4 de janeiro de 2022

Na Europa, a extrema direita está unindo suas forças

Uma conferência neste mês tem como objetivo unir líderes europeus de extrema direita como Marine Le Pen e Viktor Orbán em uma aliança continental. O que antes seria um agrupamento marginal agora pode contar com o apoio de vários governos da UE.

Àngel Ferrero


Viktor Orbán, o primeiro-ministro da Hungria, durante uma entrevista coletiva em Budapeste, Hungria, em 21 de dezembro de 2021. (Akos Stiller / Bloomberg via Getty Images)

Tradução / No início de setembro, Santiago Abascal, o presidente do partido de extrema direita Vox na Espanha, anunciou que seu país havia sido escolhido para sediar a próxima cúpula de “líderes patrióticos e conservadores europeus” a ser realizada este mês. A reunião, que provavelmente será realizada em Madrid, representa o próximo passo na tentativa dessas forças de se popularizarem como um bloco “conservador” na política europeia, palatável para um público mais amplo de direita.

Esta não é apenas uma aliança de forças periféricas, mas uma que já detém o poder em várias capitais europeias. A última reunião desse tipo foi realizada em Varsóvia, Polônia, em 4 de dezembro, sob os auspícios de Jarosław Kaczyński, presidente do partido governista Lei e Justiça. A reunião no Hotel Regent reuniu luminares de extrema direita como o primeiro-ministro polonês Mateusz Morawiecki (também do partido de Kaczyński), seu homólogo húngaro Viktor Orbán, a líder do Rassemblement National Marine Le Pen, bem como Abascal e líderes de extrema direita de Flandres e Estônia.

A cúpula resultou em uma breve declaração de uma página denunciando o status quo na União Europeia. Atacou a “ideia perturbadora” de uma Europa “governada por uma elite autoproclamada”. O documento destacou como esta elite realiza “aplicação arbitrária do direito europeu” e um programa continental de “engenharia social” com o objetivo de “separar as pessoas de sua cultura e herança”.

Mas se a linguagem era confusa, o que foi especialmente notável nesta cúpula é que foi a primeira reunião oficial que reuniu representantes de ambos os grupos à direita do Partido Popular Europeu (PPE), a principal força democrata-cristã no Parlamento Europeu. Embora algumas forças importantes de extrema direita, como a Liga de Matteo Salvini e a Alternativa para a Alemanha, (AfD), estivessem ausentes, a cúpula apontou para o fortalecimento das relações entre os conservadores e reformistas europeus (ECR, um grupo que antes incluía os conservadores britânicos) e o Identidade e Democracia (ID) da extrema direita, bem como o partido Fidesz de Orbán, não filiado a nível europeu desde a sua saída do PPE em março.

Os partidos envolvidos nesses agrupamentos vêm de diferentes tradições políticas e, em alguns casos, até competem eleitoralmente em nível nacional. Mas se as tensões entre essas forças há muito justificam a existência de duas correntes rivais no Parlamento Europeu, isso pode ser história do passado após a cúpula deste mês, uma vez que planejam a criação de um “supergrupo” que une a extrema direita da política europeia.

Supergrupo

Já na declaração de Varsóvia de dezembro, as partes signatárias se comprometeram a “uma cooperação mais estreita no Parlamento Europeu, incluindo a organização de reuniões conjuntas e coordenação nas votações”.

Le Pen expressou sua convicção de que esse objetivo sem precedentes estava ao alcance agora: “Podemos ser otimistas quanto à criação dessa força política nos próximos meses”, comentou a presidente do Rassemblement National. Este objetivo foi partilhado por Orbán, em declarações à imprensa antes do encontro: “Há meses que trabalhamos para criar uma família forte de partidos. Espero que possamos dar um passo nessa direção.”

