Uma entrevista com
Matthieu Auzanneau
Entrevistado por
Harrison Stetler
Uma bomba de petróleo entre Seminole e Andrews, no oeste do Texas, fotografada em 13 de agosto de 2008. (Paul Lowry / Flickr) |
Tradução / O preço do petróleo bruto subiu de menos de 20 dólares o barril no início da pandemia para mais de 90 dólares. É um dos principais impulsionadores da alta inflação que se tornou um grande problema não só nos Estados Unidos mas em todo o mundo, muitos países enfrentando uma volatilidade de preços não vista em décadas. As interrupções na cadeia de fornecimentos e a escassez de novos investimentos em petróleo induzida pelo COVID-19 são parcialmente responsáveis por esta situação. Mas há algo mais profundo do que a pandemia e suas consequências que está a desestabilizar o capitalismo global.
Matthieu Auzanneau é um autor especializado na indústria do petróleo e diretor do Shift Project, um centro de estudos parisiense dedicado a acabar com o uso de combustíveis fósseis. Seu livro de 2015, Or noir, la grande histoire du pétrole publicado por La Découverte, é uma extensa história da indústria do petróleo. Pétrole: Le déclin est proche (Seuil, 2021, em coautoria com a jornalista Hortense Chauvin) discute os efeitos de ter sido atingido em 2008 o pico da produção convencional de petróleo.
Harrison Stetler, da Jacobin, conversou com Auzanneau sobre as perturbações na indústria do petróleo, a transição para outras fontes de energia e a questão de quem deve pagar por isso.
Harrison Stetler
Matthieu Auzanneau
Um conceito muito importante na indústria do petróleo, encontrado em qualquer indústria extrativa, é a “maturidade de recursos”. Quando falamos de um recurso "maduro", significa que já extraímos pelo menos metade das reservas existentes. Hoje, tanto a AIE como as principais fontes de referência determinaram que cerca de metade da produção mundial de petróleo está madura. Isso significa que só podem diminuir.
Foi por isso que em 2018, antes da crise do COVID, a AIE afirmou no seu relatório executivo destinado a decisores, que o pico da produção de petróleo líquido convencional – que constitui três quartos do total – havia sido ultrapassado; e foi ultrapassado em 2008, ano em que rebentou a bolha especulativa dos subprime, sustentando a tese de um nexo de causalidade entre o pico do petróleo convencional e a crise do subprime.
Quando a AIE publicou este relatório em 2018, já destacava a imensa dificuldade, sobretudo sistemática, que as empresas petrolíferas encontravam para descobrir os recursos necessários para compensar o declínio das fontes existentes. Por isso alertaram para o risco de escassez de oferta até 2025, se a produção de petróleo de xisto não pudesse triplicar para 20 milhões de barris por dia a partir de 2025 – na época, era de 7 a 8 milhões por dia.
Não é de forma alguma o que se passa. A crise COVID-19 agravou a lacuna de investimento em petróleo que já existia em 2018. Vemos agora as tensões a acontecer porque os investimentos em jazidas de petróleo não convencional e extremas – óleo de xisto, perfuração offshore ultraprofunda – que seriam necessários para compensar o declínio não foram realizados. Desde então, a procura voltou, mas o que falta é capacidade de produção adicional. Há uma coisa muito importante a saber sobre a indústria do petróleo: é que se nada se fizer, se parar de se investir, a produção não pode ser mantida.
Harrison Stetler
Matthieu Auzanneau
Mas a segunda razão pela qual essa ilusão é fundamentalmente enganosa e, na minha opinião num nível nitidamente mais grave, é por razões práticas. O barril suplementar é encontrado em depósitos de baixo rendimento (“barril marginal”) em locais cada vez mais inacessíveis. O horizonte da indústria petrolífera era a perfuração offshore, depois offshore “profunda”. Hoje, falamos em perfuração offshore “ultraprofunda” ou no Ártico. Será cada vez mais difícil compensar o declínio do petróleo fácil de extrair por petróleo não convencional de jazidas profundas, do Ártico ou de outros lugares.
Este critério simples demonstra que há um problema. O que descrevo aqui é tudo menos novo ou um segredo para os executivos da indústria. Para eles, é uma realidade. O chefe da Mobil, na época da fusão com a Exxon em 1998, disse que tínhamos chegado ao fim da era do "petróleo fácil". Desde então, desenvolvemos agrocombustíveis, areias betuminosas, offshore ultraprofundos, todos mais caros e mais complicados de produzir do que o petróleo convencional, que atingiu os seus limites.
