Sylvia Colombo
Foha de S.Paulo
Com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), neste domingo (30), os seis países mais populosos e principais economias da América Latina passam a ter presidentes de esquerda ou centro-esquerda —México, Argentina, Brasil, Peru, Colômbia e Chile.
Nos anos 2000, a imprensa dos Estados Unidos cunhou o apelido algo depreciativo de "pink tide", ou onda rosa, para se referir ao surgimento de governos progressistas na região, como os do próprio Lula no Brasil.
Além dele, havia Rafael Correa, no Equador, Hugo Chávez, na Venezuela, Ricardo Lagos e Michelle Bachelet, no Chile, Néstor Kirchner e Cristina Kirchner, na Argentina, Ollanta Humala, no Peru, Daniel Ortega, na Nicarágua, e Evo Morales, na Bolívia.
Vários desses líderes se juntaram à Alba, a Aliança Bolivariana das Américas, em 2004, numa tentativa de criar um bloco regional cujo objetivo era confrontar proposta de criação da Alca, a Área de Livre Comércio das Américas, impulsionada por Washington e que terminou fracassando.
As referências constantes por parte de Chávez a Simón Bolívar, prócer de várias independências da região, fizeram com que esses países também fossem apelidados de "bolivarianos".
Naquela ocasião, havia diferenças programáticas e ideológicas entre os governos, com uma corrente mais identificada com a social-democracia (no Chile e no próprio Brasil), outra de tom mais nacionalista (Bolívia e Argentina) e uma terceira de cunho autoritário, que com o tempo virariam ditaduras (Venezuela e Nicarágua).
Distinções marcam também a nova leva. Nela cabem a nova esquerda chilena e sua ênfase nas pautas identitárias e ecológicas; o primeiro governo de esquerda da Colômbia com propostas disruptivas de desmontar as redes de narcotráfico por meio do diálogo e de acordos; uma esquerda arcaica e muito conservadora nos costumes, como a peruana; outra de tom mais populista, como a mexicana; e ainda a que aposta em políticas protecionistas para lidar com sérios problemas econômicos, como a argentina.
"A vitória de Lula é relevante por dar novo ânimo às iniciativas de integração regional, mas não se deve esperar algo parecido com a chamada 'onda rosa' anterior", diz a cientista política Lorena Oyarzún, da Universidade do Chile.
"A região vive outro momento econômico, marcado pela pandemia e pela Guerra da Ucrânia, não há um boom de commodities para alimentar projetos de elevado gasto social e, portanto, há menos possibilidades de criar programas de inserção trabalhista."
Em relação ao Chile, Oyarzún crê que haverá uma "mudança de 180 graus" na relação com o Brasil. Na campanha eleitoral, Jair Bolsonaro (PL) criou um atrito diplomático com o país ao afirmar que Gabriel Boric havia cometido atos de vandalismo em protestos no passado. O embaixador do Brasil em Santiago, Paulo Pacheco, foi chamado a dar explicações, e tanto o governo chileno quanto a oposição repudiaram as declarações.
"À primeira vista, pode parecer que um triunfo estimulará as relações entre Colômbia e Brasil e com outros países da região sintonizados com o progressismo e o 'latino-americanismo'", afirma Álvaro Duque, sociólogo da Universidade do Rosário, de Bogotá.
"Mas os jogos políticos locais nem sempre resultam em benefícios apenas por função de alinhamento ideológico. Se houver reveses a um presidente, como com Boric na derrota no plebiscito constitucional, isso pode contaminar a popularidade dos demais ou levar a um afastamento."
Duque também crê que pode haver avanços num dos pontos da agenda de interesse de ambos, a proteção da Amazônia. "Tanto esse tema como o da criação de alternativas para a guerra contra as drogas pode aproximar muito Petro de Lula."
Federico Merke, professor de ciência política da Universidade de San Andrés, na Argentina, acredita que Lula terá de ser muito cauteloso em seu envolvimento na campanha presidencial argentina em 2023, mas que sua eleição favorecerá uma reaproximação dos dois países nos níveis político e econômico.
"Os problemas da região são tantos, e o cenário internacional é tão distinto do de 20 anos atrás, que os governos terão muito trabalho internamente. Por isso creio que haverá uma mímica de integração regional, mas as prioridades desses presidentes será a agenda doméstica", afirma.
Merke chama a atenção, ainda, para o fato de estar havendo um desgaste rápido de presidentes recém-eleitos. "O que vivemos na região hoje é mais um impulso antigoverno do que um impulso de esquerda. Há uma insatisfação nos últimos anos, que produziu manifestações de rua e resultados eleitorais adversos para quem estava no poder", diz.
"Isso demonstra que a paciência da sociedade tem sido pequena, o tempo de trégua aos que acabam de se eleger é mais curto. Petro e Boric já estão sentindo isso e essa cobrança ocorrerá também com Lula."
Segundo Oyarzún, a polarização e o contexto de países que tiveram manifestações são elementos que contribuem para que o início das gestões seja tumultuado. "Os eleitores, mais do que votar, fizeram apostas reais em seu futuro e querem resultados muito rápido. As novas lideranças da região terão de mostrar se são capazes de entregar isso."
