O governador de São Paulo, João Doria, entrega a medalha Ordem do Ipiranga, no grau Grã-Cruz, ao então ministro da Justiça e da Segurança Pública, Sergio Moro - Eduardo Knapp-28.jun.19/Folhapress |
"Não sou político, sou gestor", repetia o empresário João Doria (PSDB), quando apareceu na cena política em 2016.
Banindo a gravata e vestindo o figurino do empresário que traria da experiência na iniciativa privada as soluções para a política, ele foi um dos pioneiros da onda de outsiders que inundou a política nos últimos anos.
Seis anos depois, porém, a fórmula parece ter se exaurido. Muitos que surgiram com essa roupagem patinam nas pesquisas e vivem percalços no período pré-eleitoral resultantes do isolamento político –caso do próprio Doria.
Enquanto isso, figuras da política tradicional, varridas pelo desejo de renovação e de castigar uma classe atolada por escândalos de corrupção, já fazem planos para voltar.
Com a mudança da maré, o apresentador Luciano Huck nem se arriscou a entrar na disputa presidencial e preferiu a calmaria dos domingos na TV Globo. O ex-juiz Sergio Moro, cuja candidatura era tida como forte, não decolou e por ora foi tirado do páreo da corrida pelo Planalto pelos políticos profissionais.
A situação era diferente nos últimos anos. Após os protestos de junho de 2013, cresceu um sentimento de insatisfação contra a política tradicional que se mostrou nas urnas a partir de 2016.
Dois anos depois, mesmo políticos com décadas de experiência, como o presidente Jair Bolsonaro (PL), estavam vestindo o figurino de outsider para colher dividendos políticos.
"[Em 2016] foi um momento em que surgiram algumas figuras contra o establishment político que passaram uma ideia de que as pessoas que viriam de fora da política teriam mais virtudes e capacidades do que aquelas que estavam viciadas com algumas práticas do sistema político brasileiro", diz o cientista político Bruno Silva, pesquisador do Laboratório de Política e Governo da Unesp Araraquara.
Para Silva, parte dos eleitores já começou a demonstrar arrependimento logo nas eleições municipais de 2020. Na opinião dele, isso se deveu justamente à performance das pessoas que foram eleitas como outsiders nos últimos anos.
"Muitos daqueles que iriam fazer algo diferente, que diziam representar a nova política, na verdade não tinham absolutamente nada de novo. E mostraram inexperiência, incapacidade diante da gestão pública e trapalhadas", diz o cientista político.
Uma das principais forças antissistema, turbinada com o discurso anticorrupção e protestos pelo impeachment de Dilma Rousseff (PT), o MBL (Movimento Brasil Livre) se enfraqueceu ao se descolar do bolsonarismo. Agora, se vê em crise devido a declarações dadas por seus membros.
O deputado estadual paulista Arthur do Val (União Brasil) foi obrigado a desistir do posto de pré-candidato ao governo pelo Podemos após vazarem declarações sexistas sobre mulheres ucranianas, como a aquelas em que disse que elas "são fáceis porque são pobres".
De postura confrontadora em relação aos colegas da Assembleia Legislativa de São Paulo, ele pode ser vítima do isolamento político que construiu e receber pena mais grave, a cassação, já aprovada pelo Conselho de Ética da Casa.
Outro célebre integrante do MBL, o deputado federal Kim Kataguiri (União Brasil) teve a imagem abalada por discussão sobre nazismo.
Ele participou do podcast Flow ao lado do podcaster Monark (Bruno Aiub) e da deputada Tabata Amaral (PSB-SP).
Monark defendeu o direito de existência de um partido nazista. Tabata Amaral rebateu o podcaster. Kim foi questionado por Tabata se achava errado a Alemanha ter criminalizado o nazismo. O deputado respondeu que sim.
"Por mais absurdo, idiota, antidemocrático, bizarro, tosco que [seja o assunto que] o sujeito defenda, isso não deve ser crime. Por quê? Porque a melhor maneira de você reprimir uma ideia antidemocrática, tosca, bizarra, discriminatória, é você dando luz àquela ideia para que aquela ideia seja rechaçada socialmente, e então socialmente rejeitada", afirmou o deputado no debate.
