23 de março de 2022

Petro tem um encontro marcado com a história

Gustavo Petro desperta medo justificado entre a classe dominante colombiana. Para entender o porquê, é preciso entender o significado histórico de sua candidatura.

Estefanía Martínez


Se as sondagens atuais se mantiverem, Petro ganhará as eleições presidenciais no primeiro turno (Reuters).

Em 13 de março, a esquerda colombiana encenou uma vitória histórica. Não só conquistou votos suficientes para formar uma coligação majoritária no Congresso, como o evento também anunciou a vitória antecipada de Gustavo Petro na consulta interna da coligação Pacto Histórico.

Ao ratificar Petro como o candidato mais provável para vencer as eleições presidenciais de maio próximo, confirmou-se também um verdadeiro encontro com a história colombiana: uma história sangrenta que nunca deixou de favorecer as elites, mas que a ascensão de Petro como o último elo de uma longa história de luta promete reverter.

Um voto para virar a página?

Representada pela coligação Pacto Histórico, a esquerda colocou 16 deputados no Congresso e 25 na Câmara dos Deputados, apesar da fraude na pré-contagem de votos em algumas das zonas eleitorais (localizadas em regiões sob controle paramilitar) onde foram anulados mais de 300 mil votos para o Pacto. Da mesma forma, outros partidos de centro-esquerda, como a Coalición Centro Esperanza e a Alianza Verde, conquistaram um número significativo de cadeiras e se tornaram, junto com o Pacto, as bancadas mais importantes do poder legislativo.

Se a vitória da esquerda colombiana teve pouca repercussão e não houve muitas comemorações, isso se deve em parte ao fato de que, após décadas de guerra interna, a fama internacional do país se consolidou como a imagem de um país conservador e de direita. Por outro lado, persiste na Colômbia uma tendência de associar a esquerda às guerrilhas, que foram declaradas organizações criminosas e terroristas. Soma-se ao estigma contra a guerrilha a desconfiança que alguns setores alternativos mantêm contra as tendências caudilhistas (das quais Petro não está isento) e contra os discursos que reivindicam a luta de classes.

Por outro lado, há a indiferença e apatia geral dos colombianos em relação às questões políticas, evidenciada pelo fato de que mais de cinqüenta por cento da população não exerce seu direito ao voto. Esse é um dos aspectos-chave para explicar o repetido triunfo da direita nas últimas trinta décadas: os votos eram de uma minoria manipulada por meios de comunicação privados como Caracol e RCN, e a corrupção, a compra de votos e alianças com grupos de poder territorial como os paramilitares também exerceram sua influência.

Nas recentes eleições de 13 de março, o Partido Conservador conquistou o segundo lugar em número de cadeiras no Senado e no Congresso. Da mesma forma, o engenheiro e político liberal de direita Federico Gutiérrez, mais conhecido como "Fico", ficou em segundo lugar em número de votos na consulta interna dos partidos (mais de dois milhões de votos), diluindo um pouco as expectativas de que a esquerda passaria pelo primeiro turno das eleições presidenciais em maio.

Fico Gutiérrez é uma figura "simpática" do empresariado urbano de Antioquia que se apresenta como alternativa aos tradicionais partidos liberais e conservadores, e como alternativa à esquerda e à direita. Seu lema é ser um candidato "sem ideologias" que busca acabar com a continuidade e garantir a segurança e a ordem institucional. No entanto, seus vínculos com o uribismo e com a direita são mais do que evidentes: ficou claro nas entrevistas e debates presidenciais em que soltou a língua ao falar sobre o vínculo entre a esquerda e a guerrilha, os perigos do marxismo, a ideologia de classe e o chamado "castrochavismo".

São os mesmos discursos que serviram ao populista independente Rodolfo Hernández, empresário de Santander cujo principal cavalo de batalha tem sido a luta contra os corruptos da esquerda e da direita. Também serviu à candidata Ingrid Betancourt, que aproveitou sua história pessoal do sequestro pelos guerrilheiros das FARC em 2002 para reviver o sectarismo político e fazer o ataque contra a esquerda em termos morais.

Betancourt, que baseou toda a sua diatribe no velho discurso das “máquinas políticas”, não deixa de ser uma tecnocrata experiente que busca avidamente defender as ideias de reforma neoliberal, austeridade e disciplina fiscal aplicadas pela direita colombiana nas últimas décadas. Essas mesmas medidas neoliberais têm sido a principal fonte de clientelismo e corrupção, uma vez que estas descentralizaram os recursos e a provisão dos principais bens e serviços do Estado em mãos privadas, favorecendo o lucro ao invés do benefício social e o favor político e o suborno ao invés da liberdade de decisão.

