Stefanie Prezioso
Jacobin
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O fascismo se baseava na violência e no terror, mas também na doutrinação, para impor uma nova hierarquia. (Keystone-France / Gamma-Rapho via Getty Images) |
Há mais de três décadas, o historiador britânico Tim Mason soou o alarme. Ele falou sobre um “desaparecimento de teorias ou conceitos articulados sobre o fascismo na pesquisa e na literatura acadêmica”. Examinando a relação entre o fascismo italiano e o nazismo alemão, Mason instou os estudiosos a identificarem as semelhanças “específicas” e os contrastes entre esses regimes, mantendo, ao mesmo tempo, um “estrito agnosticismo” quanto à singularidade radical de cada um deles. À primeira vista, tais debates podem parecer distantes do clima político atual, em que a discussão sobre o fascismo parece onipresente. No entanto, as questões levantadas por Mason ressoam fortemente também hoje.
À medida que a extrema-direita avança, da América Latina à Índia, dos Estados Unidos à Rússia e por toda a Europa, há uma necessidade urgente de analisar esse ressurgimento com rigor intelectual e profundidade histórica. Para além do choque inicial com a ascensão de tais forças, surge uma questão urgente: como reagir? Como alertar e mobilizar as forças sociais necessárias para contrariar a sua agenda? Compreender as raízes deste aparente “retorno do fascismo” está longe de ser simples. E será este o termo correto? O uso de “fascismo” para descrever as correntes políticas atuais continua a ser alvo de intenso debate. Para alguns, o rótulo é crucial, oferecendo uma estrutura para prever o que está por vir. Contudo, se a história certamente pode iluminar o presente, não pode predizer o futuro.
A crescente proliferação de variações da palavra “fascismo” continua a gerar debates. Fascismo tardio, fascismo preventivo, fascismo do fim dos tempos, fascismo fossilizado, fascismo trumpista — juntamente com “neo-”, “pós-”, “para-”, “semi-”, “micro-” e até mesmo “tecnofascismo” — não faltam rótulos para descrever um inimigo visto como avançando implacavelmente. Mas essa avalanche de terminologia mal disfarça a luta mais profunda para compreender uma realidade que, embora ecoe os capítulos mais sombrios do século XX, permanece, em muitos aspectos, radicalmente nova.
Como observou o historiador Eric Hobsbawm, “Quando as pessoas se deparam com aquilo para o qual nada em seu passado as preparou, elas tateiam em busca de palavras para nomear o desconhecido, mesmo quando não conseguem defini-lo nem compreendê-lo”. A analogia parece oferecer um caminho a seguir. Ela oferece um ponto de partida familiar para o desconhecido, ao mesmo tempo que fornece uma estrutura para a mobilização urgente da resistência.
Mas o debate vacila quando se trata de identificar esse inimigo. Lutar, sim — mas contra o quê? O imperativo de confrontar o perigo diretamente parece exigir o uso do termo “fascismo”. Contudo, tal palavra pode correr o risco de nos ancorar firmemente demais em interpretações do passado, dificultando uma análise rigorosa das realidades atuais e o desenvolvimento de respostas eficazes. Como observa o historiador Daniel Bessner, “As coisas podem ser assustadoras — as coisas são assustadoras — sem serem fascistas. Aliás, podem até ser mais assustadoras”.
O apelo de Mason por uma comparação sóbria, por uma análise atenta tanto às semelhanças quanto às diferenças, ainda oferece um caminho a seguir. Compreender a extrema-direita atual exige não nostalgia por categorias antigas nem analogias movidas pelo medo, mas o trabalho paciente da investigação crítica — sem a qual a resistência corre o risco de ser cega, fragmentada ou tardia. Nas décadas de 1920 e 1930, a grande maioria daqueles que definiam o fascismo não reconheceu sua novidade. Essa é a mesma armadilha que devemos evitar hoje.
O que é o fascismo?
A questão da persistência — ou ressurgimento — do fascismo surge em intervalos regulares na vida política, como tem sido particularmente evidente na Itália nos últimos trinta anos. Desde o retorno de Donald Trump ao poder, a questão tornou-se mais aguda nos Estados Unidos, à medida que ele expandiu suas prerrogativas e desafiou os fundamentos da Constituição. Livros que alertam para a (nova) ameaça fascista estão lotando as prateleiras. O papel central do fascismo na história do século XX — e em seu “território mental” — explica em parte sua contínua proeminência.
