A desigualdade econômica tem sido uma preocupação de muitos dos maiores pensadores ocidentais desde a antiguidade. (iStock / Getty Images)
Matt McManus
Jacobin
Você tem a coragem de dizer às massas o que nenhum político lhes disse: você é inferior e todas as melhorias em suas condições, que simplesmente considera garantidas, você deve ao esforço de homens que são melhores que você.— Ludwig von Mises, "Carta a Ayn Rand"
Não deveríamos nos importar com a desigualdade econômica. E se nos importarmos com ela e tentarmos consertá-la, isso só vai provocar problemas.
Esse tem sido um refrão repetido a muito tempo por muitos políticos e intelectuais. Milton Friedman afirmou que uma sociedade que “coloca a igualdade antes da liberdade não terá nenhuma das duas coisas”. Filósofos como Harry Frankfurt alertaram contra o zelo pela igualdade, insistindo que o que realmente importa é o bem-estar absoluto dos pobres, em vez de seu nível relativo de riqueza. Margaret Thatcher acusou a esquerda de se contentar em manter os pobres mais pobres, desde que os ricos também o fossem. E os conservadores estadunidenses acusaram políticos de centro, de Barack Obama a Kamala Harris, de abraçarem a “luta de classes” e o “marxismo” por propor reformas econômicas até mesmo insossas.
Os argumentos contra a preocupação com a desigualdade variam tanto em substância quanto em qualidade. Mas um dos mais comuns é que a preocupação com a desigualdade econômica é uma aberração intelectual — alimentada, como William Buckley disse, por “igualitários sempre tão ocupados” que agitam as ordens inferiores com ideias antiocidentais. Esse sentimento é cuidadosamente desafiado por David Lay Williams em seu novo livro, The Greatest of All Plagues: How Economic Inequality Shaped Political Thought From Plato to Marx. Williams, professor de ciência política na DePaul University, reúne páginas e mais páginas de evidências textuais para mostrar que a desigualdade econômica tem sido uma preocupação de muitos dos maiores pensadores ocidentais desde a antiguidade. Isso inclui não apenas radicais bem conhecidos como Marx, John Stuart Mill e Jean-Jacques Rousseau, mas também igualitários econômicos menos óbvios, incluindo Platão, Adam Smith e Thomas Hobbes.
Desigualdade econômica, a "maior de todas as pragas"
O livro de Williams recebe o título de Platão, que caracterizou a desigualdade econômica como fomentadora da “maior de todas as pragas” em sua obra tardia, As Leis. Williams observa que o mundo moderno é atormentado por uma desigualdade extrema. Desde 1976, os “50% mais pobres entre os estadunidenses viram sua riqueza crescer em média US$ 12.000 por domicílio — dificilmente o suficiente para cobrir uma única grande emergência médica sem seguro, muito menos do que um ano de mensalidade de uma faculdade”. Por outro lado, a era neoliberal tem sido uma época muito boa para ser rico. Aqueles “que ocupam os 10% do topo viram sua riqueza crescer em quase US$ 3 milhões” e o “1% do topo viu sua riqueza crescer em US$ 16 milhões. Aqueles no 0,1% do topo viram sua riqueza líquida crescer em US$ 85 milhões. E aqueles que ocupam o 0,01% do topo viram sua riqueza líquida crescer em US$ 440 milhões por domicílio”.
Além de criar disparidades econômicas impressionantes entre as famílias estadunidenses (para não falar das disparidades entre os estadunidenses mais ricos e o resto do mundo), isso tem consequências políticas reais. Até mesmo cientistas políticos conservadores como Roger Eatwell e Matthew Goodwin observaram que o ressentimento gerado pelas elites econômicas gerou uma percepção generalizada de que líderes democraticamente eleitos não atendem aos interesses das pessoas normais. E cientistas sociais, incluindo Martin Gilens e Thomas Piketty, demonstraram que essas não são apenas percepções — os ultra-ricos realmente desfrutam de uma enorme influência política em comparação às pessoas comuns.
A contribuição bem-vinda do livro de Williams é mostrar que muitos dos grandes pensadores do cânone filosófico ocidental não teriam ficado surpresos com esse desenvolvimento. Ele inverte a premissa conservadora comum de que argumentar contra a desigualdade econômica vai, de alguma forma, contra os rumos do pensamento ocidental clássico. No mínimo, é a rejeição casual e preguiçosa de preocupações com a desigualdade econômica que constituem um desvio intelectual e o declínio da tendência geral.
