Polícia sem controle é fator de insegurança para todos os cidadãos, culpados e inocentes
Carolina Ricardo
Advogada, socióloga e mestre em filosofia do direito, é diretora-executiva do Instituto Sou da Paz
Theo Dias
Advogado criminal, vice-presidente da Comissão de Segurança Pública da OAB/SP e professor da FGV Direito SP
[RESUMO] Autores argumentam que o êxito da repressão policial depende da articulação com inteligência e investigação e defendem medidas como o combate do tráfico de armas, a regulamentação de atividades econômicas vulneráveis ao crime e a coordenação entre União, estados e municípios para enfrentar facções.
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Alguma coisa está fora da ordem quando uma operação policial com 121 mortos, dos quais quatro policiais, é aprovada pela maioria da população. Na ordem natural das coisas, policial retorna vivo do trabalho e suspeito é submetido ao Judiciário.
Ao contrário do que costuma ocorrer em outras políticas públicas, as políticas criminais centradas na repressão penal não costumam ser avaliadas por seus resultados. A ausência de eficácia aumenta a demanda punitiva. Dobra-se a aposta, como se o problema fosse a dose do remédio, não o remédio. Segundo o penalista italiano Alessandro Baratta, há um círculo vicioso de resposta penal à ineficiência da pena.
Equipe de resgate em uniformes laranja e bege transporta corpos em caixas brancas para caminhão laranja em rua lotada por moradores e curiosos. Pessoas observam em silêncio, algumas com expressões de preocupação, enquanto câmeras registram a cena.Equipe de resgate em uniformes laranja e bege transporta corpos em caixas brancas para caminhão laranja em rua lotada por moradores e curiosos. Pessoas observam em silêncio, algumas com expressões de preocupação, enquanto câmeras registram a cena.
Ao contrário do que costuma ocorrer em outras políticas públicas, as políticas criminais centradas na repressão penal não costumam ser avaliadas por seus resultados. A ausência de eficácia aumenta a demanda punitiva. Dobra-se a aposta, como se o problema fosse a dose do remédio, não o remédio. Segundo o penalista italiano Alessandro Baratta, há um círculo vicioso de resposta penal à ineficiência da pena.
Equipe de resgate em uniformes laranja e bege transporta corpos em caixas brancas para caminhão laranja em rua lotada por moradores e curiosos. Pessoas observam em silêncio, algumas com expressões de preocupação, enquanto câmeras registram a cena.Equipe de resgate em uniformes laranja e bege transporta corpos em caixas brancas para caminhão laranja em rua lotada por moradores e curiosos. Pessoas observam em silêncio, algumas com expressões de preocupação, enquanto câmeras registram a cena.
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| Corpos de mortos em operação policial no Complexo da Penha, na zona norte do Rio de Janeiro - Eduardo Anizelli - 29.out.25/Folhapress |
Paradoxalmente, há muito conhecimento acumulado sobre o que dá certo em política de segurança. São experiências que indicam ausência de dicotomia entre prevenção e repressão, eficácia e direitos, que merecem ser reproduzidas.
Assim foi em Nova York, Medellín e Bogotá, na Colômbia. No Brasil, houve iniciativas exitosas em São Paulo, Minas Gerais, Pará e Pernambuco. Os governos do Rio Grande do Sul e do Espírito Santo estão tendo bons resultados com investigação, planejamento, prevenção e repressão.
Não há panaceia contra o crime organizado. A ocupação de territórios é uma medida necessária, inclusive com unidades táticas como o Bope ou a Rota, mas deve haver plano para o dia seguinte. O problema não é o Estado ausente, mas o Estado presente majoritariamente por repressão.
O governo Mário Covas implantou CICs (Centros Integrados de Cidadania) em áreas violentas da capital, com espaços para a polícia, a assistência social, o Judiciário, o Ministério Público, a Defensoria e "ouvidores" do bairro envolvidos em mediação de conflitos. Como costuma ocorrer, o programa não teve continuidade.
É legítimo pensar em novas leis, mas há excesso de tipos penais para Marcolas e Fernandinhos Beira-Mar. A prioridade é aprimorar o sistema penal para que criminosos graves sejam punidos, tirados de circulação e a prisão não seja quartel-general do crime.
Segundo o Instituto Sou da Paz, 36% dos cerca de 45 mil homicídios em 2023 geraram denúncias criminais até o fim de 2024. Dos 670 mil detentos do país, 13% são condenados por homicídio, 31% por tráfico de droga e 40% por crime contra o patrimônio. A condenação de homicidas enfraquece as facções, que usam a morte violenta como ferramenta de poder.
Em vez de inventar tipos penais para o que já é crime ou agravar penas, o Congresso deveria rever a política de drogas. Não há, porém, razão para otimismo. O populismo penal ampliará a porta giratória entre prisões e facções. O encarceramento gera dois traficantes: o preso e seu substituto nas ruas. Enxugamento de gelo.
O controle da corrupção é um desafio no combate ao crime organizado. Não há Estado oficial bom e Estado paralelo mau. Há um Estado infiltrado pelo crime, por meio de agentes públicos pagos para não aplicar a lei e facilitar atividades econômicas ilícitas.
O tráfico de armas deve ser combatido. Não basta apreender fuzis, é preciso rastreá-los, conectando polícias estaduais com a Polícia Federal e com as de outros países para produzir inteligência e identificar a origem das armas. Assim foi a Operação Dakovo em 2023, que identificou um empresário paraguaio que importava armas croatas para o Brasil, abastecendo o crime organizado.