Com dificuldade de se encaixar, integrantes do grupo já vinham pulando de partido em partido nos últimos anos –a última mudança foi do Podemos para a União Brasil.
Os problemas do MBL respingaram em outro outsider, o ex-juiz e agora ex-aliado do grupo Sergio Moro, que, após diversas ações vistas como mostra de inabilidade política, parece ter sido escanteado da corrida presidencial.
Figura mais conhecida da operação Lava Jato, Moro encampa o discurso anticorrupção que mobilizou a política nos últimos anos, mas que hoje ficou em segundo plano.
A corrupção, que, no auge da operação, entre 2015 e 2017, chegou a ser apontada como o principal problema do país, com menções na casa dos 35%, hoje é citada por apenas 5% dos ouvidos pelo Datafolha. Saúde (22%) e economia (15%) são as maiores preocupações atualmente.
O ex-juiz teve sua imagem desgastada ao aderir e se descolar do bolsonarismo, e também devido a sua postura em relação ao ex-presidente Lula (PT) ter sido declarada parcial pela Justiça.
Nesse cenário, ele não ultrapassa a casa de um dígito na corrida presidencial, com a polarização dos eleitores entre Bolsonaro e Lula.
Em busca de uma estrutura partidária para tentar furar esse teto, Moro mudou do Podemos para a União Brasil, onde caciques do partido pretendem enterrar de vez seu sonho de concorrer a presidente.
Se o ex-juiz se contentar com a disputa para a Câmara dos Deputados, ainda deverá atuar como puxador de votos em um partido cheio de figuras que foram alvos da Lava Jato.
Também cheio de inimigos no mundo político, o ex-governador Doria patina na corrida presidencial. Mesmo tendo vencido as prévias, o PSDB está rachado entre seu nome e o do ex-governador do Rio Grande do Sul Eduardo Leite, com ambos em pré-campanha.
A situação de Doria é vista por especialistas e pelo mundo político como o resultado de anos de atitudes desastradas que o isolaram, além de uma imagem desgastada pelo o excesso de exposição —situação que não foi revertida nem mesmo pela marca de ter trazido a primeira vacina contra o coronavírus ao país.
Doria falhou na primeira queda de braço interna do PSDB quando, em agosto de 2019, propôs a expulsão de Aécio Neves (PSDB-MG), implicado no áudio da JBS, e perdeu na votação da executiva do partido por 30 a 4. Aécio foi absolvido neste mês.
Desde então, Doria tem Aécio como inimigo na sigla —o mineiro opera contra os interesses do paulista e lhe impôs outras derrotas, como na definição das regras das prévias presidenciais tucanas.
Sem a mesma base de apoio e com suspeitas de corrupção em seus estados, outros outsiders eleitos para governos estaduais sofreram dificuldades ainda maiores que Doria. O ex-governador do Rio Wilson Witzel (PSC) ficou pelo caminho, após processo de impeachment e cassação do mandato.
O governador de Santa Catarina, Carlos Moisés, sofreu dois processos de impeachment e escapou. Wilson Lima, do Amazonas, também teve pedido arquivado. Moisés e Lima agora tentam se reeleger em disputas que devem ser apertadas, mostram pesquisas.
Com a máquina na mão, porém, outros governadores com perfil parecido estão em situação mais confortável. É o caso de Romeu Zema (Novo), em Minas, e Ibaneis Rocha (MDB), no Distrito Federal.
Em São Paulo, o atual governador, Rodrigo Garcia (PSDB), faz o caminho inverso de Doria, de quem pretende se descolar. Na campanha, nenhum sinal da figura de outsider. Ele investe na imagem de político experiente e com perfil técnico para continuar chefiando o Palácio dos Bandeirantes.
Eleitos na cola do bolsonarismo para o Congresso, muitos políticos antissistema perderam parte da sua base de apoio ao se descolar do presidente e ainda tateiam em busca de um novo público.
Um caso simbólico é o da deputada federal Joice Hasselman (PSDB), que deve tentar a reeleição. Eleita com 1 milhão de votos em 2018, dois anos depois, já afastada do bolsonarismo, ela conseguiu apenas 10% disso na disputa à Prefeitura de São Paulo.
