11 de março de 2022

Desarmamento nuclear já

A invasão da Ucrânia levantou o espectro de uma guerra nuclear pela primeira vez em uma geração - e mostrou por que precisamos de uma campanha em massa para o desarmamento nuclear.

Kate Hudson

Tribune


Tradução / Apenas algumas semanas de guerra e armas nucleares estão na pauta. As manchetes dos jornais gritam sobre as armas nucleares de Putin e a Terceira Guerra Mundial e, nesta ocasião, eles não estão exagerando a possibilidade. Com Putin colocando as forças nucleares russas em alerta máximo e emitindo ameaças pouco veladas de uso nuclear, os sinais de alarme globais estão tocando.

Mesmo antes da invasão na Ucrânia, os ponteiros do relógio do Dia do Juízo Final foram tocados na meia-noite – o mais próximo de todos, até mesmo no auge da Guerra Fria. Agora, eles devem estar muito mais próximos da meia-noite, simbolizando a catástrofe existencial. Os acontecimentos destes dias terríveis certamente demonstram que armas nucleares são perigosas demais para continuarem a povoar os arsenais de um número muito pequeno de países que põem voluntariamente em risco o futuro da humanidade.

Comentaristas fizeram paralelos entre os riscos hoje e durante a Crise dos Mísseis Cubanos em 1962, quando parecia que o mundo estava à beira de um desastre nuclear. A principal diferença entre aquela época e agora é que não havia guerra, e os dois líderes, Kennedy e Khrushchev, tiveram a sabedoria de negociar para trazer uma solução que lidasse com as preocupações de segurança de ambos os lados. A União Soviética retirou os mísseis nucleares que havia instalado em Cuba em troca de uma promessa dos EUA de não invadir a ilha socialista, e um acordo secreto de que armas nucleares americanas seriam posteriormente retiradas da Turquia; elas foram calmamente retiradas em 1963. Foi comovente e marcante, mas a sabedoria e o diálogo prevaleceram, e a guerra nuclear foi evitada. Essa contenção e vontade de negociar está hoje nitidamente ausente, e outros fatores também tornam a guerra nuclear muito mais provável.

Em primeiro lugar, está ocorrendo uma guerra terrível e cada vez mais brutal na Ucrânia: pessoas estão morrendo, casas e infraestrutura destruídas. Uma guerra como esta é o contexto no qual as armas nucleares poderiam se tornar uma etapa futura na escalada militar. E há muitos clamores precipitados que poderiam levar a uma guerra nuclear. Durante a crise dos mísseis cubanos, o General Curtis LeMay defendeu ataques aéreos contra Cuba para destruir as instalações de mísseis. Felizmente, Kennedy recusou, evitando um desastre nuclear, e é de se esperar que os líderes da OTAN continuem a resistir aos apelos pelo fechamento do espaço aéreo – conhecido como uma “no fly zone“. Isto teria precisamente o mesmo tipo de impulso para o uso nuclear; o abate de um avião russo em um espaço aéreo fechado forçadamente pela OTAN equivaleria a uma declaração de guerra. Como declarou um de nossos amigos do movimento pela paz na Ucrânia, escrevendo de Kiev no fim de semana, “acreditamos que esta invasão brutal deve ser detida, mas nos opomos fortemente às exigências imprudentes de fechar o céu”. Nesse cenário, as 12 mil armas nucleares que as forças da OTAN e da Rússia possuem poderiam entrar rapidamente em ação.

Em segundo lugar, como apontado recentemente na revista Foreign Policy, grande parte do tratado desenvolvido durante a Guerra Fria foi abandonado ao longo das duas últimas décadas, desde a retirada de Bush do Tratado de Mísseis Anti-Balísticos em 2002, passando pela retirada russa do Tratado das Forças Convencionais na Europa em 2007, até a retirada de Trump de vários acordos, incluindo o Tratado das Forças Nucleares de Alcance Intermediário em 2019. Quaisquer que sejam as falhas e insuficiências que possam ter existido dentro desta estrutura de tratados, eles ao menos proporcionaram múltiplas restrições e oportunidades de diálogo. Sua ausência significa haver menos obstáculos ao surgimento de conflitos, portanto, torna-se uma opção mais próxima e o risco de uma escalada para a guerra nuclear é muito maior.

É claro que as recentes políticas dos Estados com armas nucleares não estão facilitando a redução dos riscos nucleares. Durante algumas décadas, tivemos reduções significativas nas armas nucleares, mas agora estamos vendo programas de modernização de todos os lados – como o da substituição do Trident britânico. Em alguns casos, estamos até assistindo a aumentos, como o aumento do arsenal nuclear de Boris Johnson no ano passado.

Mas o pior de tudo é a higienização da ideia sobre o uso nuclear. Trump teve muito a explicar por isto: ele não só falou das chamadas armas nucleares “utilizáveis”, mas também as produziu e as implantou em seu último ano de mandato. Portanto, agora, a ideia de que elas nunca serão usadas – a teoria da destruição mutuamente assegurada da Guerra Fria – desapareceu. Ouvimos falar de armas nucleares táticas, como se você pudesse usar uma pequena em um campo de batalha e tudo estaria bem em outro lugar. Isto é um completo absurdo – e um absurdo criminalmente perigoso.

Ao menos 75.000 pessoas morreram nas primeiras horas depois que a bomba atômica foi lançada sobre Hiroshima em 1945 e cerca de 140.000 morreram até dezembro daquele ano. O número de mortos atingiu cerca de 200 mil no final de 1950 como resultado de envenenamento por radiação, com cânceres e anomalias fetais que continuaram acontecendo. Com a bomba de Hiroshima contando como uma bomba muito pequena em termos atuais, e uma compreensão muito maior do impacto do uso de armas nucleares sobre a saúde e o meio ambiente, é de se admirar que grande parte da comunidade global as tenha rejeitado, e que muitos Estados estejam lutando na ONU para que as armas nucleares sejam proibidas.

Mais da metade do mundo já se organizou por conta própria em zonas livres de armas nucleares. Além de proibi-los em suas próprias terras e em continentes inteiros no Sul Global, eles não desejam sofrer as consequências de uma guerra nuclear no Norte Global. Por esta razão, o Tratado sobre a Proibição de Armas Nucleares da ONU entrou em vigor no ano passado. Embora o governo da Grã-Bretanha se recuse a se envolver com ele, esta semana, o Parlamento do País de Gales aprovou uma proposta reconhecendo que este conflito aumenta o risco de uma guerra nuclear e pediu o apelo a todos os Estados para que ratifiquem o Tratado para evitar tal ameaça no futuro. Sem dúvida, alguns chamarão utópicos ou irrealistas, mas a alternativa é, eventualmente, enfrentar a guerra nuclear.

Aqueles poucos Estados que insistem em manter as armas nucleares estão brincando com o futuro da humanidade. Chegou a hora do desarmamento nuclear.

Sobre o autor

Kate Hudson é a Secretária Geral da Campanha pelo Desarmamento Nuclear (CND).

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