Obstáculos contra uma iminente vitória da esquerda

Apesar do descrédito experimentado pelas classes dominantes colombianas, a vitória do Petro no primeiro turno não está garantida. Dependerá do fato de que o voto não seja disperso entre todos os candidatos disfarçados de independentes, mas que geralmente representam a direita. Dependerá também se o voto alternativo não será disperso pelo candidato Sergio Fajardo, que ficou em quarto lugar nas consultas internas e assim se tornou o líder da coalizão de centro-esquerda Centro Esperanza.

Acima de tudo, o resultado dependerá do fracasso da extrema direita em suas intenções de desferir um golpe contra o processo eleitoral como o promovido recentemente pelo ex-presidente Uribe (que também liderou o plebiscito contra o Acordo de Paz com as FARC em 2016 no qual, com base em fake news, ganhou o NÃO). Nos últimos dias, o presidente Duque e Uribe pediram que os resultados das eleições fossem ignorados e pediram a recontagem de todos os votos, o que lhes daria tempo para elaborar um plano de golpe contra a democracia.

A possibilidade de um golpe de extrema direita torna-se cada vez mais iminente diante da recusa de seus representantes, mais uma vez, em aceitar a rejeição das políticas do atual governo, o qual se refletiu nos resultados eleitorais dados ao Uribismo e ao partido do Centro Democrático, como o grande perdedor do dia.

A impotência da direita ficou evidente após os resultados das eleições de 13 de março, que também representaram uma vitória parcial contra o Uribismo e o partido de extrema direita, o Centro Democrático. Após o pacote de medidas de ajuste do governo Duque, que deu origem à Greve Nacional de 2021, a popularidade do Centro Democrático foi fortemente afetada. Somam-se ao descrédito de Duque as imagens da violência policial e dos assassinatos de jovens promovidas nos mais altos escalões dos ministérios de defesa e segurança, imagens que abalaram o país e o mundo inteiro no ano anterior.

O anterior também contribuiu para desacreditar a mídia nacional, encarregada de reproduzir as mentiras do governo, ocultar os números e desviar a atenção para outros eventos, como eventos esportivos ou a crise na Venezuela, enquanto o sangue escorria as ruas das principais cidades colombianas.

Mas, além disso, a possibilidade de um mandato de esquerda enfrentaria outros obstáculos, como as forças econômicas que dominam a região, a pressão estrangeira, o poder interno exercido por estruturas paramilitares e o narcotráfico (que não só financiaram campanhas de candidatos da direita, mas também colocou presidentes e assassinou opositores). Recentemente, o atual presidente Iván Duque tentou apelar a aliados externos como os Estados Unidos para fazer com que esse governo volte exercer influência em seu antigo “quintal” e esteja pronto para intervir caso Petro consiga se firmar como vencedor.

Fantasmas de Gaitán

Diante da ascensão do Petro, alguns comentaristas da direita alcançaram a história mais remota. Ultimamente, isso tomou a forma de evocar a probabilidade pessimista de que Petro seja assassinado como o que pôs fim à vida de Jorge Eliecer Gaitán em 9 de abril de 1948 e, com ela, a utopia de uma sociedade moderna baseada no poder do pequenos produtores rurais, as classes artesanais e os trabalhadores das cidades. Em suma, é a ameaça de reativar a história que mergulhou o país em um dos piores e mais violentos capítulos de sua história.

O fato de Petro ser apontado pelos mesmos comentaristas como um promotor das ideias do comunismo, da mesma forma que Gaitán — que também não era comunista — era apontado na época como uma ameaça aos valores da livre iniciativa, propriedade e catolicismo. Além disso, Petro tem sido retratado por seus opositores na mídia e na imprensa internacional como uma ameaça à estabilidade política e econômica da região: seus inimigos procuram associá-lo ao chamado castro-chavismo e usam seus discursos sobre a democratização da propriedade, justiça social e redistribuição como arma para induzir pânico e terror, e fazer as pessoas acreditarem que a única maneira de proteger a liberdade, os direitos individuais, o direito à propriedade e à segurança é confiar o poder à direita e manter as expectativas no projeto neoliberal.