Como Miguel Urbán, membro de esquerda do Parlamento Europeu pelos Anticapitalistas, explicou em uma thread no Twitter, Orbán é de fato a chave para a formação desse “supergrupo”. Ele fornece uma ponte entre os governos de extrema direita na Europa Central e Oriental e a extrema direita no Mediterrâneo, principalmente devido às suas estreitas relações pessoais com o governante Partido da Lei e da Justiça e com o ex-ministro italiano do Interior, Matteo Salvini. No entanto, isso também se deve à projeção internacional e ao prestígio do primeiro-ministro húngaro, saudado por personalidades como Tucker Carlson, entre a base dos partidos ECR e ID. Salvini já havia tentado criar uma aliança de extrema direita semelhante na preparação para as eleições europeias de 2019, mas é no atual contexto político caótico que essas forças vão finalmente dar esse salto.

Agora ou nunca?

Existem obstáculos ideológicos ao pacto, mesmo que possam parecer triviais para muitos observadores que vêem todas essas forças como uma “direita populista” homogênea. Esses partidos dão diferentes ênfases ao tradicionalismo político e religioso e têm divergências na política externa, estando particularmente divididos em suas relações com a Rússia e, em menor grau, com a China.

A pandemia da COVID-19 também abriu divisões: alguns julgam o movimento antivacina e suas teorias da conspiração mais abertamente do que outros, como Le Pen e o italiano Giorgia Meloni, que, em vez disso, assumiram uma postura mais ambígua, focada em criticar as medidas de bloqueio. Ilustrando as contradições, Orbán – figura central da extrema direita mais ferrenhamente anticomunista – ainda assim recebeu as doses da Sinovac, como parte das relações relativamente boas de Budapeste com a China.

Embora essas diferenças possam ser ocultadas em prol da unidade, também existem questões práticas: o agrupamento ECR foi em parte consolidado como uma alternativa ao ID, que nos últimos anos tem se caracterizado por ter uma instabilidade interna e vários desentendimentos entre seus partidos constituintes. Então, se essas forças agora estão se reunindo, o que mudou?

Por um lado, depois de anos em que experimentaram um crescimento eleitoral significativo, muitos desses partidos parecem ter estagnado e precisam de um impulso político e midiático. Parece que uma das figuras que tem mais a ganhar com esse “supergrupo” que une a extrema direita é Marine Le Pen. Enquanto ela aspira alcançar novamente o segundo turno das eleições presidenciais francesas em abril. Ela enfrenta uma competição indesejável com o comentarista Éric Zemmour que pode dividir o voto da extrema direita e permitir que outros candidatos entrem sorrateiramente.

Enquanto isso, na Espanha, o Vox busca fortalecer suas perspectivas de governar junto com o Partido Popular (PP) de Pablo Casado, durante quatro décadas o principal partido conservador do país. Enquanto essas forças continuam competindo, com o partido de extrema direita tentando roubar eleitores do PP, os votos de Vox já apoiaram governos regionais liderados pelo PP em Madri e na Andaluzia, com o governo de Isabel Díaz Ayuso na região da capital visto como um projeto potencial por um governo nacional de direita em 2023. O líder da Vox, Abascal, também oferece às forças de extrema direita européias um canal particular de influência na América Latina. Por meio de sua teoria excêntrica de uma “Iberosfera”, ele começou a estreitar os laços com partidos de opinião semelhante no mundo de língua espanhola e portuguesa, incluindo o presidente brasileiro Jair Bolsonaro.

Esta aliança visa também organizar o flanco de direita na política europeia nos conflitos atuais a nível da UE. Tanto o Fidesz quanto o partido Lei e Justiça, que governam a Hungria e a Polônia respectivamente, têm conflitos abertos com Bruxelas sobre a independência do judiciário, mas também sobre suas políticas de asilo, imigração e ações contra os direitos das mulheres e das minorias sexuais.

