Editorial
Choldraboldra
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| Jon Benedict |
A política externa dos Estados Unidos para a América Latina vive um momento de inflexão que remete mais ao passado do que ao futuro. Sob o discurso da defesa da democracia, da segurança regional e da ordem internacional, emerge uma lógica de contenção que atualiza antigas doutrinas hemisféricas para um mundo em transição. A presença crescente da China — e, em menor grau, da Rússia — na região reativou em Washington uma visão estratégica que trata a América Latina como espaço exclusivo de influência, onde potências extra-regionais devem ser mantidas à distância. O resultado é uma política que combina retórica moderna com reflexos geopolíticos do século XX.
Essa reconfiguração não se apresenta oficialmente como uma nova Doutrina Monroe, mas opera segundo seus pressupostos centrais. Autoridades norte-americanas têm sido cada vez mais explícitas ao classificar a presença chinesa na América Latina como uma ameaça à segurança nacional dos EUA. Infraestrutura portuária, redes de telecomunicações, mineração, energia e financiamento estatal passam a ser enquadrados não como decisões soberanas dos países latino-americanos, mas como riscos estratégicos que exigem vigilância e resposta. Trata-se de uma mudança significativa: a China deixa de ser apenas concorrente econômica e passa a ser tratada como adversária sistêmica no próprio “quintal” norte-americano.
Essa lógica de contenção se expressa por múltiplos instrumentos. Há pressão diplomática para que países limitem acordos com empresas chinesas, alertas sobre “armadilhas da dívida”, tentativas de bloquear projetos de infraestrutura e esforços para redefinir cadeias produtivas em moldes politicamente alinhados aos interesses dos EUA. Ao mesmo tempo, Washington busca revitalizar sua presença regional por meio de iniciativas econômicas seletivas, cooperação militar e discursos de parceria estratégica. O problema é que esse reengajamento raramente rompe com a assimetria histórica que marcou as relações hemisféricas.
A novidade não está no desejo de influência, mas na forma como ele é justificado. Diferentemente da Guerra Fria, quando o inimigo era ideológico e claramente definido, a atual contenção se apoia em argumentos difusos de segurança, tecnologia e governança global. A China é apresentada como ameaça não por impor um modelo político, mas por oferecer alternativas econômicas que reduzem a dependência latino-americana em relação aos Estados Unidos. Assim, a contenção não se dirige apenas a regimes considerados autoritários, mas também a governos democraticamente eleitos que buscam diversificar parcerias.
Essa postura revela uma contradição fundamental. Ao defender a soberania e a democracia, os Estados Unidos frequentemente deslegitimam escolhas soberanas feitas por países da região. Quando um governo latino-americano decide ampliar relações com a China por razões econômicas ou estratégicas, essa decisão passa a ser interpretada como sinal de fragilidade institucional ou alinhamento indevido. A mensagem implícita é clara: a autonomia é aceitável apenas dentro dos limites definidos por Washington.
Ao mesmo tempo, a política de contenção reforça dinâmicas que pretende evitar. A pressão norte-americana tende a empurrar países para parcerias ainda mais profundas com a China, que se apresenta como alternativa menos condicionada e mais pragmática. Em vez de reduzir a influência chinesa, a lógica da contenção contribui para consolidá-la, alimentando a percepção de que os EUA oferecem advertências e sanções, enquanto Pequim oferece crédito, obras e mercados.
O impacto dessa estratégia sobre a América Latina é preocupante. Ao transformar a região em fronteira avançada da rivalidade global, os Estados Unidos reeditam uma lógica que historicamente limitou projetos de desenvolvimento autônomo. Países latino-americanos passam a ser pressionados a escolher lados em uma disputa que não criaram e cujos custos recaem desproporcionalmente sobre suas economias e sociedades. A multipolaridade, nesse sentido, não surge como oportunidade, mas como fonte de novas tensões.
A insistência em doutrinas de contenção revela, sobretudo, a dificuldade dos Estados Unidos em lidar com o declínio relativo de sua hegemonia. Em vez de adaptar-se a um mundo mais plural, Washington tenta preservar zonas de influência por meio de mecanismos cada vez menos eficazes. O problema é que a América Latina do século XXI não é a mesma do século XX: suas economias são mais diversificadas, seus vínculos globais mais amplos e sua tolerância à tutela externa, menor.
