18 de novembro de 2025

BRICS perde sua oportunidade

Unidos pela hostilidade de Trump, mas divididos demais para aproveitar o momento

OLIVER STUENKEL é Pesquisador Sênior da Carnegie Endowment for International Peace e Professor Associado da Escola de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo.

ALEXANDER GABUEV é Diretor do Centro Carnegie Rússia-Eurásia em Berlim.

Foreign Affairs

Cúpula do BRICS no Rio de Janeiro, julho de 2025
Ricardo Moraes / Reuters

Este ano, o BRICS — um grupo de dez países cujos cinco primeiros membros foram Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul — ganhou um renovado senso de propósito graças a um catalisador: os Estados Unidos. Com o retorno do presidente dos EUA, Donald Trump, à Casa Branca, o bloco se apresenta, mais do que nunca, como uma proteção necessária contra uma ordem global cada vez mais errática e fragmentada. Muitas das ações de Trump — incluindo sua caótica cruzada tarifária contra aliados e inimigos, os ataques ao Irã e as ações militares juridicamente questionáveis ​​na América Latina, além da retirada do Acordo de Paris sobre Mudanças Climáticas, apoiado pela ONU — suscitaram condenação por parte dos BRICS. As políticas de Trump evidenciaram a razão de ser dos BRICS: ajudar seus membros a se adaptarem e a construírem um mundo menos ocidentalizado, obterem maior influência em suas relações com Washington e encontrarem alternativas a instituições dominadas pelo Ocidente, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional.

Mas, apesar dos interesses em comum, os BRICS, como grupo, não estão preparados para aproveitar o momento. Seus membros — que agora incluem Egito, Etiópia, Irã, Indonésia e Emirados Árabes Unidos — estão muito divididos para transformar o grupo em um verdadeiro desafio a Washington. Os países do BRICS divergem significativamente em seu grau de antagonismo em relação aos Estados Unidos, e cada um deseja manter sua autonomia estratégica. Consequentemente, o bloco terá dificuldades para realizar ações conjuntas. Para unir e mobilizar sua força coletiva, o BRICS teria que se transformar em algo semelhante ao G7 — um grupo liderado pelos EUA, composto por países economicamente avançados que, em prol da promoção de seus objetivos e valores comuns, sacrificariam voluntariamente um grau significativo de autonomia estratégica. No entanto, os países do BRICS, cujo vínculo se baseia principalmente na rejeição coletiva do poder hegemônico dos EUA, não encontrarão a coesão necessária para tornar o bloco uma força geopolítica eficaz.

A FORÇA ESTÁ NOS NÚMEROS

Enquanto os presidentes americanos anteriores ignoraram amplamente o BRICS, Trump adotou uma postura mais confrontativa. Ele chamou o BRICS de "bloco anti-americano" e ameaçou repetidamente impor tarifas de 100% sobre seus membros caso eles substituíssem o dólar americano como moeda de reserva. Por ora, o governo Trump não está atacando o bloco como um todo, mas sim buscando conflitos com países individualmente. Alguns membros do BRICS, como China e Rússia, estão mais bem preparados para resistir à pressão americana do que outros, como Brasil, Índia e África do Sul. Mas todos agora têm uma compreensão mais clara de que são mais fortes juntos do que separados: quanto mais dominante os Estados Unidos se comportarem, mais importante o grupo será para seus membros.

Há anos, Pequim vem alertando os demais membros do BRICS de que a ordem liderada pelos EUA é instável e sujeita às oscilações de humor político de Washington e seus aliados. A liderança chinesa apresentou o retorno de Trump e a falta de confiabilidade dos Estados Unidos como parceiro no desenvolvimento como prova de que o esforço de Pequim para construir instituições paralelas, como o Novo Banco de Desenvolvimento, não foi prematuro, mas sim visionário. E as consequências das tarifas do "Dia da Libertação" de Trump, incluindo a volatilidade no mercado de títulos dos EUA e a flutuação do dólar, levaram alguns países em desenvolvimento a tomar medidas para se protegerem da exposição ao dólar. Para a China e seus parceiros no BRICS, esses acontecimentos representam uma oportunidade de alavancar serviços financeiros que não são controlados pelos Estados Unidos, desenvolver ferramentas para reduzir sua dependência do dólar e facilitar o comércio em moedas alternativas.

