25 de março de 2022

Os protagonistas da Operação Condor devem ser presos

Em 2021, os tribunais italianos condenaram quatorze homens pelo papel que desempenharam na Operação Condor, uma campanha terrorista implantada na América Latina e apoiada pelos Estados Unidos. Mas há muitos outros torturadores que vivem uma aposentadoria tranquila e atrasam a justiça.

Vitto Ruggiero

Milhares de uruguaios participam da Marcha del Silencio em memória dos desaparecidos durante a ditadura militar (1973-1985). Foto: Miguel Rojo/AFP via Getty Images

Em julho de 2021, uma série de julgamentos contra os repressores da junta militar latino-americana que começou há duas décadas foi concluída na Itália. A investigação começou com a decisão do magistrado Giancarlo Capaldo de investigar os "desaparecimentos" de vários cidadãos italianos durante as décadas de 1970 e 1980 no âmbito da infame Operação Condor.

O trabalho preliminar do julgamento durou quinze anos e mais de vinte e um soldados, ministros e até alguns estadistas famosos tiveram que testemunhar no tribunal. Um deles foi Jorge Néstor Troccoli, morador da província meridional de Salerno, intimado por ter servido como agente secreto na inteligência do exército uruguaio. Alguns anos atrás, ele havia usado sua cidadania italiana para fugir do Uruguai e escapar da acusação pelas mesmas acusações em seu país de origem.

Em junho de 2021, seis anos após o início do processo, o tribunal emitiu uma sentença. Quatorze dos réus, incluindo Troccoli, receberam sentenças de prisão perpétua. Mas entre os vinte e um acusados, também houve vários que morreram antes de serem julgados. E na América Latina e em outras partes do mundo, muitos desses criminosos permanecem sem condenação.

Operação Condor

Para entender a essência da Operação Condor - também conhecida como Plano Condor ou, especialmente no meio acadêmico, como "sistema Condor" -, temos que voltar à turbulenta história que definiu o rumo da América Latina nos anos 1970. A Revolução Cubana, aliada à independência de muitos países africanos e asiáticos, estimulou as lutas políticas e sociais no continente. Nos partidos e movimentos de esquerda, o processo alimentou esperanças de emancipação do modelo que os Estados Unidos impuseram à região, ou seja, de alcançar uma segunda independência, conforme a letra da famosa canção Inti-Illimani.

Mas as esperanças duraram pouco. Através de uma série de golpes, os militares tomaram o poder e derrubaram governos democraticamente eleitos em todo o continente. Fizeram-no com a cumplicidade das elites econômicas, que sempre tiveram muita influência nas esferas do poder político na América Latina, e também com a dos Estados Unidos, que se preocupava que as reformas dos governos de esquerda pudessem pôr em perigo os seus investimentos na região e trazer muitos países tradicionalmente alinhados com Washington para a órbita da União Soviética.

Os golpes começaram em 1964 com o do Brasil. Em 1971 foi a vez da Bolívia. Chile e Uruguai seguiram em 1973, e depois Argentina em 1976. Uma vez no poder, os militares lançaram violentas campanhas repressivas contra todas as formas de dissidência. Incursões contra opositores, prisões arbitrárias, tortura sistemática e "desaparecimentos" foram as medidas utilizadas pelas ditaduras para preservar seu poder. Eles visavam esquerdistas, músicos, sindicalistas, estudantes envolvidos em movimentos sociais, ativistas católicos e até pessoas que eles presumiam arbitrariamente terem uma inclinação marxista.

Mas nada disso foi suficiente. Os golpes duraram mais de dez anos. Na esperança de evitar a repressão, muitas pessoas deixaram seus países de origem e se mudaram para outros países onde não havia golpe. A polícia secreta dos militares os seguiu de perto. No outono de 1975, para contribuir para a solução deste "problema", o Coronel Manuel Contreras, chefe da Direção Nacional de Inteligência (DINA) do Chile, convidou seus colegas de outros países militarizados a Santiago para celebrar o Primeiro Inter- American National Intelligence Meeting, uma cúpula secreta que buscava fortalecer os sistemas de segurança dos países envolvidos.

