Samir Amin
A vitória eleitoral da Irmandade Muçulmana e dos Salafistas no Egito (Janeiro de 2012) não constitui qualquer surpresa. O declínio provocado pela atual globalização capitalista produziu o extraordinário desenvolvimento de supostas atividades «informais», as quais sustentam mais de metade da população egípcia (as estatísticas apontam para 60%). Este declínio coloca a Irmandade Muçulmana numa excelente posição, permitindo-lhe não só obter daí vantagens como perpetuar a sua reprodução. O seu simplismo ideológico confere legitimidade a uma miserável economia de bazar, completamente hostil às exigências de qualquer desenvolvimento digno desse nome. Os meios financeiros que lhes são concedidos pelos Estados do Golfo permitem-lhes traduzir tal ideologia numa ação eficaz: ajuda financeira à economia informal e serviços caritativos (clínicas, etc).
Desta forma, a Irmandade Muçulmana coloca-se no centro da sociedade, fazendo-a de si depender. Os países do Golfo nunca tencionaram apoiar o desenvolvimento dos países árabes, por exemplo, através do investimento industrial. Eles apoiam uma espécie de «lumpen-desenvolvimento» – recorrendo ao termo originalmente cunhado por André Gunder Frank – que aprisiona as respetivas sociedades numa espiral de pauperização e exclusão. Algo que, por sua vez, reforça o estrangulamento da sociedade por parte do Islão reacionário.
Tal não aconteceria tão facilmente não fosse a perfeita consonância com os objetivos delineados pelos Estados do Golfo, Washington e Israel. Os três aliados partilham da mesma meta: impedir a recuperação do Egito. Um Egito forte e assertivo significaria o fim da tripla hegemonia do Golfo (submissão a um discurso de islamização social), dos Estados Unidos (um Egito vassalo e pobre permanece sob a sua influência direta) e de Israel (um Egito sem poder não intervém na questão palestiniana).
A corrida dos regimes ao neoliberalismo e à submissão a Washington foi imediata e total, tanto no Egito de Sadat, como (de forma mais gradual e moderada) na Argélia e na Síria. Parte do sistema de poder, a Irmandade Muçulmana não deve ser encarada apenas como mais um «partido islâmico», mas como um partido ultrarreacionário que, mais do que tudo, é islâmico. Não se trata apenas dos denominados «assuntos sociais» (o véu, a sharia, a discriminação anticóptica), mas igualmente, num mesmo grau, das áreas fundamentais da vida económica e social: a Irmandade é contra as greves, as reivindicações dos trabalhadores, os sindicatos independentes, o movimento de resistência às expropriações de terras, etc.
O planeado fracasso da «revolução egípcia» garantiria, então, a perpetuação do sistema, vigente desde Sadat e fundado sob a aliança entre altos comandos militares e o Islão político. Seguramente, a vitória eleitoral permitirá à Irmandade exigir um poder superior ao que lhe foi concedido pelos militares. No entanto, uma revisão da distribuição dos benefícios a favor da Irmandade poderá ser difícil.
A primeira volta das eleições presidenciais de 24 de Maio foi organizada de forma a alcançar a meta perseguida pelo sistema no poder e por Washington: o reforço da aliança entre os dois pilares (altos comandos militares e a Irmandade Muçulmana) e a resolução do seu desacordo; no fundo, a qual dos dois pertenceriam as rédeas. Os dois candidatos «aceitáveis» – Morsi, da Irmandade (24%) e Chafiq, candidato dos militares (23%) – foram os únicos a receber os meios adequados à organização de campanhas partidárias. O candidato do movimento, H. Sabbahi, não auferiu dos meios geralmente concedidos aos candidatos, conseguindo alegadamente apenas 21% dos votos (o valor é questionável).
