25 de março de 2022

Fundador do PCB conta encontro com Prestes na Bolívia em 1927; leia artigo

Partido tentava se aproximar de camponeses e enviou Astrojildo Pereira para buscar aliança com revolucionário comunista

Astrojildo Pereira
Nascido em 1890, se engajou no movimento anarquista e nas lutas operárias no Rio de Janeiro na década de 1910. Aproximou-se do comunismo depois da Revolução Russa e foi um dos fundadores do PCB (Partido Comunista do Brasil) em 1922. Expulso do partido em 1930, se afastou da política e passou a se dedicar à crítica literária. Autor, entre outros livros, de "Crítica Impura", "Formação do PCB" e "Machado de Assis"

Folha de S.Paulo

[RESUMO] Publicado originalmente em 1957, este artigo é parte de "Formação do PCB", que discute as origens do comunismo no Brasil e a primeira década de existência do partido. Lançado em 1962, por ocasião dos 40 anos do PCB, o livro ganha agora, no centenário de fundação da agremiação, nova edição da Boitempo e da Fundação Astrojildo Pereira.

ENCONTRO COM LUIZ CARLOS PRESTES

Em dias da segunda quinzena de dezembro de 1927 —há 30 anos, precisamente— avistei-me com Luiz Carlos Prestes, na Bolívia, por incumbência da Comissão Central Executiva (CCE). Seria talvez interessante contar um pouco por miúdo como e por que se deu esse encontro.

Sabe-se que o país viveu em estado de sítio quase permanente desde julho de 1922 a dezembro de 1926. O governo Washington Luís, empossado a 15 de novembro de 1926, deixou que a medida de execução se extinguisse sem mais prorrogação, e assim o ano de 1927 começou sem sítio. O partido [PCB, Partido Comunista do Brasil], depois de quase cinco anos de vida ilegal, emergiu, por sua vez, para a luz do dia.

Retrato de Astrojildo Pereira, cofundador do PCB (Partido Comunista do Brasil) - Instituto Astrojildo Pereira/Divulgação

Muita coisa haveria a dizer sobre as condições em que isso se verificou e como pôde o partido integrar-se na nova situação. Basta dizer, porém, para o caso que nos interessa aqui, que os meses de janeiro a agosto de 1927 se assinalaram por considerável impulso do movimento operário e por intensa agitação promovida pela pequena vanguarda comunista, que dispunha aliás de um jornal de massa, o vespertino A Nação, dirigido por Leônidas de Resende e em cuja Redação trabalhavam três ou quatro membros da CCE do partido.

Com a aprovação pelo Parlamento de uma lei feroz visando diretamente ao partido e ao movimento operário, mergulharam os comunistas, de novo, na ilegalidade. A publicação do jornal foi suspensa, e o movimento operário amordaçado.

Nos meses que se seguiram, a CCE do partido procedeu a rigoroso exame da situação criada, chegando por fim à conclusão de que a derrota sofrida se devia principalmente às posições sectárias do partido. Levantava-se, em toda a sua plenitude, o problema dos aliados para a classe operária e para a participação da classe operária no movimento revolucionário popular em marcha.

Em resumo: tais considerações levaram a CCE a buscar uma aproximação efetiva, em termos políticos, com a Coluna Prestes, que se havia internado na Bolívia justamente em fins de 1928 e cujo prestígio popular e revolucionário mantinha-se intacto e mesmo crescente. Decidiu a CCE, por maioria de votos, enviar-me (na qualidade de secretário-geral do partido) à presença de Prestes.

Conviria aqui observar que a minoria que votou contra (dois membros da CCE), mantendo-se na velha posição sectária, que se agravava com certo "obreirismo" radical, foi a mesma que pouco tempo depois abriu a primeira oposição organizada dentro da CCE e do partido —oposição que só veio a ser liquidada no III Congresso do Partido, em janeiro de 1929.

Decidida a viagem, segui para Corumbá, perto da fronteira boliviana. Obtive de Pedro Mota Lima, que era então diretor do jornal "tenentista" A Esquerda, uma carteira de repórter, com o compromisso de, ao regressar, reduzir os resultados do encontro a uma entrevista com Prestes.

Se bem que viajando legalmente, com uma carteira de repórter no bolso, eu tomara todas as precauções compreensíveis no caso. Tanto mais que a mala, que levava comigo, estava cheia de livros: tudo quanto pudemos conseguir, na ocasião, de literatura marxista existente no Rio —Marx, Engels, Lênin, etc., uma boa dúzia de volumes, quase todos em francês das edições de L’Humanité.

Chegado a Corumbá, procurei certo camarada do Partido que lá residia, um oficial reformado da Marinha, que eu conhecia do Rio, e por seu intermédio estabelecemos a necessária ligação com elementos da Coluna Prestes. Passei assim uns três dias em Corumbá, aguardando o momento do encontro em combinação.

