BNDES teve lucro ao financiar obras de engenharia no exterior
Daniel Rittner
Predomina o lugar-comum e a análise preguiçosa. É preciso conhecer, antes de criticar com orgulhosa ignorância, números da política de crédito e fomento à exportação de serviços de engenharia. Até hoje, o BNDES fez desembolsos de US$ 10,5 bilhões. Recebeu de volta US$ 12,7 bilhões. Mesmo com a inadimplência em uma série de operações, houve lucro. De US$ 2,2 bilhões. Convertendo para a moeda nacional, pouco mais de R$ 11 bilhões. Primeira lição: o banco não perdeu, mas ganhou dinheiro, com o financiamento para países da América Latina e da África. Não são dados da Fundação Perseu Abramo ou do Dieese. Estão no site do BNDES.
O lucro do BNDES (e do país) ao financiar obras de engenharia
Os recursos eram liberados, em reais e não em dólares, aqui e não lá fora, para as empresas responsáveis pelas obras. Havia a exigência de que bens nacionais também fossem exportados. Geralmente, 60% a 70% do valor dos contratos. Isso movimentava a indústria. Nos canteiros de uma hidrelétrica ou uma rodovia, encontrava-se todo tipo de produto “made in Brazil”. Caminhões e cimento. Botas e uniformes trocados a cada três meses. Carne e frango no refeitório dos trabalhadores.
Em um estudo na década passada, a LCA Consultores apresentou cálculos sobre o impacto à cadeia produtiva. Mais de 2 mil empresas brasileiras - 76% pequenas e médias - faziam parte da rede de fornecedores. De cooperativas nos morros cariocas, que integravam essa rede com confecções, a uma companhia europeia como a Faveiley Transport, que elevou sua produção de portas para plataformas no Brasil, com o objetivo de ser incluída na lista de fornecedores para obras de metrôs, atendendo à exigência de conteúdo do BNDES. Fica então a segunda lição: quando se decidiu matar tal política, a vítima não foi (só) a Andrade Gutierrez ou a Odebrecht. Parte da economia deixou de girar.
O Brasil chegou a ter 2,3% do mercado global nos serviços de engenharia. Caiu para menos de 1%. Outros avançam. O US EximBank, a alemã KfW, a KDB coreana e a Cesce espanhola aproveitaram. Construtoras chinesas ampliaram influência na América Latina e na África. Com insumos e materiais de fora. Ativando suas indústrias.
"Mas o BNDES tem que financiar metrô e porto no Brasil", conclama-se. Pois: de 1998 até agora, o crédito do banco para a infraestrutura nacional foi 26 vezes maior (US$ 274 bilhões) do que o financiamento aos bens e serviços usados em obras de construtoras brasileiras no exterior (US$ 10,5 bilhões).
Bolsonaro e sua equipe econômica merecem elogios por iniciativas como o marco legal do saneamento básico, que prevê universalização do tratamento de esgoto até 2033, e a privatização do metrô de Belo Horizonte, que promete desengavetar a tão esperada linha 2. No entanto, a carteira do BNDES comprova: a culpa pelo atraso nunca foi do crédito à exportação de serviços de engenharia. Faltou estruturar bons projetos. Concessões que parassem em pé e atraíssem investidores. Havia recursos disponíveis. O discurso de que nossa carência interna de infraestrutura é toda culpa de supostas regalias a países “amigos” do PT equivale a satanizar os museus federais pela falta de leitos de UTI no interior ou pela quantidade de crianças passando fome. Afinal, eis a terceira lição: uma coisa não tem que ver com a outra.
Nada de passar pano para os erros cometidos. Em auditorias, o TCU demonstrou que o BNDES aprovava valores acima dos “necessários” para as obras no exterior. Delatores da Lava-Jato contaram como funcionários do governo pediam propina para influenciar na aprovação dos financiamentos - embora as delações não tenham redundado em uma única condenação, ou mesmo denúncia recebida pela Justiça, de pessoas envolvidas na política de crédito à exportação.
Deve-se olhar com atenção a análise de risco dos governos à época para financiamentos que foram concedidos a Venezuela, Cuba e Moçambique. Os três deram calotes na dívida. Evitar que se repitam é fundamental.
O BNDES não saiu perdendo, como nota Evaristo Pinheiro, do Barral Parente Pinheiro Advogados e um dos maiores especialistas no assunto do país. O Fundo de Garantia à Exportação (FGE) ressarciu tudo. Ele é 100% abastecido pelo Tesouro Nacional, que ficou com o prejuízo. Foram US$ 965 milhões até hoje. O FGE continua sendo superavitário. Arrecada mais ao cobrar por seus seguros do que gasta no acionamento das apólices. O discurso do prejuízo é falho.
Ganhar dinheiro exportando serviços de engenharia não é para quem quer. É para quem pode. O Brasil detém expertise. Ainda dá para resgatar essa vantagem competitiva. Sem faniquito, sem uso eleitoreiro de uma política exitosa, que merece ajustes de rota, mas exitosa ao fim e ao cabo.
Daniel Rittner é repórter especial em Brasília e escreve às quartas-feiras
E-mail: daniel.rittner@valor.com.br
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