No fim das prolongadas negociações, concluiu-se que Morsi era o «vencedor» da segunda volta. A Assembleia, à semelhança do presidente, foi eleita graças à massiva distribuição de víveres (carne, petróleo e açúcar) por aqueles que votaram nos Islâmicos. E, contudo, os «observadores internacionais» foram incapazes de apontar tal situação, abertamente ridicularizada. A dissolução da Assembleia foi retardada pelos militares, os quais permitiram que a Irmandade auferisse do tempo necessário para se desacreditar, devido à sua recusa em lidar com assuntos de cariz social (emprego, salários, educação e saúde!).
O sistema vigente, «presidido» por Morsi, é a melhor garantia de um lumpen-desenvolvimento e da destruição das instituições do Estado. Tais objetivos, perseguidos por Washington, certamente decorrerão. Veremos como o movimento revolucionário, fortemente comprometido com a luta pela democracia, o progresso social e independência nacional, evoluirá após a farsa eleitoral.
Tal não aconteceria tão facilmente não fosse a perfeita consonância com os objetivos delineados pelos Estados do Golfo, Washington e Israel. Os três aliados partilham da mesma meta: impedir a recuperação do Egito. Um Egito forte e assertivo significaria o fim da tripla hegemonia do Golfo (submissão a um discurso de islamização social), dos Estados Unidos (um Egito vassalo e pobre permanece sob a sua influência direta) e de Israel (um Egito sem poder não intervém na questão palestiniana).
A corrida dos regimes ao neoliberalismo e à submissão a Washington foi imediata e total, tanto no Egito de Sadat, como (de forma mais gradual e moderada) na Argélia e na Síria. Parte do sistema de poder, a Irmandade Muçulmana não deve ser encarada apenas como mais um «partido islâmico», mas como um partido ultrarreacionário que, mais do que tudo, é islâmico. Não se trata apenas dos denominados «assuntos sociais» (o véu, a sharia, a discriminação anticóptica), mas igualmente, num mesmo grau, das áreas fundamentais da vida económica e social: a Irmandade é contra as greves, as reivindicações dos trabalhadores, os sindicatos independentes, o movimento de resistência às expropriações de terras, etc.
O planeado fracasso da «revolução egípcia» garantiria, então, a perpetuação do sistema, vigente desde Sadat e fundado sob a aliança entre altos comandos militares e o Islão político. Seguramente, a vitória eleitoral permitirá à Irmandade exigir um poder superior ao que lhe foi concedido pelos militares. No entanto, uma revisão da distribuição dos benefícios a favor da Irmandade poderá ser difícil.
A primeira volta das eleições presidenciais de 24 de Maio foi organizada de forma a alcançar a meta perseguida pelo sistema no poder e por Washington: o reforço da aliança entre os dois pilares (altos comandos militares e a Irmandade Muçulmana) e a resolução do seu desacordo; no fundo, a qual dos dois pertenceriam as rédeas. Os dois candidatos «aceitáveis» – Morsi, da Irmandade (24%) e Chafiq, candidato dos militares (23%) – foram os únicos a receber os meios adequados à organização de campanhas partidárias. O candidato do movimento, H. Sabbahi, não auferiu dos meios geralmente concedidos aos candidatos, conseguindo alegadamente apenas 21% dos votos (o valor é questionável).
No fim das prolongadas negociações, concluiu-se que Morsi era o «vencedor» da segunda volta. A Assembleia, à semelhança do presidente, foi eleita graças à massiva distribuição de víveres (carne, petróleo e açúcar) por aqueles que votaram nos Islâmicos. E, contudo, os «observadores internacionais» foram incapazes de apontar tal situação, abertamente ridicularizada. A dissolução da Assembleia foi retardada pelos militares, os quais permitiram que a Irmandade auferisse do tempo necessário para se desacreditar, devido à sua recusa em lidar com assuntos de cariz social (emprego, salários, educação e saúde!).
O sistema vigente, «presidido» por Morsi, é a melhor garantia de um lumpen-desenvolvimento e da destruição das instituições do Estado. Tais objetivos, perseguidos por Washington, certamente decorrerão. Veremos como o movimento revolucionário, fortemente comprometido com a luta pela democracia, o progresso social e independência nacional, evoluirá após a farsa eleitoral.
Nenhum comentário:
Postar um comentário