29 de junho de 2023

Boas notícias na economia e uma pedra no caminho

Copom se disfarça como mero espectador de jogo viciado em que só ele pode ganhar

André Roncaglia
Professor de economia da Unifesp e doutor em economia do desenvolvimento pela FEA-USP

Folha de S.Paulo

O encerramento do primeiro semestre de 2023 traz uma safra de boas notícias para o governo Lula. Os saldos recordes da balança comercial e os influxos de capital estrangeiro ao país vêm segurando a taxa de câmbio abaixo de R$ 4,8/US$. Isso não apenas reduz a inflação como eleva, a curto prazo, o poder de compra dos salários, fortalecendo o consumo.

As crescentes projeções de crescimento do PIB em 2023 (2,2%) se apoiam no pacote de gastos do governo e, com uma atuação mais efetiva do BNDES, o investimento nas infraestruturas física e social tende a elevar o emprego e a renda, em linha com a descarbonização da economia.

A Finep planeja liberar R$ 40 bilhões (em quatro anos) para investimentos em inovação, com efeitos duradouros sobre a economia. O programa Minha Casa, Minha Vida estimulará a construção civil, e o programa Desenrola aliviará o endividamento familiar de um terço da população, enquanto o orçamento familiar se expande com o Bolsa Família turbinado e o reajuste real do salário mínimo.

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, durante coletiva de imprensa na sede da autarquia - Pedro Ladeira - 29.jun.2023/Folhapress

Do lado da oferta agregada, o relatório do Ibre-FGV mostrou que a produtividade do trabalho cresceu —pela primeira vez em anos— no primeiro trimestre de 2023. Na mesma linha, a aprovação da reforma dos tributos sobre consumo elevará a produtividade da economia e a confiança empresarial.

Mesmo com o desemprego estável em 8,5% em maio, a inflação oficial (IPCA) caiu para 3,9% em 12 meses, com possível deflação em junho. O efeito combinado de apreciação cambial e recuo dos preços internacionais de commodities tem causado deflação dos preços ao produtor. Com isso, o IGP-M acumula queda de 6,86%, e o IGP-DI, de 5,49%, em 12 meses. A safra recorde deste ano tende a derrubar ainda mais o Índice de Preços ao Produtor Amplo (IPA-DI), o qual caiu 3,37% em maio e acumula queda de 8,89%, em 12 meses; o Plano Safra lançado nesta semana estimula a produção de alimentos para o mercado interno, reforçando a pressão baixista sobre os preços.

A combinação dessas boas notícias fez os juros dos contratos da dívida pública com vencimento em 2031 caírem abaixo de 11% ao ano. Os dados deixam claro o espaço para o afrouxamento monetário, com economistas de mercado já fazendo mea-culpa pelos erros de previsão (autocrítica é exigir demais).

É, portanto, inusitado o Banco Central se prender, por vontade, às expectativas de inflação coletadas pelo boletim Focus. Mesmo com a clara predominância dos canais de custo (preços internacionais e taxa de câmbio) no comportamento da taxa de inflação brasileira, o BC impõe a narrativa do canal das expectativas como fiel da balança.

A retórica do BC lembra o Calvinball, da famosa tirinha Calvin: um jogo em que se pode mudar a regra para ganhar sempre. Depois de mudar várias vezes o motivo de manter a Selic na estratosfera, o Copom usa agora a reunião de junho do CMN, em que se discutiu a elevação da meta de inflação para o período 2024-2026.

Assim que se aventou essa possibilidade, o mercado elevou para 4% a meta de inflação efetiva para 2024. Na sua comunicação estabanada e em claro abuso da autonomia operacional do BC, Campos Neto deixou claro que a meta implícita adotada para 2023 é 5%, para 2024, 4%, e, para 2025, 3%. Essa convenção informal entre BC e mercado refuta, portanto, qualquer relação mecânica entre elevação da meta oficial e a desancoragem das expectativas.

O Copom se disfarça como mero espectador de um jogo viciado em que só ele pode ganhar. Manter a meta oficial em 3% foi a condição imposta para cortar a Selic em agosto, fechando 2023 perto de 11%. Esse é preço político (e institucional) que o BC cobra para devolver o oxigênio à economia.

Parafraseando Drummond, no meio do caminho para a retomada da economia tem uma pedra: o Copom sob Campos Neto.

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