Sem acordo, 29 medidas provisórias do governo Lula estão paradas; presidente da Câmara diz que falta liderança de Pacheco
Thaísa Oliveira
Victoria Azevedo
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), decidiu instalar as comissões mistas para MPs (medidas provisórias) e desistir da tentativa de acordo com o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL).
Pacheco vinha sendo pressionado pelos líderes da Casa para resolver o impasse, à revelia da vontade de Lira, e retomar o rito que está previsto na Constituição —e que enfraquece o presidente da Câmara.
Sem perspectiva de acordo após semanas de tensão, o senador Renan Calheiros (MDB-AL) apresentou uma questão de ordem na sessão desta quarta (22) e cobrou uma posição definitiva do presidente do Senado.
Nesta quinta (23), Lira elevou o tom e questionou a liderança de Pacheco na condução do Senado.
"O Senado está com algumas dificuldades. [Não entendemos] quem manda ou quem dirige o Senado. Se são as questiúnculas de Alagoas, que não devem interferir na dinâmica do Brasil, [ou] se são posicionamentos políticos", disse Lira, inimigo político de Renan em seu estado.
Os presidentes do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (esq.), e da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, durante solenidade de diplomação do presidente Lula - Pedro Ladeira-12.dez.22/Folhapress |
A instalação das comissões mistas foi decidida por unanimidade na reunião de líderes do Senado desta quinta (23) e contou com o apoio dos líderes do governo no Senado e no Congresso —que também estão pressionados com 29 MPs travadas no parlamento há 50 dias.
"Eu externei desde sempre o meu ponto de vista [a Lira]. Não havendo mais pandemia, não há mais razão para que haja excepcionalidade. A Constituição determina que haja apreciação por comissões mistas", afirmou o presidente do Senado após o encontro.
Lira criticou a posição de Pacheco e disse que a decisão "não vai andar um milímetro" na Câmara. O deputado afirmou que recebeu solicitação expressa de lideranças de Lula para que fosse mantido o rito atual da análise dos textos, e que o "prejuízo vai ser para o governo atual".
"Se o Senado insistir numa decisão draconiana de fazer unilateralmente a instalação e unilateralmente as indicações, porque o presidente do Senado só pode indicar líderes e vice-líderes da Câmara. Como os líderes da Câmara estão contra, o que vai sair disso? Instala, não delibera, pode derrubar as medidas provisórias todas do governo."
Ainda sobre as dúvidas levantadas sobre a condução do Senado, Lira criticou a atuação dos senadores Renan Calheiros e Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), ainda que sem citá-los nominalmente, afirmando que eles colocam interesses regionais acima do nacional.
"Eu lamento, lamento e lamento muito claramente que a política regional, local de Alagoas interfira no Brasil. O Senado não pode ser refém de Alagoas nem do Amapá. O Senado é muito maior, é uma Casa federativa, representa todos os estados", afirmou.
O presidente da Câmara disse ainda que não é "na truculência e na força" que esse problema será resolvido. Apesar disso, afirmou que está com "toda boa vontade" de se sentar com Pacheco para encontrar uma solução, mas não com "senadores com mais radicalidade na condução desse tema".
O líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), disse que a decisão da Câmara de rejeitar as alternativas que estavam sendo discutidas "acabou praticamente botando um ponto final nesse processo de negociação".
Afirmou ainda que não faria exercícios de "futurologia", quando foi questionado sobre a possibilidade de os líderes da Câmara não indicarem deputados federais para participar das comissões mistas.
Líderes do Senado também ficaram de procurar seus correspondentes na Câmara para tratar do tema.
"Eu, sinceramente, acho muito pouco provável que o PT não vá indicar os membros de uma comissão mista para tratar de uma medida provisória que o maior interessado é o governo. Não acredito que haverá uma sabotagem coletiva, até porque a indicação não é do presidente da Câmara, é dos líderes", afirmou o líder do PDT, senador Cid Gomes (CE).
Depois da fala de Lira, Pacheco disse que cada um deve arcar com as "consequências de suas opções políticas". "Os líderes, se não indicarem [os membros], estão autoindicados às comissões. [Se não deliberarem], é uma opção política."
A decisão do presidente do Senado vale para todas as medidas provisórias editadas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Durante a negociação, os presidentes acertaram que as MPs de Jair Bolsonaro (PL) serão analisadas diretamente no plenário, seguindo o rito da pandemia.
As medidas provisórias são editadas pelo presidente da República e entram em vigor imediatamente, mas dependem do aval do Congresso para não perder validade. Assim, Câmara e Senado têm até 120 dias para aprovar ou reverter a iniciativa do governo.
Uma das MPs de Lula que espera aprovação é que a reestruturou e criou ministérios, como o dos Povos Indígenas e da Cultura. Outro texto aguardado pelo governo é o que estabelece o voto de qualidade no Carf (Conselho Administrativo de Recursos Financeiros).
Após semanas de crise, os dois presidentes das Casas se reuniram a sós na quarta-feira (22), mas não chegaram a acordo.
Segundo Lira afirmou nesta quinta, houve um gesto de Pacheco, que enviou 13 medidas provisórias editadas no governo Bolsonaro à Câmara. A ideia é que haja uma força-tarefa na próxima semana para aprovar todos os textos na Casa.
Lira disse que a ideia com isso era dar mais prazo para que Câmara e Senado pudessem chegar a um consenso sobre a tramitação das MPs.
Na visão dele, o caminho é construir uma PEC (proposta de emenda à Constituição) que "atenda à nova realidade", seja por meio do aumento proporcional dos membros das comissões mistas —ideia já rejeitada por Pacheco— ou por "mudança do rito".
Lira disse que "o maior interessado na vigência das MPs" é o Senado, porque "eles que indicaram ministros, eles que têm ministérios".
"Longe de qualquer um que queira colocar que nós estamos querendo gerar crise institucional. Eu recebi apoio do PT, fiz acordos e vou honrar. Vou ajudar o governo a governar, na medida do possível, mantendo sempre uma postura equilibrada. Mas eu não tenho ministérios indicados, a Câmara não tem ministérios indicados, portanto, nós estamos tranquilos."
O rito constitucional foi suspenso em março de 2020 em meio à redução de atividades no Congresso para evitar a propagação da Covid-19. Desde então, as MPs estavam sendo votadas diretamente no plenário das duas Casas, começando pela Câmara, sem comissões formadas por deputados e senadores.
Na tarde desta quinta, a presidência da Câmara divulgou nota afirmando que a tramitação das MPs sem o rito das comissões mistas "se mostrou dinâmica e eficiente", além de contar com "amplo respaldo" na Casa, e sinalizou uma tentativa de diálogo com o Senado —numa tentativa de amenizar as declarações de Lira mais cedo.
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