É um problema geológico fundamental. Chegámos ao fim dos recursos inexplorados fáceis de extrair. Chegámos ao fim do “petróleo fácil”. Entramos agora na era do petróleo complicado e, portanto, será cada vez mais difícil compensar o declínio do petróleo fácil com petróleo não convencional, de jazidas profundas, sejam do Ártico ou de outros lugares. Para nós, isso significa uma coisa muito simples. Não é só por causa do clima que temos que sair do petróleo. A festa acabou.
Harrison Stetler
Matthieu Auzanneau
Harrison Stetler
Matthieu Auzanneau
De facto, na história recente, já vimos exemplos. Defendo a teoria segundo a qual o que aconteceu em 2008 foi um choque petrolífero. O que vimos em 1973 foi o resultado do pico de produção de petróleo convencional nos EUA. Em 2008, o que aconteceu? O que causou o estouro da bolha do subprime? O aumento das taxas de juro do Federal Reserve, que subiram de forma constante entre 2003 e 2006 para evitar a inflação induzida pelo aumento histórico e sem precedentes do preço do petróleo, em particular devido ao fim do petróleo fácil
É um facto curiosamente subestimado, eu diria mesmo comicamente. Ninguém lhe dirá que o aumento da taxa do Fed teve um efeito direto no estouro da bolha do subprime. No entanto, todos sabem até porque está escrito na ata da FED, que a principal razão para o aumento das taxas de juro foi o aumento do preço do petróleo a partir de 2003, que passou de cerca de 30 dólares para bem mais de 100 dólares o barril. Vimos grandes produtores, incluindo a Arábia Saudita, enfrentarem dificuldades históricas para manter os seus níveis de produção. Foi também o período do declínio do petróleo do Mar do Norte – um caso clássico que demonstra uma queda irreversível na produção. Do meu ponto de vista, o que ocorreu em 2008 foi muito clara e diretamente um choque petrolífero. Foi a primeira grande crise do fim do crescimento.
Não estou a dizer tudo isto para defender uma tese, mas para salientar que a situação é pior do que se estivéssemos diante de um problema puramente "económico". Este é um problema ecológico e releva fundamentalmente da geologia. Quando alguns dizem "só temos que investir mais", recusam-se a ver que vivemos numa esfera onde começámos a encontrar petróleo que estava sob os nossos pés e agora falamos em ir para o Ártico. A maioria dos produtores não ganhou dinheiro com o “petróleo não convencional”. A grande maioria dos operadores petrolíferos não convencionais estiveram presentes do início ao fim sem gerar o mínimo fluxo financeiro.
Harrison Stetler
Matthieu Auzanneau
A Royal Dutch Shell interrompeu a produção no Ártico; não por escrúpulos éticos ou ambientais, mas porque uma plataforma de vários milhares de milhões de dólares naufragou na costa do Alasca numa tempestade de Outono. É o fim do petróleo fácil. Faz-se um investimento de 2 mil milhões de dólares para enviar uma plataforma de petróleo em North Slope, ao norte de Prudhoe Bay, e ela fica destruída na costa.
Harrison Stetler
Matthieu Auzanneau
É praticamente impossível um país desenvolvido resolver a equação da eliminação progressiva dos combustíveis fósseis sem energia nuclear. É um facto. Existem excelentes razões para ser antinuclear, e eu respeito-as plenamente. Mas é preciso tirar consequências racionais. Isto significa que, se se for tentado a resolver essa equação sem energia nuclear, haverá efeitos indesejáveis em termos de consumo, em termos de estabilidade da produção de eletricidade. Existem muitos efeitos colaterais complexos e difíceis e, se não se reconhece isto, então não se é racional, não se está enfrentando o trágico desafio que a natureza nos lança agora.
Harrison Stetler
Matthieu Auzanneau
Isto não significa que vamos pedir às pessoas que não têm muito para apertar o cinto. Não, significa entender como os órgãos vitais da sociedade podem funcionar sendo muito mais sóbrios. Isto não significa que todas as famílias tenham que sobreviver com menos. Significa que projetaremos sistemas técnicos, sistemas de produção, sistemas de energia, sistemas de processamento industrial, sistemas agrícolas, sistemas de saúde e sistemas culturais que possam funcionar e prestar seus serviços de forma mais sóbria.
A metáfora que costumo usar é que o petróleo é o sangue da sociedade contemporânea. Sair do petróleo não é apenas fazer uma cirurgia de coração aberto, é também mudar as redes de fornecimento de energia – e, portanto, mudar o funcionamento e a organização dos órgãos vitais da sociedade.
Sobre o autor
Matthieu Auzanneau é um especialista na indústria do petróleo e autor de Oil, Power, and War: A Dark History.
Sobre o entrevistador
Harrison Stetler é jornalista freelancer e professor baseado em Paris.
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