Williams observa que Platão, nas Leis, definiu “a desigualdade como um problema central da política”. Platão alertou que a desigualdade fortaleceria o “vício” e que isso “mina a amizade cívica e a harmonia” na pólis. Ele propôs que a desigualdade fosse “rigorosamente restringida” e que os mais ricos tivessem “não mais do que quatro vezes a propriedade dos cidadãos mais pobres”. Jesus, no Novo Testamento, também enfatizou continuamente os perigos morais do excesso de riqueza, insistindo notoriamente no Evangelho de Mateus que “será difícil para um homem rico entrar no Reino dos Céus”. E São Paulo alertou que a ganância “obscurece o imperativo de amar e cuidar do próximo”.
Milênios depois, Hobbes — um pensador que rompeu com o cristianismo e o platonismo em muitos pontos — também expressou profundas reservas em relação à desigualdade. Particularmente, ele estava preocupado com as implicações políticas desestabilizadoras de concentrações extremas de riqueza. Hobbes aconselha um soberano prudente a redistribuir a riqueza conforme necessário para evitar a instabilidade provocada pela ambição plutocrática por parte dos ricos ou inveja e ressentimento por parte dos pobres. Ironicamente, a leitura de Hobbes por Williams sugere que admiradores conservadores como Michael Oakeshott ignoraram uma de suas principais recomendações. Se Hobbes estiver certo, a desigualdade econômica pode ser uma barreira para alcançar a lei e a ordem que os conservadores afirmam defender tão fortemente.
Os leitores contemporâneos provavelmente estarão mais familiarizados com os pensadores posteriores discutidos no livro de Williams, que são mais conhecidos como analistas da desigualdade. É improvável que Rousseau, Mill e Marx tivessem simpatias igualitárias — embora a maneira como o marxismo concebe a igualdade seja uma questão a se debater. Mais atual é a importante contribuição de Williams para a crescente literatura sobre Adam Smith, que mostra que ele era tudo menos um ingênuo líder de torcida do capitalismo. Em A Riqueza das Nações, ele expressou profunda preocupação sobre como os capitalistas tratavam o trabalho, observando que os “mestres” formarão uma “combinação tácita, mas constante e uniforme para não aumentar os salários do trabalho acima de suas taxas reais”. Smith antecipou Marx ao se preocupar com o fato de que a divisão do trabalho poderia deformar os indivíduos ao não levá-los a desenvolver diferentes capacidades e aspectos de sua personalidade — em vez disso, impondo hiperespecialização e repetição da mesma tarefa tediosa reiteradamente. Ele recomendou que o Estado interviesse para amenizar esse problema por meio do fornecimento de oportunidades educacionais e culturais para os pobres.
Além da economia, Smith pensava que a desigualdade era corrosiva para a moralidade da sociedade como um todo. Os muito ricos tinham permissão para se envolver em todos os tipos de vícios e eram “geralmente tratados com uma boa dose de indulgência, sendo facilmente desculpados ou perdoados completamente”. Em contraste, os “vícios da leviandade são sempre ruinosos para as pessoas comuns, e a irreflexão e a dissipação de uma única semana são frequentemente suficientes para arruinar um trabalhador pobre para sempre, e levá-lo ao desespero no cometimento de crimes enormes”. De fato, para Smith, a admiração pelos ricos era a influência mais corruptora na moral da sociedade:
Essa disposição de admirar, e quase adorar, os ricos e poderosos, e desprezar, ou, pelo menos, negligenciar pessoas de condição pobre e mesquinha… é, ao mesmo tempo, a grande e mais universal causa da corrupção de nossos sentimentos morais. Que riqueza e grandeza são frequentemente consideradas com o respeito e admiração que são devidos apenas à sabedoria e virtude; e que o desprezo, do qual os únicos objetos próprios são o vício e a loucura, é frequentemente injustamente concedido à pobreza e à fraqueza, tem sido a queixa de moralistas em todas as eras.
E o socialismo?
The Greatest of All Plagues é escrito de forma concisa e demonstra, sem sombra de dúvida, que as preocupações com a desigualdade econômica abrangem toda a gama de pensadores ocidentais. No entanto, Williams não dedica tempo suficiente à importante história do pensamento socialista sobre essa questão.
O livro tem capítulos substanciais sobre Mill e Marx que expressam admiração por suas visões (muito diferentes) de um futuro socialista. Mas parar o livro aí significa que uma longa linha de autores importantes e menos conhecidos do público em geral nunca terá seu lugar ao sol. Este não é um problema exclusivo de Williams. Em seu trabalho recente Hijacked [Sequestrado], a filósofa política Elizabeth Anderson gentilmente castiga a filosofia política por ignorar amplamente a longa história do pensamento socialista e social-democrata. Ela escreve que “na história do pensamento político, nenhum social-democrata foi canonizado, apesar da enorme influência da social-democracia em muitas democracias capitalistas ricas”.