Esses conflitos foram especialmente agravados, do ponto de vista desses partidos, com a chegada de um novo governo de coalizão na Alemanha, composto pelos sociais-democratas de Olaf Scholz, bem como pelos verdes e Democratas Livres neoliberais. Eles temem que Berlim endureça sua posição em relação a Budapeste e Varsóvia, especialmente agora que a vice presidente do Partido Verde, Annalena Baerbock, se tornou ministra das Relações Exteriores. Dito isso, durante sua recente visita à Polônia, Baerbock notavelmente atenuou suas críticas da época de campanha ao governo da Lei e Justiça, falando vagamente em resolver “discrepâncias” entre os dois países e apoiar o governo polonês em sua disputa com a Bielorrússia sobre refugiados na fronteira.

Orbán, no entanto, destacou os riscos do conflito do ponto de vista da extrema direita: em dezembro, com a nova coalizão ainda por se formar, ele respondeu a indagação de um empresário apoiador sobre “imigração, política de gênero [medidas amigáveis aos LGBTs] e uma Europa federal pró-alemã”. O primeiro-ministro húngaro insistiu desafiadoramente: “Não vamos cruzar os braços – vamos nos preparar para a batalha.”

Soft power alemão

Se a “batalha” contra o novo governo de Berlim, somada a certas dificuldades nas eleições, pode levar a extrema direita europeia a se organizar para o confronto, outro acontecimento nas recentes eleições alemãs também reforçam este novo pacto. Os partidos que entram no Bundestag, o Congresso da Alemanha, por duas eleições consecutivas têm acesso a financiamento federal para as fundações de seus partidos – e depois de reter a maioria de seus assentos na eleição de setembro, o Desiderius Erasmus Stiftung (DES), fundação da AfD, agora é elegível para financiamento estatal, para ser usado a critério do próprio partido. De acordo com alguns relatos da mídia, isso começará com a contratação de mais de 900 funcionários.

Se for algo parecido com as fundações de outras partidos alemães, como Konrad Adenauer Stiftung dos democratas-cristãos (ou mesmo a pequena Rosa Luxemburg Stiftung do Die Linke), isso permitirá que o DES abra escritórios em dezenas de outros países. Assim, a fundação da AfD poderia ter sucesso onde o ex-conselheiro de Donald Trump, Steve Bannon, falhou e criar um think tank de extrema direita internacional para a Europa.

As forças por trás desse pacto não devem ser subestimadas. Somando os membros existentes do Parlamento Europeu dos grupos ECR e ID, mais o Fidesz de Orbán, chegará a cerca de 149 eurodeputados – o suficiente para derrotar a Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas (S&D) e criar a segunda maior força na Assembleia de Bruxelas. Mesmo que alguns partidos permanecessem fora do “supergrupo” ou o bloco de centro esquerda buscasse integrar forças como o errático Movimento Cinco Estrelas da Itália, a extrema direita ainda seria o terceiro maior grupo, bem à frente dos liberais do Renovar Europa (com 101 eurodeputados), sem falar dos verdes e aliados (73) ou da esquerda (39).

Se esta for a aritmética em Bruxelas, o eurodeputado de esquerda Miguel Urbán nos lembra que “este movimento não deve ser lido apenas em termos do Parlamento Europeu, mas na perspectiva de uma contra-revolução político-cultural de maior alcance”. O crescimento desses partidos permitiu-lhes empurrar os partidos conservadores e liberais ainda mais à direita, endurecendo as políticas oficiais da UE e o discurso público sobre questões como imigração ou bem-estar e – não menos importante – definindo agenda de partidos rivais e meios de comunicação em torno de pautas como imigração e segurança.

Como enfatiza Urbán, as forças de extrema direita demonstraram repetidamente que estão preparadas para a batalha para mudar os termos do debate político. Já passou da hora da esquerda se preparar também.

Sobre o autor

Àngel Ferrero é jornalista, tradutor e colaborador regular do Público, El Salto e da revista Catarsi.

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