Nos anos 2000, a imprensa dos Estados Unidos cunhou o apelido algo depreciativo de "pink tide", ou onda rosa, para se referir ao surgimento de governos progressistas na região, como os do próprio Lula no Brasil.
Além dele, havia Rafael Correa, no Equador, Hugo Chávez, na Venezuela, Ricardo Lagos e Michelle Bachelet, no Chile, Néstor Kirchner e Cristina Kirchner, na Argentina, Ollanta Humala, no Peru, Daniel Ortega, na Nicarágua, e Evo Morales, na Bolívia.
Vários desses líderes se juntaram à Alba, a Aliança Bolivariana das Américas, em 2004, numa tentativa de criar um bloco regional cujo objetivo era confrontar proposta de criação da Alca, a Área de Livre Comércio das Américas, impulsionada por Washington e que terminou fracassando.
As referências constantes por parte de Chávez a Simón Bolívar, prócer de várias independências da região, fizeram com que esses países também fossem apelidados de "bolivarianos".
Naquela ocasião, havia diferenças programáticas e ideológicas entre os governos, com uma corrente mais identificada com a social-democracia (no Chile e no próprio Brasil), outra de tom mais nacionalista (Bolívia e Argentina) e uma terceira de cunho autoritário, que com o tempo virariam ditaduras (Venezuela e Nicarágua).
Distinções marcam também a nova leva. Nela cabem a nova esquerda chilena e sua ênfase nas pautas identitárias e ecológicas; o primeiro governo de esquerda da Colômbia com propostas disruptivas de desmontar as redes de narcotráfico por meio do diálogo e de acordos; uma esquerda arcaica e muito conservadora nos costumes, como a peruana; outra de tom mais populista, como a mexicana; e ainda a que aposta em políticas protecionistas para lidar com sérios problemas econômicos, como a argentina.
"A vitória de Lula é relevante por dar novo ânimo às iniciativas de integração regional, mas não se deve esperar algo parecido com a chamada 'onda rosa' anterior", diz a cientista política Lorena Oyarzún, da Universidade do Chile.
"A região vive outro momento econômico, marcado pela pandemia e pela Guerra da Ucrânia, não há um boom de commodities para alimentar projetos de elevado gasto social e, portanto, há menos possibilidades de criar programas de inserção trabalhista."
Em relação ao Chile, Oyarzún crê que haverá uma "mudança de 180 graus" na relação com o Brasil. Na campanha eleitoral, Jair Bolsonaro (PL) criou um atrito diplomático com o país ao afirmar que Gabriel Boric havia cometido atos de vandalismo em protestos no passado. O embaixador do Brasil em Santiago, Paulo Pacheco, foi chamado a dar explicações, e tanto o governo chileno quanto a oposição repudiaram as declarações.
"À primeira vista, pode parecer que um triunfo estimulará as relações entre Colômbia e Brasil e com outros países da região sintonizados com o progressismo e o 'latino-americanismo'", afirma Álvaro Duque, sociólogo da Universidade do Rosário, de Bogotá.
"Mas os jogos políticos locais nem sempre resultam em benefícios apenas por função de alinhamento ideológico. Se houver reveses a um presidente, como com Boric na derrota no plebiscito constitucional, isso pode contaminar a popularidade dos demais ou levar a um afastamento."
Duque também crê que pode haver avanços num dos pontos da agenda de interesse de ambos, a proteção da Amazônia. "Tanto esse tema como o da criação de alternativas para a guerra contra as drogas pode aproximar muito Petro de Lula."
Federico Merke, professor de ciência política da Universidade de San Andrés, na Argentina, acredita que Lula terá de ser muito cauteloso em seu envolvimento na campanha presidencial argentina em 2023, mas que sua eleição favorecerá uma reaproximação dos dois países nos níveis político e econômico.
"Os problemas da região são tantos, e o cenário internacional é tão distinto do de 20 anos atrás, que os governos terão muito trabalho internamente. Por isso creio que haverá uma mímica de integração regional, mas as prioridades desses presidentes será a agenda doméstica", afirma.
Merke chama a atenção, ainda, para o fato de estar havendo um desgaste rápido de presidentes recém-eleitos. "O que vivemos na região hoje é mais um impulso antigoverno do que um impulso de esquerda. Há uma insatisfação nos últimos anos, que produziu manifestações de rua e resultados eleitorais adversos para quem estava no poder", diz.
"Isso demonstra que a paciência da sociedade tem sido pequena, o tempo de trégua aos que acabam de se eleger é mais curto. Petro e Boric já estão sentindo isso e essa cobrança ocorrerá também com Lula."
Segundo Oyarzún, a polarização e o contexto de países que tiveram manifestações são elementos que contribuem para que o início das gestões seja tumultuado. "Os eleitores, mais do que votar, fizeram apostas reais em seu futuro e querem resultados muito rápido. As novas lideranças da região terão de mostrar se são capazes de entregar isso."
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