A alegação de Anderson pode ser um tanto exagerada: muitos esquerdistas podem recitar uma longa lista de importantes pensadores socialistas e social-democratas. Mas ela está correta ao observar que a lista dificilmente seria tão amplamente conhecida quanto, digamos, o “cânone” de autores conservadores que foi muito bem popularizado . Isso não é por falta de nomes socialistas e social-democratas dignos e diversos, é claro: Karl Kautsky, Eduard Bernstein, RH Tawney, Leonard Hobhouse, Simone de Beauvoir, Ernst Wigforss, Rudolf Meidner, Michael Harrington, Martin Luther King, Paul Tillich e Angela Davis, para citar apenas alguns que vêm à mente.
Dada a clara necessidade de reintroduzir pensadores socialistas aos leitores de língua inglesa, é uma pena que Williams não tenha dedicado muito tempo a eles. Isso se deve em grande parte ao fato de que, como Anderson observa, os social-democratas e os socialistas fizeram mais do que apenas pensar sobre a desigualdade econômica. Eles buscaram ativamente e muitas vezes com sucesso desafiá-la na prática. Tais modelos são extremamente úteis em uma era contemporânea onde, como Williams observa, a necessidade de colocar a desigualdade econômica em xeque é especialmente urgente.
Apesar dessa lacuna, The Greatest of All Plagues é uma leitura estimulante. Ele consegue pegar figuras com as quais muitos de nós podemos pensar que estamos familiarizados e nos mostrar que não as conhecíamos tão bem assim. Williams mostra que a desigualdade econômica não é apenas a maior de todas as pragas — é também uma das mais duradouras, de modo que muitos dos pensadores mais influentes de várias épocas se sentiram impelidos a condená-la.
Além de criar disparidades econômicas impressionantes entre as famílias estadunidenses (para não falar das disparidades entre os estadunidenses mais ricos e o resto do mundo), isso tem consequências políticas reais. Até mesmo cientistas políticos conservadores como Roger Eatwell e Matthew Goodwin observaram que o ressentimento gerado pelas elites econômicas gerou uma percepção generalizada de que líderes democraticamente eleitos não atendem aos interesses das pessoas normais. E cientistas sociais, incluindo Martin Gilens e Thomas Piketty, demonstraram que essas não são apenas percepções — os ultra-ricos realmente desfrutam de uma enorme influência política em comparação às pessoas comuns.
A contribuição bem-vinda do livro de Williams é mostrar que muitos dos grandes pensadores do cânone filosófico ocidental não teriam ficado surpresos com esse desenvolvimento. Ele inverte a premissa conservadora comum de que argumentar contra a desigualdade econômica vai, de alguma forma, contra os rumos do pensamento ocidental clássico. No mínimo, é a rejeição casual e preguiçosa de preocupações com a desigualdade econômica que constituem um desvio intelectual e o declínio da tendência geral.
Williams observa que Platão, nas Leis, definiu “a desigualdade como um problema central da política”. Platão alertou que a desigualdade fortaleceria o “vício” e que isso “mina a amizade cívica e a harmonia” na pólis. Ele propôs que a desigualdade fosse “rigorosamente restringida” e que os mais ricos tivessem “não mais do que quatro vezes a propriedade dos cidadãos mais pobres”. Jesus, no Novo Testamento, também enfatizou continuamente os perigos morais do excesso de riqueza, insistindo notoriamente no Evangelho de Mateus que “será difícil para um homem rico entrar no Reino dos Céus”. E São Paulo alertou que a ganância “obscurece o imperativo de amar e cuidar do próximo”.
Milênios depois, Hobbes — um pensador que rompeu com o cristianismo e o platonismo em muitos pontos — também expressou profundas reservas em relação à desigualdade. Particularmente, ele estava preocupado com as implicações políticas desestabilizadoras de concentrações extremas de riqueza. Hobbes aconselha um soberano prudente a redistribuir a riqueza conforme necessário para evitar a instabilidade provocada pela ambição plutocrática por parte dos ricos ou inveja e ressentimento por parte dos pobres. Ironicamente, a leitura de Hobbes por Williams sugere que admiradores conservadores como Michael Oakeshott ignoraram uma de suas principais recomendações. Se Hobbes estiver certo, a desigualdade econômica pode ser uma barreira para alcançar a lei e a ordem que os conservadores afirmam defender tão fortemente.
Os leitores contemporâneos provavelmente estarão mais familiarizados com os pensadores posteriores discutidos no livro de Williams, que são mais conhecidos como analistas da desigualdade. É improvável que Rousseau, Mill e Marx tivessem simpatias igualitárias — embora a maneira como o marxismo concebe a igualdade seja uma questão a se debater. Mais atual é a importante contribuição de Williams para a crescente literatura sobre Adam Smith, que mostra que ele era tudo menos um ingênuo líder de torcida do capitalismo. Em A Riqueza das Nações, ele expressou profunda preocupação sobre como os capitalistas tratavam o trabalho, observando que os “mestres” formarão uma “combinação tácita, mas constante e uniforme para não aumentar os salários do trabalho acima de suas taxas reais”. Smith antecipou Marx ao se preocupar com o fato de que a divisão do trabalho poderia deformar os indivíduos ao não levá-los a desenvolver diferentes capacidades e aspectos de sua personalidade — em vez disso, impondo hiperespecialização e repetição da mesma tarefa tediosa reiteradamente. Ele recomendou que o Estado interviesse para amenizar esse problema por meio do fornecimento de oportunidades educacionais e culturais para os pobres.
