à pobreza pelos cortes de Javier Milei, estão nas ruas exigindo sobrevivência.
O presidente argentino Javier Milei teve muito o que comemorar durante sua recente visita a Washington, D.C.
Enquanto os americanos lidam com uma paralisação do governo em andamento, demissões em massa de funcionários federais e cortes iminentes na rede de segurança social que podem mergulhar milhões na pobreza, o governo Trump prometeu US$ 20 bilhões para socorrer a economia argentina em dificuldades.
O momento não poderia ser melhor para Milei, que enfrenta uma eleição no final deste mês, na qual a crise econômica ameaça minar as chances de seu partido.
A infusão maciça de dólares pode acalmar alguns investidores, mas para a classe trabalhadora argentina o acordo parece mais uma manobra política cínica em um longo legado de resgates estrangeiros prejudiciais. O alerta do presidente Donald Trump de que o investimento pode não ser concretizado se "um socialista ou um comunista vencer" nas próximas eleições argentinas praticamente confirma as motivações políticas por trás do resgate.
Austeridade em todo o hemisfério
Os Estados Unidos querem que as notícias do resgate "acalmem a crise econômica e ajudem politicamente para que haja um resultado relativamente favorável ao governo que permita a Milei buscar reformas estruturais", explica Julio Gambina, da Mesa Redonda Coordenadora Nacional de Organizações de Aposentados e Pensionistas da República Argentina.
No jargão das finanças internacionais, "reformas estruturais" ou "ajustes estruturais" geralmente se referem à privatização e a cortes significativos nos gastos sociais e programas públicos.
O mandato de Milei tem sido desastroso para os pensionistas argentinos. Seus ajustes estruturais deixaram os aposentados do país com uma pensão média mensal de cerca de 385.000 pesos — aproximadamente US$ 280. Isso está abaixo da linha da pobreza e, segundo estudos, representa apenas um terço do valor necessário para cobrir as necessidades básicas. Quase 20% dos idosos argentinos precisam trabalhar para subsistir.
Os cortes também afetaram o seguro de saúde público para idosos do país, o PAMI, que não cobre mais 100% do custo de muitos medicamentos necessários, apesar dos trabalhadores contribuírem para o programa durante toda a carreira.
O Instituto de Estudos Políticos, minha organização, reconheceu recentemente o grupo de aposentados argentinos com seu Prêmio Letelier-Moffitt de Direitos Humanos anual por sua resistência à austeridade. Quem recebeu o prêmio em nome da organização foi Marcos Wolman, um líder de longa data do movimento que completa 90 anos em novembro.
Eles não começaram essa luta com Milei — suas origens remontam às lutas pela austeridade no início da década de 1990. De fato, enquanto três de seus representantes receberam o prêmio em Washington, D.C., o restante da organização estava em frente ao Congresso argentino, participando de seus protestos semanais às quartas-feiras — que agora somam mais de 1.750.
Os protestos foram recebidos com níveis surpreendentes de repressão, considerando a idade da maioria dos participantes. Um protocolo do governo de 2023 deu às forças de segurança federais, normalmente encarregadas de patrulhar as fronteiras, sinal verde para usar gás lacrimogêneo e balas de borracha para dispersar os manifestantes. Os aposentados que conversaram comigo contaram que alguns de seus camaradas na faixa dos oitenta anos foram rechaçados com cassetetes.
Mas, sob Milei, esses protestos se tornaram muito mais do que aposentados, porque os danos de seus cortes não param por aí. Por exemplo, no início deste ano, a Milei eliminou pensões para 110.000 argentinos com deficiência que não conseguiam ingressar no sistema por meio do trabalho. Outra lei retirou o acesso subsidiado a transporte público, terapia e educação para pessoas com deficiência.
A cavalaria chega
Esses cortes nos gastos sociais fizeram com que alguns indicadores econômicos convencionais melhorassem. Em 2024, um déficit fiscal de 5% em relação ao ano anterior se transformou em um superávit de 0,3%. A inflação também caiu para menos de 40%. É claro que a austeridade responsável por essas melhorias ocorreu às custas dos gastos com educação, moradia e aposentadorias.
E após os maus resultados do partido de Milei nas eleições de Buenos Aires, os investidores começaram a ficar preocupados com a possibilidade de Milei não conseguir executar seus planos de austeridade. Então, a cavalaria entrou em cena.
