28 de janeiro de 2022

Por que os políticos e a mídia estão atiçando as chamas do pânico de guerra na Ucrânia?

Autoridades de Washington têm aterrorizado o mundo com avisos de uma iminente invasão russa da Ucrânia. Mas todos os outros em posição de saber parecem ter certeza de que isto não está prestes a acontecer.

Branko Marcetic

Jacobin

Joe Biden speaking with supporters at a town hall hosted by the Iowa Asian and Latino Coalition at Plumbers and Steamfitters Local 33 in Des Moines, Iowa, on August 8, 2019. (Gage Skidmore / Flickr)

O mundo foi dominado nos últimos dois meses pela crise da Ucrânia, com Moscou aparentemente pronta para invadir a Ucrânia a qualquer momento, e autoridades dos EUA pedindo guerra – até ataques nucleares – em resposta. Washington vem inundando a ex-república soviética com armas e outras ajudas militares desde então, com US$ 200 milhões começando a chegar esta semana, e os legisladores democratas agora estão se esforçando para enviar outros US$ 500 milhões em ajuda militar além disso. É uma das várias medidas destinadas a impedir ou, na pior das hipóteses, defender contra uma invasão russa que foi vendida como “iminente” desde o início de dezembro.

Com tanta empolgação acontecendo, você seria perdoado por ter a séria dúvida de que tal invasão vai acontecer. Enquanto políticos e meios de comunicação nos Estados Unidos, Reino Unido e outros países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) têm exaltado a perspectiva de guerra, autoridades dentro da Ucrânia – o país que está sendo potencialmente invadido – têm contado às pessoas uma história diferente.

Ainda ontem, a cisão levou a um pequeno conflito diplomático após um telefonema entre Joe Biden e o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, que Kiev sinalizou antecipadamente que usaria para pedir a Washington que contorlasse a retórica. Embora o que exatamente foi dito continue sendo um ponto de disputa, a substância é que Biden acredita que uma invasão russa pode ocorrer em fevereiro, enquanto Zelensky afirma que está longe de ser claro e que a ameaça russa é “perigosa, mas ambígua”.

Isso não é novo. Na semana passada, apenas algumas horas antes de Biden dizer à imprensa da Casa Branca que achava que o presidente russo Vladimir Putin iria “se mover” porque “tem que fazer alguma coisa”, o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky estava pedindo ao seu povo que “respirasse fundo” e “se acalmasse”, assegurando-lhes que as coisas estavam “sob controle”.

“Os riscos não existiram apenas por um dia e não se tornaram maiores. A única coisa que se tornou maior é o hype em torno deles”, disse ele, acrescentando que a mídia deve se esforçar para “ter métodos de informação em massa e não histeria em massa”. Mais tarde, depois que Washington e o Reino Unido evacuaram suas embaixadas ucranianas, Zelensky agradeceu a Charles Michel, presidente do Conselho Europeu, e líderes de países da União Europeia por não seguirem o exemplo.

Zelensky não é o único oficial ucraniano a dar esta nota. Na mesma ligação, o ministro das Relações Exteriores da Ucrânia disse a Michel que as evacuações eram “prematuras e uma demonstração de cautela excessiva”. Mais tarde, ele disse a repórteres que o número de tropas russas acumuladas “é insuficiente para uma ofensiva em grande escala ao longo de toda a fronteira ucraniana” e que “faltam alguns indicadores e sistemas militares importantes para conduzir uma ofensiva em grande escala”.

“Podemos dizer 100 vezes por dia a invasão é iminente, mas isso não muda a situação no terreno”, insistiu.

Enquanto isso, o ministro da Defesa da Ucrânia disse anteriormente ao parlamento do país que “a partir de hoje, não há motivos para acreditar” que uma invasão é iminente, acrescentando: “Não há necessidade de fazer as malas”. O secretário do Conselho de Segurança e Defesa Nacional, aproximadamente o equivalente ucraniano do Conselho de Segurança Nacional do presidente dos EUA, minimizou a necessidade de pânico, dizendo à BBC que “se algo não está lá, não é necessário dizer que está”, e se recusou a confirmar o retrato da mídia dos EUA de uma iminente invasão russa, dizendo que “a ameaça da Rússia ao nosso país sempre existe” – mesmo acusando que tal pânico ajuda as maquinações de Putin na Ucrânia.