Além da economia, Smith pensava que a desigualdade era corrosiva para a moralidade da sociedade como um todo. Os muito ricos tinham permissão para se envolver em todos os tipos de vícios e eram “geralmente tratados com uma boa dose de indulgência, sendo facilmente desculpados ou perdoados completamente”. Em contraste, os “vícios da leviandade são sempre ruinosos para as pessoas comuns, e a irreflexão e a dissipação de uma única semana são frequentemente suficientes para arruinar um trabalhador pobre para sempre, e levá-lo ao desespero no cometimento de crimes enormes”. De fato, para Smith, a admiração pelos ricos era a influência mais corruptora na moral da sociedade:
Essa disposição de admirar, e quase adorar, os ricos e poderosos, e desprezar, ou, pelo menos, negligenciar pessoas de condição pobre e mesquinha… é, ao mesmo tempo, a grande e mais universal causa da corrupção de nossos sentimentos morais. Que riqueza e grandeza são frequentemente consideradas com o respeito e admiração que são devidos apenas à sabedoria e virtude; e que o desprezo, do qual os únicos objetos próprios são o vício e a loucura, é frequentemente injustamente concedido à pobreza e à fraqueza, tem sido a queixa de moralistas em todas as eras.
E o socialismo?
The Greatest of All Plagues é escrito de forma concisa e demonstra, sem sombra de dúvida, que as preocupações com a desigualdade econômica abrangem toda a gama de pensadores ocidentais. No entanto, Williams não dedica tempo suficiente à importante história do pensamento socialista sobre essa questão.
O livro tem capítulos substanciais sobre Mill e Marx que expressam admiração por suas visões (muito diferentes) de um futuro socialista. Mas parar o livro aí significa que uma longa linha de autores importantes e menos conhecidos do público em geral nunca terá seu lugar ao sol. Este não é um problema exclusivo de Williams. Em seu trabalho recente Hijacked [Sequestrado], a filósofa política Elizabeth Anderson gentilmente castiga a filosofia política por ignorar amplamente a longa história do pensamento socialista e social-democrata. Ela escreve que “na história do pensamento político, nenhum social-democrata foi canonizado, apesar da enorme influência da social-democracia em muitas democracias capitalistas ricas”.
A alegação de Anderson pode ser um tanto exagerada: muitos esquerdistas podem recitar uma longa lista de importantes pensadores socialistas e social-democratas. Mas ela está correta ao observar que a lista dificilmente seria tão amplamente conhecida quanto, digamos, o “cânone” de autores conservadores que foi muito bem popularizado . Isso não é por falta de nomes socialistas e social-democratas dignos e diversos, é claro: Karl Kautsky, Eduard Bernstein, RH Tawney, Leonard Hobhouse, Simone de Beauvoir, Ernst Wigforss, Rudolf Meidner, Michael Harrington, Martin Luther King, Paul Tillich e Angela Davis, para citar apenas alguns que vêm à mente.
Dada a clara necessidade de reintroduzir pensadores socialistas aos leitores de língua inglesa, é uma pena que Williams não tenha dedicado muito tempo a eles. Isso se deve em grande parte ao fato de que, como Anderson observa, os social-democratas e os socialistas fizeram mais do que apenas pensar sobre a desigualdade econômica. Eles buscaram ativamente e muitas vezes com sucesso desafiá-la na prática. Tais modelos são extremamente úteis em uma era contemporânea onde, como Williams observa, a necessidade de colocar a desigualdade econômica em xeque é especialmente urgente.
Apesar dessa lacuna, The Greatest of All Plagues é uma leitura estimulante. Ele consegue pegar figuras com as quais muitos de nós podemos pensar que estamos familiarizados e nos mostrar que não as conhecíamos tão bem assim. Williams mostra que a desigualdade econômica não é apenas a maior de todas as pragas — é também uma das mais duradouras, de modo que muitos dos pensadores mais influentes de várias épocas se sentiram impelidos a condená-la.
Colaborador
Matt McManus é professor visitante de política no Whitman College. Ele é o autor de "The Rise of Post-Modern Conservatism and Myth" e co-autor de "Mayhem: A Leftist Critique of Jordan Peterson".
Nenhum comentário:
Postar um comentário