6 de janeiro de 2022

Ao acusar Emma Watson de antissemitismo, os apologistas de Israel estão mostrando que estão desesperados

É claro que os defensores de Israel chamaram Emma Watson de "anti-semita" - por anos, muito além do absurdo, a estratégia deles tem sido chamar de anti-semita qualquer um que reconheça a existência dos palestinos.

Emily Hilton 

Emma Watson no Lincoln Center em Nova York, 2017. (Taylor Hill / FilmMagic via Getty Images)

Tradução / Quaisquer que sejam os comentários sobre nossa cultura voltada para as celebridades, há muito a ser dito sobre grandes nomes que se destacam em apoio a causas importantes. No que alguns diriam ser um momento chave para a integração do movimento de libertação palestino, Emma Watson, estrela de Harry Potter, compartilhou uma imagem em sua conta do Instagram esta semana — com 64 milhões de seguidores — apresentando o texto “Solidariedade é um verbo” com o fundo de bandeiras palestinas.

Celebrada e castigada na mesma medida, a postagem levou o ex-embaixador de Israel nas Nações Unidas, Danny Danon, a postar um tweet chamando Watson de antissemita. Sua jogada, por sua vez, foi recebida com um escárnio significativo nas redes sociais, até mesmo nos círculos mais conservadores que defendem Israel.

Apesar disso, a reação de Danon correspondia com acontecimentos recentes. Em outubro, a aclamada escritora Sally Rooney recusou um acordo com uma editora israelense por respeito ao movimento Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS), e foi confrontada com acusações semelhantes de ódio aos judeus. No mês seguinte, a revista Jewish Chronicle cobriu um protesto contra o embaixador israelense de direita Tzipi Hotovely, invocando comparações com a “noite dos cristais” [um pogrom contra os judeus na Alemanha nazista].

A postagem de Danon pode ter sido absurda e ter passado dos limites, mas foi uma extensão lógica de um processo que busca tornar a própria existência dos palestinos antissemita, e por muito menos, demonstrações de solidariedade com eles. Esse processo tem estado no centro da estratégia seguida pelos defensores da ocupação israelense durante anos.

Numa época em que a consciência e o apoio à libertação palestina estão ganhando um impulso significativo, o uso de um instrumento grosseiro como uma acusação de antissemitismo tornou-se uma ferramenta eficaz para silenciar a solidariedade palestina. Isto é particularmente verdadeiro quando se trata de silenciar movimentos sociais progressistas que estabelecem laços entre a solidariedade palestina e outras formas de antirracismo dentro de uma estrutura mais ampla de justiça racial. A identidade, imaginário, história e a herança palestina como ameaça existencial para os judeus é usada para proteger Israel de qualquer tipo de escrutínio ou responsabilidade por seus brutais abusos contra os direitos humanos.

Essa tática tem se desenvolvido ao longo dos anos de forma sutil e insidiosa. O movimento BDS, por exemplo, tem sido rotineiramente ridicularizado por defensores israelenses como o equivalente aos boicotes que visavam as empresas judaicas no regime nazista. Ainda no mês passado, o deputado conservador Robert Jenrick prometeu banir o BDS durante uma conversa intitulada “Por que tanta gente odeia judeus”.

Em novembro de 2021, uma palestra do acadêmico Somdeep Sen da Universidade de Glasgow foi cancelada depois que a Sociedade Judaica reclamou ao vice-chanceler que seu tema — a natureza política do Hamas — criaria um “ambiente inseguro” para estudantes judeus no campus. Até mesmo o falecido Arcebispo Desmond Tutu, um militante histórico contra a injustiça global, foi difamado com acusações infundadas de antissemitismo por conta de sua comparação das políticas de Israel com o apartheid — uma classificação compartilhada por muitos, inclusive organizações israelenses de direitos humanos.

Estes incidentes podem parecer polêmicas de rede social, mas são reflexo de uma reação contra a força crescente do movimento de libertação palestina — uma reação que procura rotular até mesmo as críticas mais mundanas ao comportamento de Israel como um ataque contra os judeus. Não é coincidência que, a medida que o movimento pela liberdade palestina se torna mais popular, os esforços para codificar a definição da Aliança Internacional de Memória do Holocausto (IHRA) sobre antissemitismo, e para tornar ilegais campanhas como o BDS — um objetivo que está sendo perseguido pelo governo britânico na próxima Lei de Boicote do Reino Unido — também ganhem uma tração política.

Esta abordagem é popular tanto nos Estados Unidos quanto na Grã-Bretanha. Ela planeja ter um efeito arrepiante, e tem: aqueles que querem falar em solidariedade com os palestinos permanecem em silêncio por medo de serem rotulados de antissemitas e das consequências que isso acarretaria. Também serve para ressignificar a questão do antissemitismo no que deveria ser uma discussão sobre a libertação palestina, servindo assim como uma distração das consequências reais de décadas de injustiça em Israel e na Palestina.

A violência estatal e militar é infligida às comunidades palestinas diariamente. No dia em que Emma Watson publicou no Instagram, colonos destruíram um cemitério palestino em Burqa, perto de Nablus, e a greve de fome de Hisham Abu Hawash — um prisioneiro palestino mantido sob custódia israelense sem acusação, que deve agora ser libertado em 26 de fevereiro — entrou em seu centésimo quadragésimo dia. No entanto, a conversa pública continua centrada no “antissemitismo”.

Também há consequências para a luta contra o antissemitismo — porém não da maneira como parecem pensar aqueles que estão conduzindo as acusações. Na Grã-Bretanha, o antissemitismo foi essencialmente relegado a uma disputa de facções em uma luta interna do Partido Trabalhista, apesar do fato de que ele — ao lado do racismo, da supremacia branca e do ódio contra o povo LGBT — está em ascensão nacional e globalmente. A fusão de antissemitismo e a crítica à Israel não é, portanto, apenas moralmente repugnante — é também uma forma fundamentalmente ineficaz de solidariedade, e nega a forma como as lutas contra a intolerância estão inextricavelmente ligadas entre si.

Esses vínculos significam que todos nós devemos ser barulhentos e sem vergonha em nossos apelos pelos direitos humanos palestinos e pelo fim da ocupação israelense. Nesse contexto político, a postagem de Watson foi significativa: mostrou a milhões de pessoas que a solidariedade com aqueles que lutam contra a opressão pode e deve fazer parte do discurso da política dominante. Também mostrou que, apesar dos esforços de muitos, a causa de libertação palestina está bem encaminhada, graças principalmente àqueles que trabalham no front para expor a brutalidade diária que acompanha a ocupação e o apartheid.

Mas a resposta de Danon foi, a seu modo, igualmente importante: ele mostrou que as acusações de antissemitismo contra aqueles que não tem feito nada além de expressar solidariedade com palestinos são tão maliciosas quanto são absurdas. Devemos esperar que o fato permaneça na memória coletiva quando o próximo conjunto de acusações vier à tona.

Colaborador

Em Hilton é um ativista e escritor judia de esquerda que vive entre Tel Aviv e Londres. Ela é co-fundadora do Na'amod, British Jews Against Occupation, e faz parte do comitê diretor do Center for Jewish Non-Violence

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