Ben Wray
A tomada de controle de uma empresa de tecnologia de propriedade chinesa foi uma jogada ousada do governo holandês, tensionando as relações da União Europeia com Pequim. O Ministro da Economia, Vincent Karremans, chocou o mundo empresarial em setembro ao invocar poderes nunca antes utilizados para assumir o comando da empresa de semicondutores Nexperia, subsidiária da chinesa Wingtech.
Na época, seu ministério alertou para as ameaças à “segurança econômica holandesa e europeia” decorrentes das “deficiências” da Wingtech na gestão da Nexperia, cuja sede fica na cidade holandesa de Nijmegen. O governo queria “evitar uma situação em que os produtos fabricados pela Nexperia (produtos acabados e semiacabados) se tornassem indisponíveis em uma emergência”.
No entanto, em uma reviravolta surpreendente nesta quarta-feira, Karremans suspendeu a intervenção. O que mudou?
Nas sete semanas entre a intervenção e a mudança de posição, a Europa se deparou com a realidade de sua própria fragilidade econômica e geopolítica. A China respondeu com uma demonstração de força, revelando sua capacidade de cortar cadeias de suprimentos vitais para a indústria europeia.
A humilhação da Nexperia é um estudo de caso sobre a profunda dependência da Europa em relação a tecnologias críticas e a consequente perda de soberania política que essa dependência econômica acarreta. Mas também nos revela algo sobre a armadilha geopolítica em que o continente caiu. A verdade sobre a história da Nexperia é que os holandeses sequer teriam considerado o risco de enfrentar a China se a empresa não estivesse na mira do imperialismo americano.
Pressão americana
"Não fomos absolutamente pressionados ou coagidos pelos americanos a tomar qualquer medida nesse sentido", afirmou Karremans em uma entrevista recente sobre a crise da Nexperia, uma negação que contradiz tudo o que sabemos sobre o ocorrido.
O fato é que as autoridades americanas anunciaram em 30 de setembro que estavam reprimindo as subsidiárias que a China utilizava para contornar a proibição americana de venda de chips e equipamentos para fabricação de chips à China. Uma dessas subsidiárias na “lista de entidades”, uma lista negra de Washington para o comércio com os EUA, era a Nexperia. A empresa matriz, Wingtech, estava na lista desde dezembro de 2024.
A Nexperia está sediada na Holanda, não nos Estados Unidos, então, em teoria, os holandeses poderiam ignorar a lista de entidades. No entanto, a realidade das sanções secundárias dos EUA contra aqueles que negociam com países considerados inimigos é que as empresas europeias que não se alinham à política de Washington correm o risco de serem excluídas dos mercados americanos e do dólar, uma ameaça existencial para a maioria das grandes empresas.
Segundo Karremans, os Países Baixos tomaram conhecimento de que a Wingtech era alvo de Washington em 2023. Como qualquer ministro de um estado vassalo faria, Karremans começou então a negociar com a Wingtech sobre como a Nexperia poderia se tornar independente de sua empresa matriz para garantir a continuidade de suas operações e, ao mesmo tempo, atender aos requisitos da lista negra dos EUA.
Durante o andamento das negociações com a Wingtech, Karremans afirma que encontraram evidências de que a empresa estava transferindo propriedade intelectual e parte de sua capacidade produtiva para a China. Em 30 de setembro, no mesmo dia em que a lista negra de subsidiárias dos EUA foi divulgada, o governo holandês invocou a Lei de Disponibilidade de Bens (Disponibility of Goods Act), da época da Guerra Fria, para confiscar a Nexperia.
O governo holandês alegou que a coincidência entre o confisco e o anúncio da lista negra dos EUA foi “pura coincidência”. No entanto, um processo judicial relacionado à disputa da Nexperia deixa absolutamente claro que isso não é verdade. Os documentos judiciais descrevem uma reunião em 12 de junho entre autoridades holandesas e americanas, durante a qual o lado americano expressou sua insatisfação com o fato de “nenhuma medida externa visível ter sido tomada”.
O documento prossegue citando o funcionário americano, que afirma: “É compreensível que um desinvestimento leve tempo... mas o fato de o CEO da empresa ainda ser o mesmo proprietário chinês é problemático... É quase certo que o CEO terá que ser substituído para que a empresa se qualifique para a isenção da lista de entidades.”
Os documentos também destacam um e-mail de 5 de junho do governo holandês para a Nexperia, que afirma que, caso a Nexperia solicite uma isenção da proibição de exportação, “os EUA indicaram que considerarão especificamente medidas de mitigação para limitar a transferência de propriedade intelectual, tecnologia, conhecimento e capacidades americanas para o país em questão.”
Essa evidência nada mais é do que a confirmação do óbvio: a Holanda foi forçada pelos Estados Unidos a escolher entre o desinvestimento chinês na Nexperia ou a Nexperia ser tratada como lixo tóxico pelo governo americano e pelas grandes empresas americanas. Os holandeses, como sempre fazem, optaram por seguir a linha de Washington, mas, ao tentarem agradar ao Tio Sam, cutucaram a cauda do dragão chinês e provocaram uma reação negativa.
