8 de junho de 2020

Estado de calamidade precisa ser estendido, diz procuradora

Especialista em contas públicas diz ainda que teto deve ser revisto

Fabio Graner


Élida: projeção de arrecadação é tão instável que será preciso rever o teto — Foto: Mauricio Garcia de Souza

A calamidade pública decretada pela União precisa ser prorrogada para 2021. E o teto de gastos também precisará ser revisto porque o governo não poderá, no ano que vem, usar o argumento de imprevisibilidade para abrir créditos extraordinários e ampliar despesas, de modo a garantir que Estados e municípios consigam prestar seus serviços básicos. A opinião é da procuradora do Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo, Élida Graziane Pinto.

Em entrevista ao Valor, a especialista em finanças públicas alerta ainda que esse tema precisa ser discutido agora porque os orçamentos de 2021 já estão começando a ser pensados, em um quadro de alta imprevisibilidade e de forte perda de arrecadação.

Élida lembra que o próprio projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) da União para 2021 reconhece essa imprevisibilidade, ao eliminar na prática a meta de resultado primário, mas, avalia ela, é preciso ir além e já incorporar nessa discussão a prorrogação da calamidade e, de outro lado, a revisão do teto constitucional de despesas.

A procuradora enfatiza o conceito de “segurança fiscal”, que se refere à garantia de recursos suficientes para se manter a prestação de serviços públicos essenciais, como saúde, educação, coleta de lixo, segurança e manutenção de serviço prisional. “A projeção de arrecadação tributária é tão instável que a gente vai precisar rever o teto. E vai ter que se endividar. Não tem que ter esse constrangimento em relação à expansão da dívida nesse momento. Até para dar uma resposta sustentável ao mercado. Quem com o mínimo de racionalidade vai se expor à atividade econômica, à reabertura, se a gente está com pico de contaminação exponencial?”, comenta. “Não se pode interditar a discussão. A âncora do teto é impraticável, não é consonante com a Constituição”.

Para ela, governadores e prefeitos estão sendo empurrados para a reabertura das atividades por conta da “impossibilidade fiscal de manterem o isolamento necessário”, mas isso não deve significar uma retomada econômica que garanta receitas suficientes para a prestação de serviços. É como se o governo federal, ao limitar seus repasses de recursos para os entes, que estão muito abaixo do prometido mesmo para a área de saúde, forçasse indiretamente governadores e prefeitos a deixarem suas políticas de quarentena para elevar suas receitas e tentar manter serviços essenciais. Mas, para a especialista, com poucas chances de êxito a ponto de dispensar a ajuda federal, inclusive no próximo ano.

"Enquanto não houver capacidade de se ancorar a própria arrecadação tributária, não adianta colocar um garrote só no lado das despesas quando algumas delas são absolutamente inadiáveis, incomprimíveis, na federação. O teto da União literalmente impossibilita o financiamento via dívida desses serviços públicos essenciais nos municípios. Se a própria União não consegue quantificar a perda da arrecadação, imagina os Estados e Municípios. E se não houver financiamento federal, simplesmente não haverá a prestação de serviços”, afirmou ela, apontando que se desenha um cenário de greves de servidores, inclusive da área de saúde, o que seria particularmente grave em meio a essa pandemia.

Élida recentemente levou ao Ministério Público Federal (MPF), junto com o economista José Roberto Afonso, representação com dados que mostravam que até 27 de maio apenas 6,8% dos recursos disponíveis foram gastos e os repasses aos Estados e municípios foram drasticamente reduzidos a partir da segunda quinzena de abril.

Com base nesse material, o MPF abriu inquérito para apurar a utilização do orçamento destinado ao combate ao novo coronavírus pelo Ministério da Saúde. “O estudo evidencia possível ineficiência da União para enfrentar os desdobramentos da covid-19 na área da saúde em, ao menos, três aspectos: pouca utilização dos recursos previstos para despesas - especialmente nos de aplicação direta pelo Ministério da Saúde -, demora na liberação de recursos aos demais entes federativos e pequena participação da União no custeio da saúde, em relação ao financiamento total assumido pelos entes federativos”, disse o MPF ao anunciar a abertura da investigação.

Dados do portal do Tesouro Nacional para o monitoramento de gastos da covid-19 mostram que os pagamentos de saúde para a pandemia estavam em R$ 10,5 bilhões até a última sexta-feira.

A procuradora avalia que, com a arrecadação em “derrocada”, se coloca em risco também o atingimento dos pisos de gasto com saúde e educação pelos Estados. Para ela, mesmo o socorro de R$ 60 bilhões da União para Estados e municípios, aprovado em maio, é insuficiente dada a situação de queda da economia e perda de receitas. "Há risco de anomia [falta de capacidade de prestação] de serviços essenciais. A gente não tem sustentação tributária".

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