Em outras palavras, temos o presidente da Ucrânia, seus ministros das Relações Exteriores e da Defesa e um alto funcionário da segurança nacional, todos pedindo calma, enquanto negam que haja evidências suficientes para esperar uma invasão russa, contrariando a onda de mensagens de funcionários dos EUA e da imprensa. Claro, você pode descartar isso como a liderança de um país minimizando uma ameaça que eles sabem que é real para evitar pânico e desordem. Mas eles não são os únicos a dizer isso.

No início desta semana, o Centro de Estratégias de Defesa - um grupo de reflexão liderado por um ex-ministro da Defesa ucraniano e em cujo conselho estão várias outras autoridades diplomáticas e de defesa da Ucrânia e dos Estados Unidos - publicou uma análise dos riscos de uma invasão russa. Sua conclusão? Que “uma invasão em grande escala capturando a maior parte ou toda a Ucrânia em um futuro próximo parece improvável”, citando o número insuficiente de tropas russas e vários outros indicadores, incluindo a falta de mobilização de infraestrutura médica e unidades militares estratégicas. (Houve mais alguns movimentos de tropas desde então).

Os governos europeus disseram o mesmo. O principal diplomata da UE acusou Washington e Westminster de “dramatizar” a situação, dizendo que a UE não evacuaria sua embaixada “porque não conhecemos nenhuma razão específica para isso”. A embaixada holandesa em Kiev também disse ao Telegraph que não via “nenhuma razão” para fazê-lo, enquanto uma autoridade francesa disse que “observou os mesmos movimentos”, mas “não pode deduzir de tudo isso que uma ofensiva seja iminente”. E ainda hoje, o chefe de espionagem da Alemanha também contradisse a linha de Washington, dizendo à Reuters que “acredita que a decisão de atacar ainda não foi tomada”.

Então, o que exatamente está acontecendo aqui? É possível considerar vários cenários. Pode ser, como alguns analistas especulam, que Zelensky tenha manipulado a situação para obter uma enxurrada de ajuda militar e avançar em seu esforço para entrar na OTAN, e agora, tendo conseguido parte do que queria e com a situação escalando, ele está recuando. Talvez Washington realmente esteja a par de informações que outros não saibam e esteja agindo com base nisso, ou talvez o governo Biden esteja compensando demais o erro retórico anterior do presidente. Talvez Putin realmente esteja planejando invadir, ou talvez ele esteja apenas arquitetando uma crise para levar Washington para a mesa de negociações, reforçar o status de grande potência da Rússia, ou ambos.

Seja qual for o caso, há claramente boas razões para tratar com alguma cautela o pânico em torno dessa questão que é endêmica para os políticos e a mídia dos EUA, ambos com profundos laços financeiros e institucionais com o complexo militar-industrial que deve lucrar com o aumento das tensões. E tudo isso faz com que a atual corrida democrata para inundar a Ucrânia com centenas de milhões de dólares em assistência militar e até mesmo sancionar preventivamente a Rússia, um movimento estratégico e diplomático autodestrutivo, pareça precipitado e excessivamente zeloso – ou pior, um estratagema para canalizar mais dinheiro aos doadores da indústria de guerra.

Apesar de tudo isso, não se pensa nas possíveis implicações de longo prazo de inundar um país cheio de milícias neonazistas – algumas delas integradas às forças armadas e policiais, e que treinaram e inspiraram extremistas violentos de extrema direita no Ocidente – com armas, treinamento e outros apoios. Junto com Biden que ainda se recusa a negociar a limitação da expansão da OTAN, uma iminente invasão russa pode não ser certa agora, mas Washington pode estar plantando as sementes para futuros conflitos.

Sobre o autor

Branko Marcetic is a Jacobin staff writer and the author of Yesterday's Man: The Case Against Joe Biden. He lives in Chicago, Illinois.

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