Se os Estados Unidos desejam manter relevância positiva na região, terão de abandonar a lógica da contenção e substituir doutrinas implícitas por parcerias reais. Isso implica aceitar a multipolaridade como dado, respeitar a autonomia dos países latino-americanos e competir com a China não por exclusão, mas por capacidade de oferecer projetos de desenvolvimento mais justos, estáveis e atraentes. Persistir em velhas doutrinas, ainda que sob novos nomes, é apostar em uma geopolítica que já não corresponde ao mundo que se desenha.
Essa reconfiguração não se apresenta oficialmente como uma nova Doutrina Monroe, mas opera segundo seus pressupostos centrais. Autoridades norte-americanas têm sido cada vez mais explícitas ao classificar a presença chinesa na América Latina como uma ameaça à segurança nacional dos EUA. Infraestrutura portuária, redes de telecomunicações, mineração, energia e financiamento estatal passam a ser enquadrados não como decisões soberanas dos países latino-americanos, mas como riscos estratégicos que exigem vigilância e resposta. Trata-se de uma mudança significativa: a China deixa de ser apenas concorrente econômica e passa a ser tratada como adversária sistêmica no próprio “quintal” norte-americano.
Essa lógica de contenção se expressa por múltiplos instrumentos. Há pressão diplomática para que países limitem acordos com empresas chinesas, alertas sobre “armadilhas da dívida”, tentativas de bloquear projetos de infraestrutura e esforços para redefinir cadeias produtivas em moldes politicamente alinhados aos interesses dos EUA. Ao mesmo tempo, Washington busca revitalizar sua presença regional por meio de iniciativas econômicas seletivas, cooperação militar e discursos de parceria estratégica. O problema é que esse reengajamento raramente rompe com a assimetria histórica que marcou as relações hemisféricas.
A novidade não está no desejo de influência, mas na forma como ele é justificado. Diferentemente da Guerra Fria, quando o inimigo era ideológico e claramente definido, a atual contenção se apoia em argumentos difusos de segurança, tecnologia e governança global. A China é apresentada como ameaça não por impor um modelo político, mas por oferecer alternativas econômicas que reduzem a dependência latino-americana em relação aos Estados Unidos. Assim, a contenção não se dirige apenas a regimes considerados autoritários, mas também a governos democraticamente eleitos que buscam diversificar parcerias.
Essa postura revela uma contradição fundamental. Ao defender a soberania e a democracia, os Estados Unidos frequentemente deslegitimam escolhas soberanas feitas por países da região. Quando um governo latino-americano decide ampliar relações com a China por razões econômicas ou estratégicas, essa decisão passa a ser interpretada como sinal de fragilidade institucional ou alinhamento indevido. A mensagem implícita é clara: a autonomia é aceitável apenas dentro dos limites definidos por Washington.
Ao mesmo tempo, a política de contenção reforça dinâmicas que pretende evitar. A pressão norte-americana tende a empurrar países para parcerias ainda mais profundas com a China, que se apresenta como alternativa menos condicionada e mais pragmática. Em vez de reduzir a influência chinesa, a lógica da contenção contribui para consolidá-la, alimentando a percepção de que os EUA oferecem advertências e sanções, enquanto Pequim oferece crédito, obras e mercados.
O impacto dessa estratégia sobre a América Latina é preocupante. Ao transformar a região em fronteira avançada da rivalidade global, os Estados Unidos reeditam uma lógica que historicamente limitou projetos de desenvolvimento autônomo. Países latino-americanos passam a ser pressionados a escolher lados em uma disputa que não criaram e cujos custos recaem desproporcionalmente sobre suas economias e sociedades. A multipolaridade, nesse sentido, não surge como oportunidade, mas como fonte de novas tensões.
A insistência em doutrinas de contenção revela, sobretudo, a dificuldade dos Estados Unidos em lidar com o declínio relativo de sua hegemonia. Em vez de adaptar-se a um mundo mais plural, Washington tenta preservar zonas de influência por meio de mecanismos cada vez menos eficazes. O problema é que a América Latina do século XXI não é a mesma do século XX: suas economias são mais diversificadas, seus vínculos globais mais amplos e sua tolerância à tutela externa, menor.
Se os Estados Unidos desejam manter relevância positiva na região, terão de abandonar a lógica da contenção e substituir doutrinas implícitas por parcerias reais. Isso implica aceitar a multipolaridade como dado, respeitar a autonomia dos países latino-americanos e competir com a China não por exclusão, mas por capacidade de oferecer projetos de desenvolvimento mais justos, estáveis e atraentes. Persistir em velhas doutrinas, ainda que sob novos nomes, é apostar em uma geopolítica que já não corresponde ao mundo que se desenha.

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