E aqui devo relatar um pequeno episódio, que no primeiro instante me deixou um tanto apreensivo. Eu estava, uma noite, a flanar pelas ruas da cidade, quando de repente avistei o coronel Bandeira de Melo. Este fora durante anos titular da delegacia de ordem política e social da polícia federal (naquele tempo se chamava "quarta delegada auxiliar") e meu velho conhecido de várias prisões que sofri no Rio.

Corumbá era um lugar de natural vigilância policial contra a Coluna Prestes e o coronel Bandeira de Melo não estaria ali a veranear sob um calor de rachar. Mas o fato é que eu consegui avistá-lo antes que ele me avistasse e assim pude facilmente despistar.

PARTIDÃO, 100 ANOS

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Chegado o dia aprazado para o encontro, tomei um automóvel de amigos comuns de confiança e seguimos rumo à fronteira. A cerca de 25 quilômetros de Corumbá fica a cidade boliviana de Puerto Suarez. Aí me encontraria com Prestes.

Prestes viera de longe (se bem me lembro, de Santa Cruz de la Sierra) para a entrevista com o enviado da CCE do Partido Comunista. Recebeu-me numa casa, aliás bem modesta, em companhia de dois oficiais da coluna. Aí passei quase dois dias, e conversamos longamente. Eu lhe transmiti claramente o pensamento da direção do Partido sobre as questões que nos levaram a procurá-lo e que tudo se resumia em coordenar as nossas forças tendo em vista os objetivos comuns.

Era, em suma, o problema político da aliança entre os comunistas e os combatentes da Coluna Prestes, ou, em termos mais amplos, entre o proletariado revolucionário sob a influência do Partido Comunista e as massas populares, especialmente as massas camponesas, sob a influência da Coluna e do seu comandante. Colocada a conversa, desde o início, em forma de absoluta lealdade de parte a parte, fácil foi a concordância estabelecida.

Mas a conversa se estendeu no sentido de um exame geral da situação do país —e aí o repórter apurou os ouvidos, recolhendo uma série de importantes declarações de Prestes, que aproveitava a oportunidade para dirigir-se aos brasileiros por intermédio de um jornal como A Esquerda, estreitamente ligado aos movimentos populares de então.

De regresso ao Rio, servindo-me quase que só da memória (com apenas uma ou outra nota muito breve), redigi a longa entrevista que A Esquerda publicou durante três ou quatro dias consecutivos, a partir de 2 de janeiro de 1928, data do 30º aniversário de Prestes.

A ocasião me permite esclarecer que a redação da entrevista, que produziu considerável repercussão, como se esperava, era de minha responsabilidade, embora publicada sem assinatura. Como porém não sofreu a menor contestação ou retificação, isto quer dizer que o repórter, escrevendo embora à sua maneira, soube interpretar com fidelidade o pensamento do entrevistado. Não será demais que o relembre agora, a 30 anos de distância, tanto mais que se trata da mais importante reportagem que fiz em toda a minha carreira de profissional —e da qual posso envaidecer-me sem desdouro nem escusada prosápia.

Disse no começo que levava na minha mala uma certa quantidade de livros de autores marxistas. Entreguei-os a Prestes dizendo-lhe que era nosso desejo que ele estudasse por si mesmo a teoria e a prática da política pelas quais buscávamos orientar o Partido Comunista, inteirando-se, assim, não só dos princípios e fins da nossa atividade prática, mas também das soluções que a ciência marxista apresentava para os problemas sociais do nosso tempo.

Devo hoje acrescentar que, ao dizer-lhe estas coisas, eu guardava a esperança de que Prestes, ao tomar conhecimento direto das ideias marxistas, não demoraria em compreender que elas exprimiam a verdade do presente e do futuro. Sua inteligência, sua honradez, sua experiência pessoal no combate com a gente e as coisas brasileiras fariam o resto. Os fatos demonstraram que eu não me enganava.

BOITEMPO PROMOVE DEBATES SOBRE ASTROJILDO PEREIRA E O CENTENÁRIO DO PCB

De 28 a 31/3, das 15h às 16h30, no YouTube da editora

28/3: Política e cultura, com José Paulo Netto e Joselia Aguiar (mediação de Luccas Maldonado)

29/3: Intérprete do Brasil, com Antonio Carlos Mazzeo e André Kaysel (mediação de Renata Cotrim)

30/3: Um comunista pelo mundo, com Marly Vianna e Dainis Karepovs (mediação de Fernando Garcia)

31/3: Formação do PCB: testemunho histórico-político, com Sofia Manzano e José Luiz Del Roio (mediação de Renata Cotrim)

FORMAÇÃO DO PCB: 1922/1928

Quando Lançamento em 8.abr

Autor Astrojildo Pereira

Editora Boitempo e Fundação Astrojildo Pereira

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