O deputado federal Alexandre Frota (PSDB) é outro que tenta se reinventar. Dizendo-se desiludido com Brasília, desistiu de tentar a reeleição e disputará uma vaga na Assembleia de SP.
Na Câmara, a taxa de renovação em 2018 foi de 47%. Políticos mais experientes acreditam que muitos que chegaram nessa onda terão passagens relâmpago pela Casa.
Sentindo que as nuvens de 2018 se dissiparam, nomes simbólicos da velha política tentam voltar ao jogo. Entre eles, estão emedebistas como Romero Jucá, que tenta voltar ao Senado por Roraima, e Eunício Oliveira, em busca de uma vaga na Câmara.
Mas nem todos os outsiders estão em baixa. O eterno quase candidato José Luiz Datena (PSC) é tido como favorito na disputa ao Senado por São Paulo. Após diversas mudanças de partido e desistências, dessa vez ele parece estar decidido mesmo a se candidatar. Ao menos por enquanto.
Para Silva, parte dos eleitores já começou a demonstrar arrependimento logo nas eleições municipais de 2020. Na opinião dele, isso se deveu justamente à performance das pessoas que foram eleitas como outsiders nos últimos anos.
"Muitos daqueles que iriam fazer algo diferente, que diziam representar a nova política, na verdade não tinham absolutamente nada de novo. E mostraram inexperiência, incapacidade diante da gestão pública e trapalhadas", diz o cientista político.
Uma das principais forças antissistema, turbinada com o discurso anticorrupção e protestos pelo impeachment de Dilma Rousseff (PT), o MBL (Movimento Brasil Livre) se enfraqueceu ao se descolar do bolsonarismo. Agora, se vê em crise devido a declarações dadas por seus membros.
O deputado estadual paulista Arthur do Val (União Brasil) foi obrigado a desistir do posto de pré-candidato ao governo pelo Podemos após vazarem declarações sexistas sobre mulheres ucranianas, como a aquelas em que disse que elas "são fáceis porque são pobres".
De postura confrontadora em relação aos colegas da Assembleia Legislativa de São Paulo, ele pode ser vítima do isolamento político que construiu e receber pena mais grave, a cassação, já aprovada pelo Conselho de Ética da Casa.
Outro célebre integrante do MBL, o deputado federal Kim Kataguiri (União Brasil) teve a imagem abalada por discussão sobre nazismo.
Ele participou do podcast Flow ao lado do podcaster Monark (Bruno Aiub) e da deputada Tabata Amaral (PSB-SP).
Monark defendeu o direito de existência de um partido nazista. Tabata Amaral rebateu o podcaster. Kim foi questionado por Tabata se achava errado a Alemanha ter criminalizado o nazismo. O deputado respondeu que sim.
"Por mais absurdo, idiota, antidemocrático, bizarro, tosco que [seja o assunto que] o sujeito defenda, isso não deve ser crime. Por quê? Porque a melhor maneira de você reprimir uma ideia antidemocrática, tosca, bizarra, discriminatória, é você dando luz àquela ideia para que aquela ideia seja rechaçada socialmente, e então socialmente rejeitada", afirmou o deputado no debate.
Com dificuldade de se encaixar, integrantes do grupo já vinham pulando de partido em partido nos últimos anos –a última mudança foi do Podemos para a União Brasil.
Os problemas do MBL respingaram em outro outsider, o ex-juiz e agora ex-aliado do grupo Sergio Moro, que, após diversas ações vistas como mostra de inabilidade política, parece ter sido escanteado da corrida presidencial.
Figura mais conhecida da operação Lava Jato, Moro encampa o discurso anticorrupção que mobilizou a política nos últimos anos, mas que hoje ficou em segundo plano.
A corrupção, que, no auge da operação, entre 2015 e 2017, chegou a ser apontada como o principal problema do país, com menções na casa dos 35%, hoje é citada por apenas 5% dos ouvidos pelo Datafolha. Saúde (22%) e economia (15%) são as maiores preocupações atualmente.
O ex-juiz teve sua imagem desgastada ao aderir e se descolar do bolsonarismo, e também devido a sua postura em relação ao ex-presidente Lula (PT) ter sido declarada parcial pela Justiça.