Aqui é importante relembrar a história da origem das revoltas populares e da luta armada na Colômbia, bem como os infortúnios e as chances históricas que levaram ao surgimento de uma figura como Petro. Esses eventos incluem: a história do assassinato de Jorge Eliecer Gaitán em 9 de abril de 1948, que marcou para sempre a consciência das classes populares na Colômbia e traçou o curso da luta armada; a criação do movimento M-19 em abril de 1970, que respondeu ao fechamento das avenidas democráticas pelos partidos tradicionais que estavam no poder; e, por fim, o recente surto social em abril de 2021, que expôs o regime opressor e sanguinário, bem como a ditadura econômica imposta pelo neoliberalismo no país.

A violência

Em 9 de abril de 1948, Jorge Eliecer Gaitán foi assassinado, fato que marcou a consciência coletiva da esquerda e criou um trauma na história nacional. Gaitán tornou-se o porta-voz das lutas operárias e camponesas da primeira metade do século XX devido às suas denúncias públicas sobre os acontecimentos do massacre das bananeiras de 1928, no enclave criado pela United Fruit na região de Ciénaga (Madalena), o mesmo lugar onde, trinta e dois anos depois, nasceu Petro. Advogado e grande orador, lembrado por encher praças públicas, opositores acusaram Gaitán de promover ideias comunistas e o definiram como uma ameaça à ordem existente, pois suas propostas buscavam acabar com o poder estagnado da oligarquia latifundiária colombiana.

Gaitán conseguiu, assim, tornar-se o candidato popular às eleições de 1950 e foi o principal representante da ala mais radical do partido liberal. Foi assassinado no início da Guerra Fria, enquanto se realizava em Bogotá a IX Conferência Pan-Americana, da qual participava o general George Marshall (do Plano Marshall para a reconstrução da Europa Ocidental). Depois que os fatos foram conhecidos, desencadeou-se uma fúria que levou à destruição maciça de infraestruturas e monumentos públicos. O povo enfurecido tentou invadir a Casa de Nariño — sede do executivo — para destituir o então presidente conservador, linchá-lo e declarar a rebelião.

No entanto, o movimento foi frustrado pela anarquia que reinava nos protestos e manifestações e, sobretudo, pelo sectarismo promovido pela oligarquia conservadora, chefiada pelo ex-presidente Laureano Gómez. Ele condenou o movimento como um ato de máfia que tinha que ser interrompido a todo custo. Os discursos de Gómez serviram, assim, para justificar a crueldade contra os líderes gaitanistas do partido liberal, que foram massacrados e seus escritórios alvo de ataques armados. Os ataques também foram dirigidos contra a população camponesa e os ocupantes de terras, e foram realizados por exércitos de gamonales (esquadrões da morte) contratados pelas classes latifundiárias e por membros do partido conservador para defender a propriedade privada nas áreas rurais.

Isso começou o período de La Violencia, que, como alguns historiadores retratam corretamente, era uma "mistura de terror oficial, sectarismo partidário e política de terra arrasada". La Violencia ajudou assim a estender as táticas que haviam sido aplicadas no passado em áreas de conflito agrário para incutir e forçar as pessoas a abandonar suas terras e posses. Este fenômeno instalou-se sobretudo nas regiões cafeeiras, especialmente nas áreas de pequena propriedade de Boyacá e nos departamentos de Santander, e nas áreas de colonização de Antioquia nos departamentos de Valle, Viejo Caldas e Tolima. A violência bipartidária durou aproximadamente até 1958, quando os partidos Liberal e Conservador concordaram em assinar uma trégua para revezar o poder e acabar com os confrontos armados.

As origens do Movimiento 19 de abril

A Frente Nacional surgiu do pacto político firmado entre os partidos Liberal e Conservador e contou com a aliança entre a classe latifundiária e a classe industrial nacional para gerar uma nova fase de desenvolvimento e crescimento econômico em "paz", baseado no modelo de industrialização de substituição de importações que estava em ascensão na região. Em particular, esta época foi precedida pelo maior intervencionismo dos Estados Unidos na região através da Aliança para o Progresso (1961), que procurou, apoiando políticas progressistas moderadas, contrariar o impacto mais radical da Revolução Cubana e impedir a propagação das ideias do comunismo na região.

Assim, durante a Frente Nacional, ocorreram duas tentativas de reforma agrária que, no entanto, foram bloqueadas na Colômbia por uma fração extrema da classe fundiária. Era também a época da Guerra do Vietnã, então o apoio e a estreita relação que a Colômbia mantinha com os Estados Unidos serviu para utilizar o campo colombiano na experimentação de armas, ataques e bombardeios contra o núcleo de guerrilhas liberais e as populações que se instalaram em áreas da fronteira agrícola depois de fugir da perseguição política contra os seguidores das ideias de Gaitán.