Igualmente importante é o esforço para situar o ressurgimento da extrema-direita contemporânea em um contexto histórico mais amplo. Os historiadores são frequentemente chamados, como “especialistas”, para dizer se um determinado líder mundial ou movimento pode ser rotulado como fascista. No entanto, eles rapidamente encontram dificuldades. Como escreveu o historiador Emilio Gentile, trata-se de um objeto misterioso. O termo “fascismo” permanece, possivelmente, o mais vago do léxico político. Com muita frequência, porém, esse alerta se torna uma desculpa para propor mais uma definição.
Desde seu surgimento após a Primeira Guerra Mundial, esse novo fenômeno — que combina sociedade de massas e autoritarismo — inspirou uma série de interpretações, cada uma enfatizando algum aspecto histórico, político, econômico, social ou mesmo moral supostamente fundamental. A maioria dessas definições contém alguma verdade, ainda que relegue a um segundo plano os elementos que não correspondem a uma determinada situação.
Se fosse para oferecer uma “fórmula concisa”, o fascismo poderia ser descrito como um movimento político de extrema direita que atingiu sua plena expressão na Itália e na Alemanha durante as décadas de 1920, 1930 e 1940. Era violentamente antimarxista, racista, antissemita, imperialista, construído sobre a destruição dos direitos e liberdades democráticas, a rejeição da igualdade, a estigmatização daqueles considerados fracos ou vulneráveis e a subjugação das mulheres.
No início do século XX, o fascismo só pôde se espalhar quando o movimento operário deixou de representar uma ameaça iminente. Sua ascensão foi inseparável das crises políticas, sociais e econômicas que afligiram as sociedades europeias nas décadas de 1920 e 1930. Um movimento autônomo — “um partido organizado para seus próprios objetivos, visando tomar o poder para seus próprios fins” — o fascismo tinha um ímpeto subversivo inerente: revolucionário e restauracionista ao mesmo tempo, uma expressão moderna da rejeição à democracia e ao Iluminismo.
A extrema-direita atual é ultraliberalista em sua orientação econômica interna, enquanto busca expandir massivamente as funções repressivas do Estado.
Seu triunfo dependeu da ação combinada da violência paramilitar e da repressão estatal, e do desenvolvimento de um verdadeiro movimento de massas. Não conseguiu conquistar as mentes das pessoas sem essa fusão sem precedentes de elementos aparentemente díspares de conservadorismo e modernidade, apropriadamente descrita por Joseph Goebbels como “romantismo de aço”. O fascismo se baseava na violência e no terror, mas também na doutrinação, para impor uma nova hierarquia entre os seres humanos.
Existem claros elementos de continuidade histórica com a extrema-direita atual, assim como o próprio fascismo histórico apresentava ligações óbvias com a direita nacionalista reacionária do século XIX. Os movimentos radicais de direita contemporâneos são igualmente nacionalistas, racistas, imperialistas, homofóbicos, ultramachistas, autoritários e antimarxistas, rejeitando a luta de classes em nome de uma unidade nacional e popular. Esses movimentos buscam desmantelar direitos e liberdades fundamentais, bem como movimentos sociais que estejam fora de seu controle. Atacam os direitos das mulheres e designam bodes expiatórios — judeus, muçulmanos e outros. Qualquer pessoa que não se encaixe em sua visão de nação, sejam minorias ou oponentes políticos, é estigmatizada, criminalizada e usada para mobilização eleitoral.
Hoje, isso é particularmente evidente na perseguição a migrantes e muçulmanos, sustentada pela disseminação do medo da “grande substituição”. Essa rejeição do outro é acompanhada por um discurso excludente em torno da identidade, concebido para legitimar políticas autoritárias sob o pretexto de defender uma nação “ameaçada”. Nesse aspecto, as estratégias discursivas e eleitorais de figuras como Trump, Giorgia Meloni, Viktor Orbán e Javier Milei apresentam semelhanças notáveis com as empregadas por Benito Mussolini e Adolf Hitler.
O fascismo histórico e os movimentos de extrema-direita contemporâneos emergem, em alguns aspectos, em contextos semelhantes: crises econômicas e sociais prolongadas; desafios às formas de representação, incluindo a legitimidade dos partidos políticos tradicionais; perda de referências sociais; e crises culturais e morais mais amplas, incluindo o questionamento da racionalidade científica. Contudo, em outros aspectos importantes, o contexto é marcadamente diferente e as crises sociais e políticas não são as mesmas.