É necessário regulamentar atividades econômicas vulneráveis à infiltração criminal: transporte público, construção civil, sistema financeiro, setor imobiliário etc. Bom exemplo, em São Paulo, foi a Lei do Desmanche, que impôs regras para venda de peças usadas, reduzindo o roubo e o furto de veículos.
A escala internacional das organizações criminosas brasileiras evidencia a urgência de uma política nacional, estruturada nas três instâncias federativas e nos três Poderes.
A União não deve invadir competências alheias, mas exercer papel de coordenação para que as ações tenham coerência e padrões de qualidade (bancos de dados nacionais e índice nacional de esclarecimento de homicídios, por exemplo). O governo federal deve também exercer melhor suas competências: crimes federais, controle de armas, regulação do sistema financeiro, polícia de fronteiras e cooperação penal internacional.
As operações Carbono Oculto e Fim da Linha, contra empresários ligados ao PCC nos setores de transporte urbano e de combustíveis, mostraram efeitos positivos da coordenação intergovernamental (Receita Federal, Conselho Administrativo de Defesa Econômica, Conselho de Controle de Atividades Financeiras, polícias, Ministério Público, Judiciário) quando se pretende asfixiar o poder econômico das organizações criminosas.
Segurança se produz com boas políticas, não com retórica ideológica de guerra contra narcoterroristas. Os agentes públicos devem mostrar superioridade moral em relação às facções, com as quais não se transige. O Estado deve garantir a ordem com firmeza e respeito à lei. Polícia sem controle é fator de insegurança para cidadãos, culpados e inocentes. Não há meio-termo.
Assim foi em Nova York, Medellín e Bogotá, na Colômbia. No Brasil, houve iniciativas exitosas em São Paulo, Minas Gerais, Pará e Pernambuco. Os governos do Rio Grande do Sul e do Espírito Santo estão tendo bons resultados com investigação, planejamento, prevenção e repressão.
Não há panaceia contra o crime organizado. A ocupação de territórios é uma medida necessária, inclusive com unidades táticas como o Bope ou a Rota, mas deve haver plano para o dia seguinte. O problema não é o Estado ausente, mas o Estado presente majoritariamente por repressão.
O governo Mário Covas implantou CICs (Centros Integrados de Cidadania) em áreas violentas da capital, com espaços para a polícia, a assistência social, o Judiciário, o Ministério Público, a Defensoria e "ouvidores" do bairro envolvidos em mediação de conflitos. Como costuma ocorrer, o programa não teve continuidade.
É legítimo pensar em novas leis, mas há excesso de tipos penais para Marcolas e Fernandinhos Beira-Mar. A prioridade é aprimorar o sistema penal para que criminosos graves sejam punidos, tirados de circulação e a prisão não seja quartel-general do crime.
Segundo o Instituto Sou da Paz, 36% dos cerca de 45 mil homicídios em 2023 geraram denúncias criminais até o fim de 2024. Dos 670 mil detentos do país, 13% são condenados por homicídio, 31% por tráfico de droga e 40% por crime contra o patrimônio. A condenação de homicidas enfraquece as facções, que usam a morte violenta como ferramenta de poder.
Em vez de inventar tipos penais para o que já é crime ou agravar penas, o Congresso deveria rever a política de drogas. Não há, porém, razão para otimismo. O populismo penal ampliará a porta giratória entre prisões e facções. O encarceramento gera dois traficantes: o preso e seu substituto nas ruas. Enxugamento de gelo.
O controle da corrupção é um desafio no combate ao crime organizado. Não há Estado oficial bom e Estado paralelo mau. Há um Estado infiltrado pelo crime, por meio de agentes públicos pagos para não aplicar a lei e facilitar atividades econômicas ilícitas.
O tráfico de armas deve ser combatido. Não basta apreender fuzis, é preciso rastreá-los, conectando polícias estaduais com a Polícia Federal e com as de outros países para produzir inteligência e identificar a origem das armas. Assim foi a Operação Dakovo em 2023, que identificou um empresário paraguaio que importava armas croatas para o Brasil, abastecendo o crime organizado.
É necessário regulamentar atividades econômicas vulneráveis à infiltração criminal: transporte público, construção civil, sistema financeiro, setor imobiliário etc. Bom exemplo, em São Paulo, foi a Lei do Desmanche, que impôs regras para venda de peças usadas, reduzindo o roubo e o furto de veículos.
A escala internacional das organizações criminosas brasileiras evidencia a urgência de uma política nacional, estruturada nas três instâncias federativas e nos três Poderes.
A União não deve invadir competências alheias, mas exercer papel de coordenação para que as ações tenham coerência e padrões de qualidade (bancos de dados nacionais e índice nacional de esclarecimento de homicídios, por exemplo). O governo federal deve também exercer melhor suas competências: crimes federais, controle de armas, regulação do sistema financeiro, polícia de fronteiras e cooperação penal internacional.
As operações Carbono Oculto e Fim da Linha, contra empresários ligados ao PCC nos setores de transporte urbano e de combustíveis, mostraram efeitos positivos da coordenação intergovernamental (Receita Federal, Conselho Administrativo de Defesa Econômica, Conselho de Controle de Atividades Financeiras, polícias, Ministério Público, Judiciário) quando se pretende asfixiar o poder econômico das organizações criminosas.
Segurança se produz com boas políticas, não com retórica ideológica de guerra contra narcoterroristas. Os agentes públicos devem mostrar superioridade moral em relação às facções, com as quais não se transige. O Estado deve garantir a ordem com firmeza e respeito à lei. Polícia sem controle é fator de insegurança para cidadãos, culpados e inocentes. Não há meio-termo.

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