Escassez de semicondutores
Os semicondutores são os motores da economia digital. Quase todos os produtos são digitais hoje em dia, de geladeiras a relógios e assentos, o que significa que os chips estão presentes em praticamente tudo. A Europa responde por menos de 10% da produção global de chips e importa muito mais do que exporta.
Portanto, quando a Wingtech respondeu à tomada de controle da Nexperia pelo governo holandês, cortando o acesso da subsidiária às suas instalações de produção em Guangdong, na China — paralisando 70% da produção da Nexperia —, os problemas começaram a surgir para os fabricantes europeus. A situação se agravou quando o governo chinês proibiu a Wingtech de vender seus chips em qualquer lugar que não fosse a China.
As montadoras, em particular, entraram em pânico repentinamente. Os chips da Nexperia, fabricados em Manchester, Inglaterra, e Hamburgo, Alemanha, e enviados para Guangdong para montagem e reexportação, são amplamente utilizados na fabricação de automóveis na Europa. No final de outubro, as montadoras europeias estavam, segundo relatos, a "dias" de fechar linhas de produção devido à escassez de chips.
“Nosso apelo é para que a Nexperia China e a Nexperia UE se unam e retomem as operações normais, porque o que está acontecendo é inexplicável e devastador para centenas de setores”, disse um executivo da indústria automobilística ao Financial Times.
Quando a indústria automobilística alemã enfrenta problemas, políticos em Berlim e Bruxelas agem rapidamente. A Alemanha e a União Europeia pressionaram o governo holandês a negociar com a China e resolver a crise. Uma delegação holandesa viajou a Pequim para as negociações, mas logo ficou claro que a China buscava uma submissão completa, não um acordo de compromisso.
“A China espera que a Alemanha desempenhe um papel ativo, instando o governo holandês a tomar medidas práticas o mais rápido possível para corrigir suas práticas errôneas, revogar as medidas relevantes e promover uma resolução rápida do problema”, disse a ministra do Comércio da China em uma ligação com seu homólogo alemão.
No fim, a ameaça às montadoras europeias foi resolvida não por políticos europeus, mas por Donald Trump. Isso aconteceu depois que o presidente americano firmou um acordo com o presidente chinês Xi Jinping no início de novembro, que suspendeu as sanções contra empresas na lista de entidades. Em contrapartida, a Wingtech voltou a exportar seus chips para montadoras ocidentais.
Depois de pressionar os holandeses a entrarem em uma disputa comercial com a China sobre o Nexperia, que não tinham como vencer, os EUA simplesmente descartaram toda a lista de entidades quando lhes foi conveniente. Os Países Baixos, e de fato a Europa, foram usados como peões nos jogos de poder de Trump com Pequim.
Impenitente
Com a ameaça de inclusão na lista negra dos Estados Unidos dissipada, o governo holandês estava livre para se reconciliar com a China, devolvendo o controle da Nexperia à Wingtech. Tudo o que o espetáculo da Nexperia conseguiu foi demonstrar o quão submissa a Europa é aos Estados Unidos e o quão dependente é da China.
Apesar da farsa, Karremans não demonstra arrependimento, insistindo que não faria nada diferente se tivesse outra chance.
“Se eu estivesse na mesma posição, com o conhecimento que tenho agora, teria feito a mesma coisa novamente”, disse ele ao The Guardian.
Essa teimosia é típica da classe política europeia, cuja arrogância é inversamente proporcional à sua perspicácia. Ninguém parece disposto sequer a levantar as questões difíceis que a crise da Nexperia expôs, muito menos a respondê-las.
A principal dessas questões é se a submissão da Europa aos Estados Unidos se tornou um grande problema no contexto da ascensão da China. Enquanto antes o resto do mundo teria que engolir os ditames de Washington, o acordo entre Trump e Xi Jinping — aceito pelo presidente americano somente depois que a China ameaçou cortar o fornecimento de matérias-primas essenciais para a economia dos Estados Unidos — demonstra que a China é capaz de reagir, alterando os cálculos para todos os países.
Presa entre o martelo do imperialismo americano e a bigorna da força industrial chinesa, a Europa está sendo pressionada econômica e politicamente. A reviravolta no caso Nexperia mostra que o "velho mundo" não só perdeu soberania para Washington, mas também para Pequim.
Acostumada a mandar na maior parte do mundo por séculos, a Europa declinou tanto e tão rapidamente que negar sua nova posição na ordem global se tornou a resposta padrão da classe política. Mas com o desastroso acordo comercial UE-EUA assinado em julho e agora com a humilhação do caso Nexperia, 2025 pode ser o ano em que a realidade comece a se impor.
Colaborador
Ben Wray é autor, juntamente com Neil Davidson e James Foley, de Scotland After Britain: The Two Souls of Scottish Independence (Verso Books, 2022).

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