14 de novembro de 2025

O capitalismo facilitou os crimes de Jeffrey Epstein

As estratégias que Jeffrey Epstein usou para ocultar o dinheiro que financiava sua organização de tráfico sexual eram perfeitamente legais. Na verdade, são as mesmas estratégias legais que a maior parte do 0,1% mais rico usa para evitar impostos e outras regulamentações.

Carl Beijer

Embora Jeffrey Epstein provavelmente tenha usado chantagem e outros esquemas ilegais para evitar ser processado por seus crimes, sua principal estratégia — a gestão de patrimônio em paraísos fiscais — não era apenas legal, mas também uma característica central do capitalismo financeiro moderno. (Patrick McMullan via Getty Images)

Jeffrey Epstein volta a ser notícia, desta vez após o Comitê de Supervisão da Câmara dos Representantes divulgar um extenso acervo de sua correspondência ao longo dos anos. Por um lado, o raro vislumbre do mundo das negociações de poder da elite que isso proporciona é fascinante. Como a maioria dos ricos, Epstein e seus cúmplices claramente acreditavam estar acima da lei e frequentemente discutiam seus esquemas de chantagem em termos bastante diretos. Por exemplo, em uma carta para Epstein, o jornalista Michael Wolff diz sobre Donald Trump: “Se ele disser que não esteve no avião ou na casa […] você poderia salvá-lo, gerando uma dívida.”

Em um artigo para a revista American Prospect, David Dayen argumenta que o caso Epstein é, em essência, um exemplo de impunidade da elite frente a seus crimes. Ele apresenta as evidências sobre a rede de tráfico humano que Epstein comandava e o número incontável de pessoas ricas envolvidas; em seguida, resume tudo como “um conjunto de crimes perpetrados por um indivíduo rico que atingiram os mais altos escalões da esfera política e econômica, e que permaneceram praticamente impunes por décadas”.

A dimensão criminal do caso Epstein é importante, mas acho que o foco de Dayen nela deixa de lado algo crucial: que muito do que Epstein fez era completamente legal.

A organização de tráfico humano de Epstein dependia inteiramente do setor de gestão de patrimônio (WMI). Foi assim que ele obteve o capital para construí-la e como ocultava suas atividades das autoridades. E nada disso configurava como um uso abusivo do setor; é precisamente assim que o WMI foi projetado para funcionar. Tampouco se trata de burlar a lei, pois tanto a legislação estadunidense quanto a internacional foram cuidadosamente elaboradas para acomodar o WMI.

Dayen menciona de passagem que “a fonte da riqueza de Epstein” provém da obtenção de uma procuração sobre o patrimônio de Les Wexner, “da qual ele se apropriou de grandes quantias de dinheiro” — mas isso pode ser facilmente interpretado erroneamente como um eufemismo para roubo. Na verdade, Epstein era o gestor financeiro pessoal de Wexner, e sua “apropriação” dos fundos de Wexner é perfeitamente comum no caso do WMI — até mesmo esperada.

“Nós somos a equipe que opera a máquina que canaliza recursos dos 90% para os 0,1% restantes”, disse o gestor de patrimônio Matthew Stuart ao autor Chuck Collins em seu livro Wealth Hoarders [Acumuladores de Riqueza]. “Temos ficado felizes em receber nossa parte dos lucros.”

Como os capitalistas dependem de estratégias jurídicas e financeiras extraordinariamente complexas para ocultar sua riqueza, eles se tornaram cada vez mais dependentes da experiência — e da discrição — dos gestores de patrimônio. Brooke Harrington, em Offshore, explica:

Muitos dos ultra-ricos guardam segredos politicamente sensíveis e potencialmente explosivos de natureza financeira, jurídica e pessoal. Como disse um gestor de patrimônio suíço que entrevistei, os clientes precisam, metaforicamente, “se despir diante de você”, porque todas as suas informações mais privadas afetam suas fortunas e as estratégias jurídico-financeiras necessárias para protegê-las.

Há motivos para acreditar que Epstein possa ter se aproveitado de alguns desses segredos pessoais para ter acesso à fortuna de Wexner, mas também há motivos para crer que a verdade seja muito mais prosaica. O antigo gestor de patrimônio de Wexner, Harold Levin, especulou que Epstein assumiu o controle de propriedades que Wexner havia comprado com ações de sua empresa; como os bancos não eram mais os proprietários, não havia nenhum registro documental mostrando o que Epstein fez com elas. Outra fonte próxima a Wexner, Jerry Merritt, tem uma explicação ainda mais simples:

Merritt lembrou-se de ter perguntado a Wexner por que Epstein era tão bem remunerado. “Les simplesmente respondeu: ‘Porque tenho mais dinheiro do que jamais poderei gastar’”, disse Merritt. “Les lhe dava carta branca para usar seu talão de cheques.”

