O ex-presidente do Brasil Jair Bolsonaro durante a Conservative Political Action Conference (CPAC) em 6 de julho de 2024, em Camboriú, Brasil. (Pedro H. Tesch / Getty Images) |
Na semana passada, dois grandes eventos dominaram o discurso público brasileiro: a cúpula do G20 e a exposição de um plano de assassinato que tinha como alvo o presidente do país, Luiz Inácio Lula da Silva.
Ocorrendo de 18 a 19 de novembro no Rio de Janeiro, a última cúpula das nações do G20 representou um desafio para Lula e seu gabinete. Eles buscaram equilibrar as metas diplomáticas brasileiras de combater a pobreza global e as mudanças climáticas com as demandas geopolíticas urgentes do Norte Global em relação às guerras crescentes na Europa e no Oriente Médio.
Para todos os efeitos práticos, o resultado da cúpula foi um sucesso para as ambições diplomáticas de Lula. Partidos tão variados quanto o autoproclamado presidente "anarcocapitalista" da Argentina, Javier Milei, e o líder chinês Xi Jinping chegaram a um acordo sobre uma "Aliança Global Contra a Fome e a Pobreza".
Ao mesmo tempo, surgiram notícias sobre a investigação sobre a possível tentativa de golpe de Jair Bolsonaro durante o período que antecedeu a posse de Lula em 2023. O relatório da investigação não apenas estabeleceu o planejamento de um golpe, mas também identificou uma conspiração de assassinato do governo Bolsonaro contra Lula, seu vice-presidente, Geraldo Alckmin, e Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral na época.
Essas revelações surgiram no meio de uma discussão no Congresso sobre anistia para os envolvidos na insurreição de 8 de janeiro. Elas podem ser a gota d'água que resulta na prisão de Bolsonaro. Chegando no último dia de uma Cúpula do G20, onde ditadores e homens fortes estavam amplamente representados, o relatório terá grandes consequências para a luta das instituições democráticas do Brasil contra um retorno ao autoritarismo.
Conspirações de direita
Quase dois anos após seu mandato, o governo de centro-esquerda de Lula teve que lidar com um dos congressos mais conservadores da história brasileira. Embora o presidente tenha uma reputação histórica de pragmatismo e habilidades de construção de coalizões, o atual equilíbrio de forças testou sua capacidade de governar.
Movimentos para abordar muitas questões importantes estão sendo retidos, seja pela direita bolsonarista ou pelo centrão convencional, a coleção de partidos centristas que querem extrair maiores concessões do governo antes de apoiar suas políticas. Um ponto de discórdia para todos os lados do corredor foi a investigação em andamento sobre a insurreição de 8 de janeiro.
Na semana após Lula assumir o cargo em janeiro de 2023, houve um crescente acampamento de manifestantes na capital, Brasília. A retórica de Bolsonaro alegando que ele foi vítima de fraude eleitoral os inspirou a protestar contra o que consideravam um governo ilegal. Em 8 de janeiro, esses manifestantes romperam as barricadas policiais e invadiram o palácio presidencial, o Congresso Nacional e a Suprema Corte Federal, desfigurando e vandalizando os prédios em um evento assustadoramente semelhante aos ocorridos em Washington dois anos antes.
O governo foi rápido em responder, removendo o acampamento, com milhares de participantes presos. Uma investigação encontrou evidências de que o que parecia ter sido negligência grave por parte das autoridades, permitindo a multidão passar, era na realidade parte de uma conspiração maior de oficiais militares e civis, que buscavam primeiro impedir Lula de assumir o cargo e depois removê-lo quando esse esforço falhou.
Desde então, uma investigação oficial está em andamento, tentando determinar a verdade sobre as várias partes envolvidas nessas conspirações. A questão do que fazer com aqueles que participaram tem sido um assunto regular de discussão.
A chamada Comissão de Anistia estabelecida em novembro visa libertar os envolvidos nos eventos de 8 de janeiro sob uma anistia geral. Para muitos dos que apoiam esse objetivo, vindos majoritariamente da direita brasileira, os presos são "prisioneiros políticos" que foram detidos ilegalmente, e o que aconteceu em 8 de janeiro não passou de um protesto.
Para a esquerda, a libertação dos envolvidos é inaceitável. No entanto, houve especulações de que o governo de Lula poderia se envolver em negociações sobre os termos de tal acordo, já que o executivo de esquerda enfrenta o congresso conservador. Em sua forma mais radical, uma anistia pode até derrubar a proibição de Bolsonaro de concorrer a um cargo no futuro. Este é um objetivo que o ex-presidente vem perseguindo avidamente na esperança de retornar aos holofotes políticos como a pedra angular da extrema direita brasileira.
Em meio às discussões sobre anistia, um ataque terrorista na Praça dos Três Poderes em frente ao Supremo Tribunal Federal chocou a nação. Pela primeira vez no Brasil, uma nação não acostumada a atos de terrorismo, um homem colocou bombas contra a estátua da Justiça, matando-se acidentalmente no processo.