O secretário do Tesouro, Scott Bessent, anunciou no X no início de outubro que os Estados Unidos forneceriam uma linha de swap cambial de US$ 20 bilhões com o banco central argentino, essencialmente negociando dólares americanos estáveis com pesos voláteis. Bessent posteriormente sugeriu que o governo estava considerando dobrar esse valor para US$ 40 bilhões, recorrendo a fontes privadas. Esse esforço combinado do governo e do setor privado levantou preocupações de que os investidores estejam se aproveitando da crise argentina para saquear os recursos naturais.
“Não se trata apenas de um compromisso do governo americano, mas do setor privado da economia americana, interessado na energia, terras, água potável e minerais da Argentina — todos associados à inovação em inteligência artificial”, explicou Gambina.
Mas os Estados Unidos não são a única potência ocidental a intervir para manter a agenda libertária de Milei à tona. Em abril, o Fundo Monetário Internacional (FMI) aprovou um empréstimo de US$ 20 bilhões, além dos US$ 43 bilhões que a Argentina ainda deve.
A Argentina tem uma longa história com o FMI, ao qual aderiu formalmente em setembro de 1956. O acordo de abril foi o vigésimo terceiro pacote de assistência à Argentina, consolidando sua posição como a maior mutuária da instituição. Os mais de US$ 60 bilhões devidos pela Argentina são quase quatro vezes maiores do que o segundo maior mutuário do FMI, a Ucrânia, um país em meio a uma guerra prolongada.
Esses fundos pouco fizeram para ajudar o povo argentino. “Esse dinheiro entrará no Banco Central da Argentina, mas servirá apenas para a fuga de capitais”, disse Gambina. O dinheiro dos EUA, por exemplo, provavelmente enriquecerá consideravelmente o aliado de Bessent e bilionário gestor de fundos de hedge Rob Citrone, um grande investidor em títulos e ações argentinos.
As potências ocidentais não hesitam em revelar as motivações políticas por trás desses resgates. Em 2020, Mauricio Claver-Carone, assessor de Trump para a América Latina e diretor executivo dos EUA no FMI, afirmou que "tudo o que Trump fez no FMI foi para auxiliar [o presidente conservador argentino Mauricio] Macri e impedir que o peronismo retornasse à Casa Rosada".
"Esta dívida não pode ser paga"
Além dos benefícios políticos, a assistência à Argentina se enquadra em um projeto mais amplo de cortes nos serviços sociais defendido por Trump, Milei e organizações internacionais como o FMI e o Banco Mundial.
O dinheiro do FMI vem com condições — condicionalidades — que, funcionalmente, exigem austeridade. Essas condicionalidades ditam o programa de ajustes estruturais da Argentina desde que o fundo concedeu US$ 45 bilhões em 2018. Entre a eleição de Milei em 2023 e o final de 2025, de acordo com uma análise do Projeto Bretton Woods, os gastos sociais caíram 17%, enquanto os programas ambientais foram enxugados.
Ao mesmo tempo, os pagamentos aos credores reduziram a dívida pública em 21% e os orçamentos de segurança do Estado aumentaram. “Isso revela uma hierarquia de prioridades: credores em primeiro lugar, pessoas e ecossistemas em último lugar”, conclui a análise.
“A dívida com o FMI é um condicionante permanente da vida econômica, social e política do nosso país”, disse Wolman, o aposentado de quase noventa anos. “Essa dívida não pode ser paga, é uma dívida impagável, independentemente dos ajustes que eles fizerem”, disse Wolman.
O grupo de aposentados afirma que já passou da hora de a Argentina reconsiderar sua dívida externa. Não apenas o país deveria rejeitar novos empréstimos, como os aposentados apoiam a suspensão do pagamento da dívida externa e a realização de uma investigação sobre a origem da dívida para determinar sua legitimidade.
Eles deveriam se juntar à oposição de grupos dos Estados Unidos, cujo próprio Tesouro está sendo usado — em tempos de austeridade, demissões e crescente autoritarismo — para apoiar um líder de extrema direita em dificuldades no exterior.
Colaborador
Chris Mills Rodrigo é o editor-chefe do Inequality.org no Instituto de Estudos Políticos.
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