A Frente Nacional buscou sobretudo a desmobilização das guerrilhas liberais por meio de métodos que, no fim, contribuíssem para sua radicalização. A distribuição de poder entre os partidos conservador e liberal, que permitiu uma era de esplendor para os negócios da nova classe capitalista agroindustrial no país, fechou as vias políticas às demandas sociais dos setores camponês e operário e às reivindicações fundiárias de organizações como a Asociación de Usuarios Agropecuarios (ANUC)..

A Frente Nacional, e com ela a inviabilidade de qualquer alternativa política, vigorou até 1974. Foi nessa época que surgiu a luta armada no país, entre cujas organizações se destacaram: as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC-EP), o Exército de Libertação Nacional (ELN), o Exército Popular de Libertação (EPL) e o Movimiento 19 de Abril (M-19). Este último foi um movimento de base urbana formado em 1973, após a fraude nas eleições presidenciais vencidas pelo ex-general Rojas Pinilla, o mesmo que em 13 de junho de 1953 havia realizado o golpe militar contra o governo do presidente de extrema-direita, Laurano Gomez.

A iniciação política de Petro veio com os movimentos sindicais e trabalhistas de Zipaquirá, município nos arredores da atual região metropolitana de Bogotá. Petro participou da personería e aconselhamento em nome do partido político Alianza Nacional Popular (ANAPO), fundado pelo general Rojas Pinilla. Mais tarde, depois de se tornar membro do M-19, Petro se envolveu com as causas da classe trabalhadora dos bairros marginais e também com a dos pequenos produtores agrícolas. Dentre algumas das principais ações realizadas pelo M-19, destaca-se a ocupação do solo urbano para a criação de casas e bairros para moradores de rua. Também tomaram o Palácio da Justiça em 1985 para reclamar do descumprimento dos acordos de paz da época, o que levou a uma intervenção do exército que causou a morte de mais de uma centena de pessoas, entre parlamentares e guerrilheiros.

Gustavo Petro foi membro do M-19 até sua desmobilização em 1990, que foi seguida pela criação do movimento político denominado Alianza Democrática M-19 (AD-M-19). A Aliança Democrática participou da elaboração do constituinte de 1991, que incluiu importantes setores sociais historicamente excluídos da sociedade colombiana, como a população indígena e afrodescendente. No entanto, a constituição resultante do processo também se tornou o cavalo de Tróia para introduzir a reforma neoliberal (impulsionada pelo então presidente César Augusto Gaviria), que levou à privatização dos setores de saúde e educação e à descentralização de um grande número de serviços que eram anteriormente um monopólio estatal (como energia e telecomunicações).

Após o desaparecimento do M-19, surgiram outras organizações que recuperaram o legado da luta pela democratização do poder político na Colômbia. Foi o caso do Polo Democrático Alternativo (PDA), fundado por antigos membros da ANAPO e do M-19. Petro fazia parte do PDA e, como senador por esse partido, denunciou os vínculos entre paramilitarismo e política que começavam a se consolidar na Colômbia naquele momento. Mais tarde, rompeu relações com o partido para fundar o movimento Colômbia Humana, o que lhe permitiu se candidatar a prefeito de Bogotá em 2011. A partir desse momento, a carreira de Petro para as eleições presidenciais começaria a ser vislumbrada, convencido de que sua capacidade de representar a esquerda e derrotar o Uribismo na Colômbia.

O Pacto Histórico e a paralisação de 28 de abril de 2021

O Pacto Histórico surgiu como uma aliança política para promover a chegada de Petro à presidência como único candidato da esquerda. Ela tomou forma no contexto dos protestos sociais que explodiram em várias cidades colombianas em abril de 2021, após a proposta do governo Duque de aprovar uma reforma tributária pós-pandemia. Os protestos, que deixaram mais de 60 mortos, centenas de feridos e mutilados, a maioria nas mãos da polícia de Cali, foram uma demonstração espontânea da frustração vivida pela maioria da população colombiana durante a pandemia diante do aumento dos preços dos alimentos, os impactos do desfinanciamento da saúde e da educação, a redução dos salários reais, etc.