Ao término da reunião, realizada na capital de Augusto Pinochet em novembro de 1975, os delegados do Chile, Bolívia, Argentina, Uruguai e Paraguai assinaram um pacto que envolvia o desenvolvimento de um sistema repressivo transnacional denominado Condor em homenagem à ave símbolo do país anfitrião. O objetivo era promover o intercâmbio de inteligência vinculada a "subversivos" entre diferentes países, por meio da criação de uma instituição de coordenação e de um banco de dados internacional modelado na Interpol. O Brasil aderiu mais tarde, em 1976, e dois anos depois o Equador e o Peru.

A reunião e a troca de informações foi apenas a primeira parte do acordo. A segunda foi operacional e promoveu a realização de missões transfronteiriças com a colaboração dos serviços de inteligência dos diferentes países. Isso permitiu que agentes secretos de todas as nacionalidades começassem a cruzar fronteiras sem nenhum impedimento burocrático. As missões permitiram aos agentes interrogar seus compatriotas detidos em outro país que havia assinado o Plano Condor, ou mesmo iniciar processos contra supostos dissidentes com base em informações dos serviços secretos locais. Os interrogatórios, que se baseavam na tortura, muitas vezes terminavam com o "desaparecimento" ou a morte do prisioneiro.

A última parte do acordo consistia na formação de esquadrões especiais encarregados de identificar e eliminar os inimigos refugiados fora das fronteiras dos países do Condor, uma vez que se supunha que poderiam desestabilizar os regimes militares mesmo operando longe das costas latino-americanas.

A cumplicidade de Washington

Dois pontos precisam ser esclarecidos.

Primeiro: ainda que estejam intimamente relacionados, a Operação Condor não equivale às ditaduras latino-americanas dos anos 1970 e 1980. Embora compartilhem a mesma luta pela verdade e pela justiça, uma vítima da repressão ditatorial não é necessariamente uma vítima do sistema Condor.

Além disso, pelo menos quando se ater aos fatos históricos, os documentos não provam que a repressão transnacional foi orquestrada por Washington. Muitas vezes se esquece que o Plano Condor durou dois governos norte-americanos - Nixon-Ford primeiro, Carter depois - que tiveram abordagens muito diferentes sobre os regimes militares latino-americanos. Sempre em nome da realpolitik ao estilo de Kissinger, o governo Nixon-Ford promoveu e financiou muitas das ditaduras do período. Mas o governo Carter adotou uma perspectiva diferente sobre os direitos humanos e, mesmo que não tenha sido muito eficaz, foi pelo menos suficiente para tirar as acusações de comunismo da boca da junta militar.

De qualquer forma, manter em aberto a questão da participação dos Estados Unidos na detenção direta e desaparecimento de militantes não é suficiente para exonerar Washington de sua responsabilidade na criação e implementação do Plano Condor. Washington estava bem ciente do que estava acontecendo, mas decidiu permanecer em silêncio. Isso é comprovado por muitos documentos desclassificados pelos governos dos EUA a partir de 1999.

A colaboração dos Estados Unidos com a fundação e apoio dos regimes militares que, a partir da década de 1950, homogeneizaram politicamente a América Latina — condição chave para o surgimento do sistema Condor — é um fato evidente. Somam-se a isso os serviços de treinamento em técnicas de contrainsurgência e tortura oferecidos pela Escola das Américas, atendidos por muitos dos oficiais que mais tarde criaram o sistema Condor.

Finalmente, para coordenar as ações dos regimes militares, o sistema Condor utilizou a infraestrutura de comunicações dos Estados Unidos, localizada próximo ao Canal do Panamá. Washington é claramente culpado pelo conluio e apoio dado ao Plano Condor, especialmente entre 1975 e 1977. E, no entanto, é preciso distinguir esse tipo de apoio externo das atividades que os estados latino-americanos iniciaram por conta própria e as intervenções em política externa, como o golpe guatemalteco de 1954 ou a invasão da Baía dos Porcos.

