Cédulas de real São Paulo - Gabriel Cabral - 21.ago.2019/Folhapress |
Já escrevi bastante sobre o assunto, mas como alguns colegas estão voltando às ideias que sugeri há dez anos, quando o governo Dilma debatia o que fazer diante da desaceleração econômica de 2012, acho que vale a pena retornar ao tema.
Seja qual for a regra fiscal, é preciso descriminalizar o assunto. Devemos aumentar a transparência e a prestação de contas, recuperando o orçamento público e abandonando o orçamento secreto, mas sem criar pretexto para procuradores midiáticos criarem crises institucionais por firulas contábeis.
Já temos um modelo que funciona bem na política monetária, onde o governo fixa o intervalo para a inflação, o BC (Banco Central) toma medidas para cumprir a meta estipulada pelo governo e, quando a inflação efetiva fica fora da meta, o BC explica o que deu ruim e diz como e em que prazo ele trará a inflação de volta ao intervalo definido pelo governo.
As ações monetárias ocorrem de modo gradual (sem "morte" ou "ressurreição" súbita da economia via pancada no juro). Mais importante, ninguém chama a polícia para prender os membros do Comitê de Política Monetária quando a meta não é cumprida.
E se o BC não levar a meta de inflação a sério? O mercado responde com aumento do juro de longo prazo e da taxa de câmbio, o que por sua vez desacelera o crescimento da economia e aumenta o desemprego. As consequências econômicas e políticas da má administração monetária são punição suficiente por não cumprir a meta de inflação, levando à troca de comando do BC de quatro em quatro anos.
A lógica monetária de "transparência explicativa" também pode ser aplicada à política fiscal. Como? Com o governo definindo um intervalo para o seu resultado primário, a ser cumprido pelo Tesouro, e tendo o gasto como principal instrumento de ação.
Por que o gasto? Pelo simples e óbvio motivo de que o governo tem mais controle sobre sua despesa do que sobre sua receita. Além disso, assim como regulação financeira, tributação é assunto mais estrutural do que conjuntural, coisa que não deve ficar variando ao sabor de choques de curto prazo.
Fazendo um paralelo entre política monetária e fiscal, assim como o BC tem por objetivo dar previsibilidade ao valor da moeda, mas sem fixar o nível ótimo de preços, o Tesouro deveria dar previsibilidade ao endividamento público, mas sem fixar o nível ótimo de dívida.
Especificamente, a meta da política monetária é definida pela variação do preço (inflação), não pelo nível de preço. Seguindo essa lógica, a meta do Tesouro deveria ser a variação da dívida (resultado), não o nível de dívida. E como o Tesouro não controla o juro, a variação relevante de dívida é aquela dada pelo resultado primário do governo.
No mesmo sentido, na política monetária a meta é para a inflação, mas o que o BC realmente controla é a taxa Selic. Na política fiscal, a referência para a ação do Tesouro deveria ser o resultado primário, mas com o governo fixando o que ele realmente controla (ou deveria controlar): o seu g asto primário.
Assim como a Selic é a principal variável de controle para atingir o objetivo da política monetária, o gasto deve ser o principal instrumento para atingir o objetivo da política fiscal. Tudo isso não é novidade na literatura sobre o tema, mas como algumas ideias demoram a chegar no Brasil, só agora alguns colegas acordaram para o óbvio. Levou dez anos, mas antes tarde do que nunca!
Assim como a Selic é a principal variável de controle para atingir o objetivo da política monetária, o gasto deve ser o principal instrumento para atingir o objetivo da política fiscal. Tudo isso não é novidade na literatura sobre o tema, mas como algumas ideias demoram a chegar no Brasil, só agora alguns colegas acordaram para o óbvio. Levou dez anos, mas antes tarde do que nunca!
Sobre o autor
Professor da FGV e da UnB, ex-ministro da Fazenda e do Planejamento (2015-2016). É doutor em economia pela New School for Social Research.
Professor da FGV e da UnB, ex-ministro da Fazenda e do Planejamento (2015-2016). É doutor em economia pela New School for Social Research.
Nenhum comentário:
Postar um comentário