Nesse cenário, ele não ultrapassa a casa de um dígito na corrida presidencial, com a polarização dos eleitores entre Bolsonaro e Lula.
Em busca de uma estrutura partidária para tentar furar esse teto, Moro mudou do Podemos para a União Brasil, onde caciques do partido pretendem enterrar de vez seu sonho de concorrer a presidente.
Se o ex-juiz se contentar com a disputa para a Câmara dos Deputados, ainda deverá atuar como puxador de votos em um partido cheio de figuras que foram alvos da Lava Jato.
Também cheio de inimigos no mundo político, o ex-governador Doria patina na corrida presidencial. Mesmo tendo vencido as prévias, o PSDB está rachado entre seu nome e o do ex-governador do Rio Grande do Sul Eduardo Leite, com ambos em pré-campanha.
A situação de Doria é vista por especialistas e pelo mundo político como o resultado de anos de atitudes desastradas que o isolaram, além de uma imagem desgastada pelo o excesso de exposição —situação que não foi revertida nem mesmo pela marca de ter trazido a primeira vacina contra o coronavírus ao país.
Doria falhou na primeira queda de braço interna do PSDB quando, em agosto de 2019, propôs a expulsão de Aécio Neves (PSDB-MG), implicado no áudio da JBS, e perdeu na votação da executiva do partido por 30 a 4. Aécio foi absolvido neste mês.
Desde então, Doria tem Aécio como inimigo na sigla —o mineiro opera contra os interesses do paulista e lhe impôs outras derrotas, como na definição das regras das prévias presidenciais tucanas.
Sem a mesma base de apoio e com suspeitas de corrupção em seus estados, outros outsiders eleitos para governos estaduais sofreram dificuldades ainda maiores que Doria. O ex-governador do Rio Wilson Witzel (PSC) ficou pelo caminho, após processo de impeachment e cassação do mandato.
O governador de Santa Catarina, Carlos Moisés, sofreu dois processos de impeachment e escapou. Wilson Lima, do Amazonas, também teve pedido arquivado. Moisés e Lima agora tentam se reeleger em disputas que devem ser apertadas, mostram pesquisas.
Com a máquina na mão, porém, outros governadores com perfil parecido estão em situação mais confortável. É o caso de Romeu Zema (Novo), em Minas, e Ibaneis Rocha (MDB), no Distrito Federal.
Em São Paulo, o atual governador, Rodrigo Garcia (PSDB), faz o caminho inverso de Doria, de quem pretende se descolar. Na campanha, nenhum sinal da figura de outsider. Ele investe na imagem de político experiente e com perfil técnico para continuar chefiando o Palácio dos Bandeirantes.
Eleitos na cola do bolsonarismo para o Congresso, muitos políticos antissistema perderam parte da sua base de apoio ao se descolar do presidente e ainda tateiam em busca de um novo público.
Um caso simbólico é o da deputada federal Joice Hasselman (PSDB), que deve tentar a reeleição. Eleita com 1 milhão de votos em 2018, dois anos depois, já afastada do bolsonarismo, ela conseguiu apenas 10% disso na disputa à Prefeitura de São Paulo.
O deputado federal Alexandre Frota (PSDB) é outro que tenta se reinventar. Dizendo-se desiludido com Brasília, desistiu de tentar a reeleição e disputará uma vaga na Assembleia de SP.
Na Câmara, a taxa de renovação em 2018 foi de 47%. Políticos mais experientes acreditam que muitos que chegaram nessa onda terão passagens relâmpago pela Casa.
Sentindo que as nuvens de 2018 se dissiparam, nomes simbólicos da velha política tentam voltar ao jogo. Entre eles, estão emedebistas como Romero Jucá, que tenta voltar ao Senado por Roraima, e Eunício Oliveira, em busca de uma vaga na Câmara.
Mas nem todos os outsiders estão em baixa. O eterno quase candidato José Luiz Datena (PSC) é tido como favorito na disputa ao Senado por São Paulo. Após diversas mudanças de partido e desistências, dessa vez ele parece estar decidido mesmo a se candidatar. Ao menos por enquanto.
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