Assim, o Pacto Histórico buscou integrar os movimentos juvenis da linha de frente, os representantes das principais organizações indígenas, os líderes ambientais das regiões do Pacífico colombiano e das regiões de mineração, carvão, etc. Em suma, o objetivo era trazer as reivindicações e lutas que se formaram nas ruas durante os protestos de abril para o cenário da batalha política, no Congresso e no Senado. Dessa forma, o objetivo do Pacto era tornar-se uma força gravitacional capaz de derrotar o Uribismo e acabar com o legado das políticas neoliberais.

O Pacto Histórico conseguiu convocar figuras notáveis ​​da luta social nos territórios mais marginalizados atormentados pela violência dos poderes territoriais ligados à extração de recursos, como é o caso da região do Pacífico colombiano. A partir daí surgiu uma importante liderança do poder negro, Francia Márquez, que representa as lutas por justiça racial, ambiental e de gênero no país. Márquez foi a terceira candidata mais votada nas consultas internas das coalizões e a primeira mulher negra de esquerda na história da Colômbia a participar de uma consulta presidencial.

Dessa forma, o Pacto conseguiu integrar as reivindicações históricas dos territórios contra o poder da classe latifundiária, pecuarista e agroindustrial e contra a aliança que mantém com os grupos paramilitares armados do Estado. É histórico precisamente porque representa a convergência incomum de forças à esquerda e porque assume reivindicações de terras e territórios que vêm acontecendo há décadas, se não séculos.

Uma mudança histórica

Entre algumas das propostas mais radicais de Petro está a de realizar uma reforma agrária e econômica para reverter os mais de trinta anos de políticas neoliberais no país que beneficiaram empresas, bancos e empresários bilionários do país (como é o caso de Luis Carlos Sarmiento Angulo, principal acionista do maior conglomerado bancário privado da Colômbia e um dos homens mais ricos do mundo, com uma fortuna de aproximadamente 12 bilhões de dólares). Se essas mudanças forem alcançadas com sucesso, podemos prever o início de uma importante transformação histórica, não apenas na política nacional, mas também na política geral da região, já que o Petro disse que trabalhará em conjunto com os governos de Gabriel Boric no Chile, de Luiz Inácio Lula da Silva no Brasil (caso ganhe as eleições naquele país) e que restabeleceria relações diplomáticas com Maduro.

Os aspectos mais importantes da proposta do Petro concentram-se na política agrícola e energética. Petro disse que vai parar a extração de combustíveis fósseis (petróleo e carvão) que geram cerca de metade das receitas de exportação. Também indicou que aumentará as tarifas sobre a importação de mercadorias. Dessa forma, o eixo da economia passaria da extração de recursos naturais para a indústria produtiva voltada para a manufatura e a produção de serviços e agricultura para atender às necessidades do consumo interno do país. Por outro lado, em termos de política macroeconômica e fundiária, Petro disse que seu governo realizará uma reforma agrária sem desapropriações, semelhante à reforma proposta em 1936 pelo governo liberal de Alfonso López Pumarejo: uma reforma baseada no princípio da função social da terra, altos impostos sobre a grande propriedade e redistribuição. Segundo Petro, isso ajudaria a reduzir o tráfico de drogas em regiões onde a terra é um dos principais meios de especulação e lavagem de dinheiro.

No entanto, há dúvidas sobre a viabilidade dessas propostas sem uma aliança com os poderes econômicos (como é o caso do poder econômico do setor do agronegócio), e não está claro que seja possível realizar uma modernização econômica, sem falar da promessa de acabar com a extração de combustíveis fósseis. A verdade é que as propostas do Petro conseguiram trazer à tona uma visão mais justa do território, uma visão que integra setores historicamente excluídos, como as populações indígenas, afrodescendentes e camponesas (e agora também a juventude), ampliando o legado do Constituição de 1991.

Certamente será preciso mais do que um Pacto (da mesma forma que foi preciso mais do que a constituição de 1991) para conseguir uma transformação das condições materiais que dão origem a uma sociedade colombiana mais justa e igualitária, uma sociedade com tempo livre para criar, pensar e curar as feridas do passado. No entanto, será reconhecendo e não negando, patologizando ou moralizando as lutas e traumas do passado que recriaremos a história para começar a escrever um novo capítulo e mudar o futuro do povo colombiano.

Sobre a autora

Socióloga da Universidad del Valle, doutoranda em geografia pela Universidade de Montreal e ex-integrante do Centro Nacional de Estrategias para el Derecho al Territorio (CENEDET), Equador.

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