Alexandre de Moraes, ex-presidente do Tribunal Superior Eleitoral, vinculou o ataque diretamente às demandas por anistia e repudiou a ideia em termos fortes: "Criminoso anistiado é criminoso impune". Se isso não foi o suficiente para deter os esforços da comissão, as revelações da semana passada parecem ter acabado com a ideia de uma anistia para sempre.
Descobrindo a conspiração
Entre os indivíduos formalmente indiciados pela polícia federal estavam o general Walter Braga Netto, ministro da Defesa e companheiro de chapa de Bolsonaro nas eleições de 2022, e o próprio ex-presidente. A acusação acusa Bolsonaro e vários cúmplices de seu gabinete e círculo pessoal, bem como do exército e da marinha, de manter discussões sobre a realização de um golpe.
Embora tivessem algum apoio de oficiais do exército, os conspiradores não podiam contar com o apoio unificado dos militares, e nada aconteceu com seus planos antes das eleições. Após a derrota de Bolsonaro, as figuras que cercam o presidente cessante desenvolveram um maior senso de urgência sobre um golpe a ser montado antes da posse de Lula em 1º de janeiro.
Entre os muitos itens discutidos estava o "Plano Punhal Verde Amarelo". Esse foi o nome que alguns dos conspiradores deram aos seus planos de assassinar seus oponentes. Eles discutiram o uso de veneno ou explosivos para matar o presidente eleito.
O plano se estendeu a uma tentativa de sequestrar Alexandre de Moraes. Em 15 de dezembro de 2022, os conspiradores perseguiram o ministro, agindo sob codinomes e usando um grupo de WhatsApp intitulado “Copa 2022” (em referência à Copa do Mundo de futebol). Eles só abortaram o plano no último minuto porque a sessão do Tribunal Superior terminou antes do previsto.
Lula comentou sobre as revelações em 21 de novembro, expressando gratidão por ele e Geraldo Alckmin ainda estarem vivos e que o plano havia falhado. Ele aproveitou a oportunidade para reiterar sua esperança de “devolver o Brasil à normalidade, a uma civilidade democrática, sabendo que temos adversários políticos e ideológicos, mas que de forma civilizada se ganha e se perde”.
A esquerda comemorou o indiciamento subsequente de Bolsonaro e vários outros indivíduos envolvidos. Na direita, a atitude geral não foi negar as discussões de um golpe — difícil, se não impossível, em vista das evidências esmagadoras —, mas sim alegar que essas discussões não foram criminosas.
O senador Flávio Bolsonaro, filho do ex-presidente e um dos seus maiores apoiadores no Congresso, declarou que “falar em matar não é crime”, uma atitude que parece ser disseminada nos círculos bolsonaristas. No entanto, a noção de que conspiração não é crime não parece ser compartilhada pela Polícia Federal, pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública ou pelo Supremo Tribunal Federal.
Defendendo a democracia
Para figuras como Lula e o Juiz Moraes, a preservação da democracia serve como seu principal objetivo político. A busca contínua por justiça contra os envolvidos nas conspirações é parte de uma batalha institucional mais ampla para reverter o retrocesso em direção ao autoritarismo no Brasil, uma nação onde a memória da antiga ditadura militar está sempre presente. As revelações mostram que a direita autoritária pressionará até onde for permitido, seja espalhando desinformação ou realizando assassinatos. Não há instituição democrática que ela respeitará.
Esses eventos não estão ocorrendo no vácuo. O último ato de Bolsonaro como presidente em dezembro de 2022 foi fugir para a Flórida. Na época, a maioria das pessoas percebeu isso como sendo motivado pelo medo de sua prisão iminente, agora que a imunidade presidencial não o protegia mais. A família de Bolsonaro tem laços estreitos com o movimento de extrema direita nos Estados Unidos, sem mencionar os vínculos comerciais diretos com propagandistas de direita, como o aliado de Donald Trump, Steve Bannon.
Quando nenhum mandado de prisão foi emitido para Bolsonaro, ele retornou de seu exílio autoimposto. Em fevereiro de 2024, novamente temendo uma possível prisão, Bolsonaro se refugiou secretamente na embaixada húngara por duas noites, esperando receber asilo do primeiro-ministro húngaro Victor Orbán, com quem ele tinha relações amigáveis enquanto estava no cargo.
A tentativa de Lula de devolver o Brasil a uma posição de normalidade está longe de terminar. Independentemente do que possa resultar da acusação, o país continua altamente polarizado, com o menor índice de aprovação para um governo liderado por Lula desde o escândalo de propina do "Mensalão" em 2005.
Por mais desorganizada que esteja sem Bolsonaro, a direita brasileira ainda tem muito ímpeto. Existem poucos políticos além de Lula que parecem capazes de impedi-la de retomar o poder na eleição de 2026. Com respeito à democracia e aos princípios republicanos em um estado tão frágil, é ainda mais importante fortalecer as instituições democráticas que são mais poderosas do que qualquer indivíduo e que podem resistir a uma tempestade autoritária.
Colaborador
Olavo Passos de Souza é doutorando em história pela Universidade de Stanford.
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