O fascismo histórico surgiu no período pós-Primeira Guerra Mundial e da Revolução de Outubro, quando a União Soviética representava um horizonte de esperança para milhões de trabalhadores. Nada comparável existe hoje. O fascismo histórico defendia um sistema totalitário, que a filósofa Hannah Arendt descreveu como uma fusão sem precedentes de doutrinação e terror.
Em contraste, a extrema-direita atual é ultraliberalista em sua orientação econômica interna, enquanto busca expandir massivamente as funções repressivas do Estado. Figuras como Milei e Elon Musk brandem uma motosserra como símbolo do desmantelamento da “burocracia” — na realidade, a previdência social e os serviços públicos, por mais frágeis que sejam — radicalizando as políticas neoliberais das décadas anteriores, que retratavam o Estado como um obstáculo ao desenvolvimento econômico. Isso ecoa a declaração de Ronald Reagan em 1981 de que “o governo não é a solução, mas o problema”.
O fascismo histórico se baseava em movimentos de massa organizados em torno de uma ideologia coesa e estruturados por grupos paramilitares — como a SA na Alemanha ou os Camisas Negras na Itália — que contavam com centenas de milhares de membros uniformizados. Seu principal objetivo era desmantelar sindicatos, partidos políticos e associações de trabalhadores com milhões de membros que defendiam uma agenda socialista. Hoje, esse tipo de organização operária não existe na mesma escala, e os movimentos contemporâneos de extrema-direita não dependem mais de mobilizações de massa comparáveis. Embora existam grupos de extrema-direita ativos e, por vezes, violentos, seus números são insignificantes em comparação com o período entre guerras, e eles não estão centralizados como o braço armado de um único partido — pelo menos por enquanto.
O núcleo de alguns dos movimentos de extrema-direita atuais é composto por pessoas que se identificam abertamente com o nazismo e o fascismo históricos.
A influência desses movimentos é em grande parte eleitoral. É verdade que, em 6 de janeiro de 2021, o ataque ao Capitólio por apoiadores de Trump gerou temores de uma tentativa de golpe. O evento chegou a ser comparado ao fracassado Putsch da Cervejaria de Hitler, em 1923. Hoje, alguns alertam que o Serviço de Imigração e Alfândega (ICE) poderia servir como uma espécie de força armada organizada à disposição de Trump. Na Índia, o primeiro-ministro Narendra Modi conta com o apoio do Rashtriya Swayamsevak Sangh (RSS), uma organização paramilitar de rua com profundas raízes ideológicas. E na Itália, os ataques violentos perpetrados por membros do grupo neofascista Forza Nuova — incluindo o saque da sede da Confederação Geral Italiana do Trabalho (CGIL) em outubro de 2021 — sugerem possibilidades preocupantes para futuras mobilizações.
Ainda assim, se falarmos de fascismo hoje, trata-se de um fascismo em grande parte desprovido de seu componente de movimento de massas, mas que, como observa Alberto Toscano, conserva a visão de renascimento nacional e a defesa de um interesse “produtivista”, alinhando trabalhadores e líderes empresariais lado a lado. No início do século XX, as referências ao fascismo apontavam para um novo fenômeno político cujos contornos, potencial transformador e adaptabilidade a outros contextos nacionais ainda estavam sendo definidos. Mas e agora?
Besta imunda
O que torna a situação ainda mais preocupante é que o núcleo de alguns desses movimentos é composto por pessoas que se identificam abertamente com o nazismo e o fascismo históricos — por meio de seus símbolos, gestos, vestimentas e retórica. As recentes manifestações neofascistas em Paris e Milão são apenas a ponta visível do iceberg. Há alguns anos, tais manifestações poderiam ter sido descartadas como marginais, uma forma vaga de postura nostálgica. Hoje, elas carregam um peso completamente diferente, cujo significado precisa ser plenamente compreendido. Sua importância reside menos no que revelam sobre os próprios organizadores do que no que dizem sobre a relação de nossas sociedades com o passado.