Moscou também vê vantagens no caos semeado pelo governo Trump. Durante o governo Biden, os Estados Unidos e outros países ocidentais impuseram sanções sem precedentes contra a Rússia em resposta à guerra de agressão do Kremlin contra a Ucrânia. O retorno de Trump à Casa Branca apresentou ao presidente russo Vladimir Putin uma oportunidade para melhorar, senão normalizar, as relações com Washington. Trump reduziu drasticamente o apoio financeiro à Ucrânia, mas continua a fazer ameaças periódicas contra Moscou e sancionou os dois maiores produtores de petróleo da Rússia. É por isso que a Rússia percebe que precisa fortalecer sua parceria com os demais países do BRICS e usar o grupo como uma rede de apoio para resistir à pressão das sanções ocidentais e corroer a hegemonia global dos EUA nas áreas de finanças e tecnologia.

As políticas de Trump expuseram de forma contundente a razão de ser do BRICS.

A cruzada de Trump contra o Brasil, a Índia e a África do Sul também desencadeou forças que, em teoria, deveriam aproximar os membros do BRICS. Trump impôs tarifas de 50% sobre as importações brasileiras no início deste ano, alegando que a investigação contra o ex-presidente Jair Bolsonaro tinha motivação política. Quando o Supremo Tribunal Federal condenou Bolsonaro por tentativa de golpe, Trump intensificou ainda mais a situação, sancionando um ministro do Supremo Tribunal Federal ligado ao caso e cancelando os vistos de diversos funcionários do judiciário e do governo brasileiro. Essas medidas apenas levaram o Brasil a estreitar seus laços com os demais membros do BRICS. Como um dos assessores de Lula destacou recentemente, os ataques de Trump “estão reforçando nossas relações com o BRICS, porque queremos ter relações diversificadas e não depender de nenhum país em particular”. Mesmo antes da condenação de Bolsonaro, Lula já vinha buscando o apoio dos aliados do BRICS e realizando visitas oficiais à China e à Rússia, bem como ao Vietnã, que se tornou parceiro do BRICS em junho. Mas a postura belicosa de Trump certamente acelerará essa tendência.

O atrito diplomático entre a África do Sul e os Estados Unidos teve resultados igualmente previsíveis. As relações atingiram um novo patamar de tensão após o encontro de Trump com o presidente sul-africano Cyril Ramaphosa, em maio. Em um encontro tenso, amplamente divulgado e analisado pela mídia sul-africana, Trump surpreendeu Ramaphosa com alegações falsas e inflamatórias sobre um "genocídio branco" contra fazendeiros africâneres. A retórica de Trump ecoou teorias da conspiração extremistas e buscou agradar segmentos de sua base eleitoral interna, mas chocou e ofendeu sul-africanos de todo o espectro político. O governo Trump já havia expulsado o embaixador da África do Sul, ameaçado impor pesadas sanções comerciais e cancelado programas de ajuda. Para a liderança sul-africana, o desastroso encontro na Casa Branca foi mais uma prova de que os Estados Unidos deixaram de ser um parceiro confiável. Diante de um governo particularmente hostil em Washington, Pretória tem amplos motivos para buscar maior cooperação intra-BRICS — não por afinidade ideológica com seus membros, mas pela necessidade estratégica de se proteger contra um Estados Unidos errático e punitivo.

Mesmo na Índia, um país que passou a maior parte das últimas duas décadas cultivando laços estreitos com Washington, os formuladores de políticas estão bem cientes de que precisam se precaver diante da imprevisibilidade de Trump. Este ano, Washington deportou milhares de cidadãos indianos, paralisou as negociações sobre um acordo comercial bilateral e impôs tarifas de 50% sobre produtos indianos. Os formuladores de políticas indianos estão agora firmemente comprometidos com uma estratégia de “multialinhamento”, na qual o BRICS serve não apenas como uma plataforma de cooperação entre os países do chamado Sul global, mas também como uma apólice de seguro geopolítico para quando os compromissos dos EUA não forem mais confiáveis.

Sentimentos semelhantes são palpáveis ​​nas outras capitais do BRICS, onde os líderes temem que a estreita parceria com os Estados Unidos possa se tornar um fardo. Não surpreendentemente, o número de países que desejam ingressar no BRICS, seja como membros plenos ou países parceiros, continua crescendo. Essa lista inclui Bangladesh, Bielorrússia, Bolívia, Cuba, Cazaquistão, Malásia, Nigéria, Senegal, Tailândia, Uganda, Uzbequistão, Venezuela e Vietnã. O desejo de diversificar as parcerias não surgiu apenas por causa de Trump, é claro. A Turquia, por exemplo, manifestou interesse em se tornar membro pleno do BRICS muito antes do retorno de Trump. Mas o segundo mandato do presidente elevou o multialinhamento de uma aspiração distante a uma estratégia urgente.