A cooperação oficial entre as ditaduras do Cone Sul ligadas especificamente ao sistema Condor parece ter durado cerca de dois anos e terminou no final de 1977 ou início de 1978. A ruptura do pacto se deu por dois fatores. Em primeiro lugar, o assassinato, perpetrado em 21 de setembro de 1976 em Washington, de Orlando Letelier, diplomata chileno próximo de Salvador Allende. O crime repercutiu significativamente nas relações Chile-Estados Unidos e acabou impactando todos os Estados que faziam parte do Plano Condor. O novo governo de Jimmy Carter pressionou o regime chileno (e outros) a conter suas políticas repressivas, cortando a assistência militar às ditaduras que se recusavam a cooperar.

Em segundo lugar esteve o conflito entre Chile e Argentina em 1977, ano em que os dois países intensificaram a disputa pelo controle do Canal de Beagle, localizado no extremo sul do continente. Outros estados aproveitaram esse conflito, que por pouco não se tornou um confronto militar, para tirar a poeira de velhas reivindicações contra os países do Cone Sul. A mediação do Vaticano impediu a escalada da crise, mas as relações diplomáticas entre as diferentes ditaduras foram irremediavelmente enfraquecidas.

Mesmo assim, a quebra do pacto oficial não acabou com a colaboração entre as polícias políticas dos diferentes países. Eles continuaram a deter, massacrar, torturar e trocar prisioneiros até o início da década de 1980.

Justiça?

Ao longo dos anos, houve muitos julgamentos ligados aos crimes da Operação Condor, a maioria deles ocorrendo na América Latina. Já em 1978, começou um julgamento nos Estados Unidos contra Michael Townley, o agente americano da DINA responsável por ter organizado, junto com terroristas anti-Castro, o ataque a Orlando Letelier. Mas até agora, a Itália é o único país fora das Américas que realizou um julgamento expressamente vinculado ao plano Condor.

Ainda falta justiça. Muitos dos perpetradores da violência morreram sem pagar por seus crimes, em parte devido à fragilidade da maioria das transições democráticas na América Latina, e um grande número de oficiais terminou suas carreiras militares muito depois do fim das ditaduras. Outros emigraram para evitar processos. Igualmente verdade é que ninguém jamais respondeu a nenhum tribunal por ter promovido e financiado golpes do exterior, ou seja, por ter apoiado o assassinato de milhares de pessoas e a colaboração entre ditadores. Um nome serve para todos: Henry Kissinger, que ganhou o Prêmio Nobel em dezembro de 1973, depois de organizar meticulosamente o colapso do governo Allende no Chile e criar as condições para um golpe que custou milhares de vidas.

Levando tudo isso em conta, a realização de um julgamento vinculado à Operação Condor na Itália é apenas uma gota de justiça em um oceano de vítimas. Mas não é menos importante por isso. Pois bem, Jorge Néstor Troccoli é o primeiro torturador preso, julgado e condenado fora das Américas. A esperança é que esta sentença seja o ponto de partida para novos julgamentos contra outros torturadores que continuam a viver pacificamente no país, longe das cenas dos crimes que cometeram.

É o caso de Carlos Luis Malatto, oficial militar argentino acusado de torturar e assassinar dezenas de pessoas que hoje desfruta de uma aposentadoria tranquila na Sicília. Ou Don Franco Reverberi, também argentino, ex-capelão militar identificado por muitas vítimas como o padre que assistia os soldados durante as sessões de tortura. Ele ainda mora - e celebra missa - em uma cidade da província de Parma.

Quarenta anos se passaram, mas hoje mais do que nunca devemos continuar lutando pela justiça que cada uma das vítimas da repressão merece. Essa a justiça não respeita fronteiras geográficas ou políticas e deve reviver a memória do que aconteceu além da América Latina, mesmo entre aqueles que não sofreram a repressão em sua própria carne. Em 9 de julho de 2021, um tribunal italiano deu o primeiro passo. Depositamos nossas esperanças em que este julgamento seja apenas o primeiro até que caiam ó muro da impunidade e a omertà que cercam todos esses crimes por tanto tempo.

Sobre o autor

Vitto Ruggiero é doutor em História da América Latina pela Universidade de Roma III.

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