Países emergentes não podem cair na armadilha do neoextrativismo
Professor da Unifesp, pesquisador associado do Ibre-FGV e doutor em economia do desenvolvimento pela FEA-USP
A transição energética é altamente intensiva em recursos naturais. A reconfiguração da geopolítica e a guerra comercial entre as potências tecnológicas atuais, como EUA, Europa e China, acendem alertas de instabilidade global persistente. Enquanto isso, as economias emergentes lutam com dívidas pesadas em meio a demandas crescentes por gastos sociais e de adaptação climática.
A crescente demanda por recursos naturais impulsionada pela transição energética pode beneficiar os países emergentes. No entanto, é crucial que esses países não caiam na armadilha do neoextrativismo.
A América Latina, rica em minerais críticos e recursos naturais essenciais para essa transição, pode continuar a ser um mero exportador de matérias-primas ou tomar medidas para redefinir seu papel na economia global, promovendo o desenvolvimento sustentável e a soberania tecnológica. É preciso evitar o piloto automático do comércio internacional.
No prefácio à edição de 2010 do seu livro "As Veias Abertas da América Latina" (L&PM 2022), Eduardo Galeano indaga: "Exportamos produtos ou exportamos solos e subsolos? Salva-vidas de chumbo: em nome da modernização e do progresso, os bosques industriais, as explorações mineiras, as plantações gigantescas arrasam bosques naturais, envenenam a terra, esgotam a água e aniquilam pequenos plantios e as hortas familiares. (...) Os expulsos da terra vegetam nos subúrbios das grandes cidades, tentando consumir o que antes produziam. O êxodo rural é a agrária reforma... ao contrário".
No artigo "Imperialist Appropriation in the World Economy: Drain from the Global South through Unequal Exchange, 1990–2015", Jason Hickel et al (Global Environmental Change, 73, 2022) usam a análise de balanço de recursos da economia ecológica para comprovar o receio presciente de Galeano. A dinâmica de troca desigual entre o Norte Global e o Sul Global implicou forte fluxo de recursos e de valor dos pobres para os ricos: entre 1990 e 2015, a drenagem do Sul totalizou US$ 242 trilhões (a preços constantes de 2010).
Tomando apenas o ano de 2015, o estudo mostra que o Norte apropriou do Sul 12 bilhões de toneladas de matérias-primas incorporadas aos bens e serviços importados do Sul, 822 milhões de hectares de terra incorporada, 21 exajoules de energia incorporada (o equivalente a 3,4 bilhões de barris de petróleo) e 188 milhões de pessoas-ano de trabalho incorporado, no valor de US$ 10,8 trilhões em preços do Norte. A soma é suficiente para acabar com a pobreza extrema 70 vezes.
Carregamento de minério em navio no porto de Tubarão, em Vitória (ES) - Gabriel Lordêllo/Folhapress |
A troca desigual é facilitada por mecanismos de preços no comércio internacional, onde os produtos primários e recursos naturais exportados pelo Sul são subvalorizados em comparação com os produtos manufaturados e serviços do Norte. O dreno em preços médios globais mostra que as perdas do Sul devido à troca desigual superam seus recebimentos totais de ajuda ao período por um fator de 30.
O artigo conclui com uma chamada para redesenhar as relações econômicas globais, por meio de uma reavaliação da dinâmica dos termos de troca, da implementação de políticas de comércio justo e da promoção de modelos de desenvolvimento que priorizem o bem-estar social e ambiental no Sul Global.
Os minerais críticos —como lítio e cobre— são fundamentais para a fabricação de baterias de veículos elétricos, turbinas eólicas, painéis solares e outras tecnologias verdes. No entanto, sem uma abordagem estratégica, esses países correm o risco de perpetuar um modelo econômico baseado no extrativismo, que historicamente tem gerado pouco valor agregado localmente, exacerbando desigualdades e causando danos ambientais significativos.
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