Nelson Barbosa
Folha de S.Paulo
O presidente Jair Bolsonaro (esq.) ao lado do ministro Paulo Guedes. (Ueslei Marcelino/Reuters) |
Nos últimos dois anos, a economia mundial passou pelo "V" da Covid: uma parada súbita do nível de atividade econômica, com maior impacto negativo no setor de serviços, seguido de rápida recuperação.
O primeiro efeito econômico do vírus foi o distanciamento social, oficial ou não, necessário para frear o contágio. A renda e o emprego despencaram, e vários governos responderam com corte de juro, transferência emergencial de renda, flexibilização tributária, aumento do crédito e proteção ao emprego.
Passado o impacto inicial e com o rápido desenvolvimento de vacinas, o nível de atividade começou a se recuperar rapidamente no fim de 2020, puxado pelo consumo de bens, não de serviços, e isso criou outro problema: gargalos nas cadeias globais de produção.
Os preços aceleraram no mundo todo, e onde isso foi acompanhado por depreciação cambial, como no Brasil e em outras economias, a inflação subiu mais.
A partir de meados do ano passado, ficou claro que seria preciso subir juro para que o choque inflacionário de oferta não se transformasse em aumento permanente da inflação, a fase em que estamos hoje (os EUA entrarão nela em março).
No biênio da Covid, o Brasil foi mediano no combate à crise. Nosso PIB caiu 4,1% em 2020 e provavelmente crescemos 4,5% em 2021 (o número oficial ainda não saiu). Alguns países do G20 tiveram desempenho pior (na Europa). Outros tiveram desempenho melhor (EUA e China).
A jabuticaba brasileira foi o negacionismo do governo, não só na saúde pública, mas também na economia. A equipe econômica inicialmente tratou o problema como "gripezinha", dizendo que R$ 5 bilhões resolveriam a crise.
Felizmente o Congresso, por iniciativa da oposição, forçou o governo a um grande pacote de estímulo fiscal, tendo o auxílio emergencial como carro-chefe. O gasto primário anticrise acabou sendo R$ 633 bilhões em 2020-21, mas, como esse tipo de ação contrariava a ideologia do governo, o time Bolsonaro resolveu decretar data para a crise terminar.
Primeiro disseram que todas as ações anticrise acabariam em dezembro de 2020. Teve até secretário do Ministério da Economia dizendo que não haveria segunda onda da pandemia por aqui (estamos na terceira).
O negacionismo deu ruim, e o governo foi forçado a voltar atrás, adotando nova rodada de estímulo em março de 2021 (a PEC Emergencial), mas novamente nossos austríacos de circo marcaram data para a
crise acabar, prevendo fim do auxílio em outubro.
A crise não acabou em outubro, e o governo foi forçado novamente a mudar seus planos, com expansão fiscal além do desejado pela equipe econômica, em um Orçamento descoordenado em que há recursos demais para emendas de eficácia duvidosa e pouco dinheiro para investimento e geração de emprego.
O vaivém da política econômica bolsonarista aumentou a incerteza fiscal e quebrou o piso da vida de milhões de pessoas, interrompendo a recuperação da economia após o "V" da Covid. Hoje o mercado
espera crescimento econômico próximo de zero em 2022.
Poderia ser diferente? Sim, se o governo tivesse planejado medidas de reconstrução econômica para 2021 em diante. É isso que foi feito em países com melhor desempenho econômico, mas "planejamento" é palavrão no atual governo.
Em vez de reconstrução, temos destruição econômica, um show do improviso na política econômica em um cenário internacional que começa a ficar adverso para o Brasil.
A partir da próxima semana retomarei a análise dos desafios de 2022 e das propostas para sair do buraco.
Nelson Barbosa
Professor da FGV e da UnB, ex-ministro da Fazenda e do Planejamento (2015-2016). É doutor em economia pela New School for Social Research.
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