Esta é, mais uma vez, uma história comum no setor de gestão de patrimônio: indivíduos e famílias abastadas deixam a gestão do capital a cargo de um pequeno grupo de advogados e contadores bem posicionados, que conseguem explorar sua posição para exigir salários exorbitantes.

Mas o capitalismo não apenas forneceu o capital inicial para as operações de Epstein. Ele também forneceu todo um aparato jurídico e financeiro que o ajudou a encontrar vítimas e disfarçar suas transações. Um artigo na revista Deviant Behavior, do sociólogo Thomas Volscho, observa que, inicialmente, “o principal meio de acesso a potenciais vítimas envolvia Epstein usando a filantropia para obter acesso a instituições voltadas para jovens”.

Em particular, Epstein parece ter usado sua imensa riqueza para comprar influência em organizações juvenis voltadas para crianças em situação de vulnerabilidade financeira e, em seguida, explorado a desigualdade de riqueza para controlá-las. Esse foi um passo natural para Epstein, já que gestores de patrimônio frequentemente trabalham com organizações de caridade para fins de evasão fiscal. Conforme sua conspiração se desenvolvia, escreve Volscho, a “rede de tráfico sexual de Epstein era financiada por sua empresa de consultoria em planejamento tributário, onde ele ajudava principalmente pessoas ricas a evitar a tributação sobre a venda e/ou herança de seus bens e rendimentos”.

Epstein também usou sua experiência para construir o escudo legal da conspiração — o que um processo federal descreveu como um

infraestrutura financeira complexa, que envolvia dezenas de contas bancárias em diversas instituições, muitas das quais em nome de entidades corporativas sem qualquer propósito comercial legítimo, que parecem ter sido criadas simplesmente para facilitar o empreendimento ilegal de tráfico sexual.

O empreendimento em si era ilegal, obviamente. Mas a infraestrutura que Epstein usou para escondê-lo — as elaboradas redes de empresas de fachada e beneficiários misteriosos, geralmente localizadas em jurisdições offshore com leis de transparência financeira frouxas — eram perfeitamente legais. E são, além disso, os mesmos mecanismos legais que a maior parte do 0,1% mais rico usa para evitar impostos e outras regulamentações.

Para perceber o quão normalizadas essas estratégias são entre os ricos, basta ler algumas das correspondências de Epstein com os magnatas. Em 2013, por exemplo, o oligarca da família Pritzker, Thomas, contatou Epstein quando sua prima, Penny Pritzker, virou notícia por esconder US$ 80 milhões de sua fortuna do governo. “Claramente fiz algo errado na minha vida passada para ter que lidar com essa merda”, escreve Thomas. “E eu a avisei.”

Embora essa troca de mensagens possa parecer tangencial aos crimes de Epstein, o subtexto é tudo. “A família Pritzker não construiu apenas hotéis”, escreve Aaron Berick, executivo da WMI:

Eles criaram o modelo para a preservação da riqueza intergeracional que todo bilionário estuda hoje em dia... O segredo? Uma rede de fundos offshore estabelecida 50 anos antes que revolucionaria a forma como os ultra-ricos dos EUA pensam sobre a preservação de fortunas familiares.

Em outras palavras, a conversa de Thomas com Epstein não é apenas entre conhecidos. É uma conversa entre dois especialistas do setor de gestão de patrimônio, lamentando como Penny Pritzker não conseguiu esconder sua riqueza adequadamente.

Portanto, embora Epstein provavelmente tenha usado chantagem e outros esquemas ilegais para evitar ser processado por seus crimes, sua principal estratégia — a gestão de patrimônio em paraísos fiscais — não era apenas legal, mas uma característica central do capitalismo financeiro moderno. Se a esquerda quer usar o caso Epstein para falar sobre a impunidade das elites, essa conversa precisa começar pelas estratégias que os ricos usam para ocultar suas finanças, estratégias essas que são completamente legais.

Colaborador

Carl Beijer é escritor no carlbeijer.com.

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