Trinta anos atrás, Umberto Eco observou: “Seria tão confortável para nós se alguém aparecesse no cenário mundial e dissesse: ‘Quero reabrir Auschwitz, quero que os Camisas Negras marchem novamente nas praças da Itália.’ Infelizmente, a vida não é tão simples.” Hoje, essas manifestações não se apresentam mais apenas como a face grotesca daquilo que a cientista política Nadia Urbinati certa vez chamou de “a máscara fascista da Europa”. Elas também refletem — e sobretudo refletem — três décadas de apagamento da história, banalização do horror e promoção de falsas equivalências: entre aqueles que lutaram por direitos democráticos, liberdades, igualdade e emancipação, muitas vezes alheios à realidade da Rússia stalinista, e aqueles que defendiam exatamente o oposto desses valores.
Já não existem testemunhas vivas desse passado; parafraseando Pier Paolo Pasolini, os vagalumes desapareceram. A fluidez das referências históricas transformou a história numa espécie de reservatório que “contém tudo e o seu oposto”. Como resultado, aqueles no Ocidente que acreditam que invocar o espectro do fascismo continua a ser a melhor ferramenta de mobilização deparam-se cada vez mais com a indiferença — ou, pior, com um público já condicionado pelo vocabulário e pelos modos de pensar da extrema-direita. Desde a saudação "Olá, ditador", proferida certa vez por Jean-Claude Juncker, então presidente da Comissão Europeia, a Orbán, até a normalização das raízes políticas de Giorgia Meloni, que ela própria não esconde, a inversão dos valores sobre os quais as sociedades ocidentais afirmavam se basear desde 1945 dificilmente poderia ser mais evidente.
Aqueles no Ocidente que acreditam que invocar o espectro do fascismo continua sendo a melhor ferramenta de mobilização se deparam cada vez mais com a indiferença.
Hoje, esse campo político trabalha para assegurar a hegemonia cultural por meio do revisionismo histórico, do anti-intelectualismo, da desinformação e da censura. Faz isso apoiando-se em uma vasta rede de comunicação — que abrange sites, mídias sociais, podcasts, canais de televisão, jornais e think tanks — enquanto trava o que tem sido chamado de “campanha algorítmica permanente”, uma nova e onipresente forma de poder que molda a vida cotidiana com ainda mais eficácia por se dirigir a uma sociedade profundamente atomizada.
O filósofo e historiador italiano Enzo Traverso argumenta que o conceito de fascismo é, ao mesmo tempo, indispensável e inadequado, enfatizando — seguindo Reinhart Koselleck — a tensão entre os fatos históricos e sua transcrição na linguagem. Desde a década de 1930, o fascismo tornou-se sinônimo de todas as formas de reação obscurantista, conservadorismo e autoritarismo, mesmo quando suas “características distintivas” estão ausentes.
Alguns estudiosos vão além, aplicando o termo para além do fascismo histórico. Nessa perspectiva, o fascismo representa “um conjunto mais geral de hábitos culturais, instintos e impulsos obscuros que se manifestaram — e poderiam se manifestar novamente — nos mais diversos contextos históricos e nacionais, mesmo na ausência de um movimento ou regime fascista”. Dessa perspectiva, o conceito de fascismo corre o risco de se tornar uma abstração, incapaz de capturar fenômenos concretos enraizados em seu próprio tempo, especialmente durante períodos de rápidas mudanças. O historiador Robert Paxton ecoou essa preocupação recentemente em uma entrevista ao New York Times, observando que o termo frequentemente “gera mais calor do que luz”, já que “a palavra fascismo foi reduzida a um epíteto, tornando-se uma ferramenta cada vez menos útil para analisar os movimentos políticos de nossa época”.
As condições econômicas muitas vezes mudam mais rapidamente do que a consciência humana, criando a persistência de formas morais e sociais cujos fundamentos materiais há muito desapareceram. Nesse contexto, debater se figuras como Trump, Milei, Orbán, Meloni, Vladimir Putin ou Marine Le Pen se qualificam como fascistas pouco contribui para esclarecer as condições políticas, econômicas e sociais que lhes permitiram prosperar.
O século XXI é definido pela impotência política de governos e parlamentos, incapazes de influenciar políticas supostamente ditadas “pelos mercados”, mas que, na realidade, servem aos interesses de uma camarilha de elites super-ricas nas principais economias do mundo. No Sul Global, essas políticas produzem conflitos intermináveis, destruição generalizada e pobreza endêmica. No Norte Global, impulsionam duras medidas de austeridade, desigualdade crescente e o desmantelamento acelerado do Estado de bem-estar social — ou o que resta dele —, criando terreno fértil para o autoritarismo, a erosão das conquistas democráticas e a normalização de um clima de violência.