AVANÇANDO COM DIFICULDADES

E, no entanto, o BRICS não está pronto para aproveitar este momento. À medida que o grupo cresceu em tamanho, também cresceram suas contradições internas. Isso não é de todo surpreendente. Tanto o Brasil quanto a Índia, temendo a perda de sua própria influência e preocupados com a coesão do grupo, opuseram-se por muito tempo à expansão, antes de cederem à pressão chinesa em 2023. Egito, Etiópia, Indonésia, Irã e Emirados Árabes Unidos aderiram nos últimos três anos.

Em uma reunião de ministros das Relações Exteriores do BRICS no Rio de Janeiro, em abril, os Estados-membros não conseguiram, pela primeira vez, emitir um comunicado conjunto. O impasse ressaltou as crescentes divisões dentro do bloco sobre o ritmo e a direção da desdolarização, o nível de antagonismo em relação aos Estados Unidos e as aspirações de Pequim à liderança do grupo. Neste caso, a fonte de desacordo foi um tema de longa data de importância simbólica para o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva: a reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Tanto o Egito quanto a Etiópia se opuseram a uma linguagem que reconheceria as aspirações da África do Sul por um assento permanente, evidenciando as complicações introduzidas pela recente expansão do grupo. E em julho, em um desenvolvimento sem precedentes, vários chefes de Estado não participaram presencialmente de uma cúpula do BRICS, e apenas metade dos dez países membros do bloco enviou delegações; os demais participaram remotamente.

O bombardeio americano às instalações nucleares iranianas em junho poderia ter unificado o BRICS. Diversos governos membros se mostraram consternados com os ataques, argumentando que os Estados Unidos agiram unilateralmente, de forma perigosa e sem levar em consideração as normas internacionais. Para a China e a Rússia, os ataques confirmaram críticas antigas ao militarismo americano; para o Brasil e a África do Sul, países que historicamente priorizaram a não intervenção e a resolução pacífica de conflitos, o ataque foi visto como uma ação imprudente que minou a estabilidade global. Para a Índia, o ataque não foi apenas uma violação do direito internacional, mas também um ataque a um fornecedor vital de energia. No final das contas, a declaração conjunta do BRICS, publicada vários dias após o atentado, foi notavelmente vaga, sequer mencionando Israel ou os Estados Unidos, revelando a incapacidade do grupo de falar a uma só voz.

À medida que o BRICS cresceu em tamanho, também cresceram suas contradições internas.

O atrito é visível também em outras frentes. As exportações chinesas fortemente subsidiadas, incluindo aço, têxteis e automóveis, ameaçam as indústrias locais em países como o Brasil e a África do Sul. As tensões resultantes complicam a coordenação econômica intra-BRICS, já que os governos enfrentam pressão interna para adotar medidas protecionistas contra produtos chineses. Embora a China esteja ansiosa para usar o BRICS como plataforma para expandir sua influência e divulgar seu modelo de governança, outros membros permanecem cautelosos em subordinar seus interesses às ambições de Pequim. Uma recente cúpula virtual dos líderes do BRICS, convocada por Lula e com o objetivo de desenvolver uma estratégia comum contra as tarifas americanas, produziu poucos resultados tangíveis.

Apesar da renovada urgência criada pelo retorno de Trump ao poder, o BRICS continua paralisado pelas mesmas fragilidades estruturais que há muito limitam sua eficácia: interesses nacionais divergentes, prioridades econômicas conflitantes e uma profunda desconfiança nas ambições geopolíticas uns dos outros. A expansão apenas intensificou esses desafios, adicionando mais atores e contradições a uma organização já complexa. Pequim pode ver a beligerância de Trump como prova conclusiva da falta de confiabilidade dos Estados Unidos, mas outros membros relutam em se alinhar muito estreitamente com a China ou em subordinar suas próprias agendas nacionais a um único líder. A coesão do grupo ainda está longe de ser alcançada.

No futuro previsível, o grupo provavelmente continuará a se arrastar — atraindo novos membros, produzindo grandes declarações e, ocasionalmente, coordenando posições, mas ficando muito aquém de se tornar a base de um novo modelo de governança global. Trump lembrou aos membros do BRICS por que o bloco é importante, ao mesmo tempo em que expôs por que ele não consegue estar à altura da situação.

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