O relatório mais recente da União das Liberdades Civis para a Europa (CLUE) classifica o governo de Meloni entre aqueles que “minam sistematicamente e intencionalmente o Estado de Direito”, visando o judiciário, as liberdades democráticas e os direitos fundamentais — incluindo a liberdade de imprensa e de mídia, o direito de protestar e o direito de greve — além de cometer o que descreve como “violações graves e sistemáticas dos direitos humanos”. O relatório destaca ainda a crescente concentração de poder nas mãos do executivo. Nos Estados Unidos, para citar apenas outro exemplo, os primeiros meses do segundo mandato de Trump deixaram poucas dúvidas sobre o contínuo estrangulamento da democracia: deportações em massa de imigrantes, demissões em larga escala no funcionalismo público, ataques à Lei dos Direitos de Voto, censura e cortes na pesquisa, militarização das cidades americanas e repressão à esquerda, com a designação do grupo “Antifa” como organização terrorista.
A atual onda de autoritarismo reacionário não surgiu do nada. Foi impulsionado pela radicalização das políticas e do discurso neoliberal na sequência da crise financeira de 2008: um aumento acentuado da desigualdade, o desmantelamento acelerado do que restava do Estado de bem-estar social e a relegacão de milhões de trabalhadores a empregos precários.
Debater se figuras como Trump, Milei, Orbán, Putin, Meloni ou Le Pen se qualificam como fascistas pouco contribui para esclarecer as condições políticas, econômicas e sociais que lhes permitiram prosperar.
A consequente insegurança, o medo, a frustração, a alienação e a incapacidade de planejar o futuro geraram o que Wendy Brown descreveu como “ressentimento de classe sem consciência de classe”. Essa desigualdade só se aprofundou nos últimos anos. De acordo com o último relatório "Takers, Not Makers" (Aproveitadores, Não Criadores), a riqueza dos bilionários cresceu três vezes mais rápido em 2024 do que em 2023, enquanto o 1% mais rico acumulou coletivamente mais de US$ 33,9 trilhões em ativos desde 2015. No outro extremo, 3,6 bilhões de pessoas — 44% da humanidade — vivem agora abaixo da linha da pobreza do Banco Mundial.
Esse abismo crescente acelerou o que o ensaísta Richard Seymour chama de "nacionalismo do desastre", uma política que prospera em meio a crises, enquanto leva as sociedades cada vez mais perto da catástrofe social e climática. A negação só agrava o perigo. "Os ataques furiosos de Trump a todas as estruturas criadas para proteger o público de doenças, alimentos perigosos e desastres", escrevem Naomi Klein e Astra Taylor, criam "uma infinidade de novas oportunidades de privatização e lucro para os oligarcas que estão alimentando essa rápida destruição do Estado de bem-estar social e de suas leis".
A necessidade de compreender essas convulsões políticas e econômicas globais motivou diversos estudos sobre as transformações em curso do capitalismo e seus impactos políticos, sociais e ecológicos. Dylan Riley e Robert Brenner falaram de um novo “capitalismo político”, caracterizado pela penetração das esferas de poder com dinâmicas autoritárias por grandes grupos privados, o que agora lhes permite obter lucros consideráveis em um período de crescimento econômico lento.
A presença na posse de Trump dos chefes da Meta, Amazon e Google, que o economista Cédric Durand chama de “senhores tecnofeudas”, é apenas a ponta do iceberg. Se o autoritarismo também pode representar, em parte, uma expropriação política da burguesia, então precisamos também analisar as falhas, fraquezas e divisões dentro da burguesia, como evidenciado recentemente pela entrevista do bilionário dos fundos de hedge, Ray Dalio, ao Financial Times.
Diante do desastre iminente, um novo e importante campo de pesquisa se abre neste momento crucial que estamos vivenciando. Precisamos ir além da obsessão com o debate sobre o “fascismo” — esse oponente cuja mera menção parece garantir a moralidade e a legitimidade dos partidos e sistemas existentes — e analisar historicamente como chegamos a esta situação. Este é o desafio que temos pela frente. Temos muito trabalho pela frente.
Esta é uma tradução abreviada de um artigo publicado originalmente na AOC.
Colaborador
Stefanie Prezioso é professora associada da Universidade de Lausanne e autora de diversas obras sobre o antifascismo europeu.





