10 de março de 2022

Alta dos combustíveis pode ser suavizada com imposto temporário

Solução mais justa seria tributar quem lucra mais com o choque de preços

Nelson Barbosa



A invasão russa da Ucrânia causou grande aumento do preço internacional do petróleo, e, mesmo com apreciação do real, a queda da taxa de câmbio não foi suficiente para neutralizar o choque externo. Nesta quinta (10), a Petrobras anunciou um aumento substancial de preços em suas refinarias, e isso elevará a expectativa de inflação deste ano. Poderia ser diferente? Não, mas vamos por partes.

Quase todos os economistas concordam que os preços internos de commodities (bens primários com cotação internacional) devem seguir os preços externos. Por quê? Porque a produção doméstica pode ser vendida no Brasil ou no resto do mundo, onde o preço for maior.

Diante de uma elevação permanente do preço internacional de uma commodity, seja ela etanol, seja soja, seja petróleo, deve haver elevação permanente do preço interno correspondente. O impacto de curto prazo é ruim, mas ele incentiva investimentos em métodos de produção mais eficientes e utilização de produtos alternativos.

Mas e se a elevação do preço internacional for temporária? Nesse caso, pode fazer sentido suavizar o impacto dos preços internacionais e a discussão passa a quem deve pagar a conta. No caso do Brasil, há dois candidatos a pagar a conta do petróleo: o contribuinte do Tesouro e o acionista das empresas de petróleo (o que inclui o Tesouro como acionista da Petrobras).

Começando pelo contribuinte, o governo pode cortar impostos e criar subsídios temporários para atenuar o choque de preços. O corte de impostos geralmente beneficia todos os compradores de combustível, quem precisa e quem não precisa de auxílio. Já os subsídios podem ser direcionados aos consumidores mais vulneráveis, por exemplo: famílias de baixa renda na compra de gás e usuários de transporte coletivo.

Subsídios focalizados são a solução "preferida" (menos odiada) entre economistas, mas, qualquer que seja a escolha de ação, a suavização fiscal de um preço de mercado tem custo para o governo. Esse custo pode ser financiado via aumento temporário da dívida pública, corte de gasto ou aumento de arrecadação.

A solução mais justa é criar uma tributação adicional e temporária sobre quem ganha mais com o choque inesperado do preço internacional. Um exemplo dessa solução está sendo discutido no Senado dos EUA, via um imposto temporário sobre o lucro da exploração e produção de petróleo derivado de elevação inesperada de preços (windfall-profit tax).

A lógica do tributo temporário é fazer com que todos os acionistas das empresas produtoras de petróleo paguem parte da conta do choque internacional, reduzindo seus lucros excepcionais. No Brasil, esse tipo de mecanismo seria muito mais simples do que fazer apenas uma das produtoras domésticas, a Petrobras, arcar sozinha com o custo da suavização de preços, como tem sido defendido por alguns colegas.

Especificamente, em vez de acabar com paridade de preços internacionais adotada pela Petrobras, é melhor criar um "Contribuição Temporária sobre Ganhos do Petróleo" (CTGP), arrecadada pela União e direcionada para o que a sociedade, representada pelo Congresso Nacional, achar melhor.

A tributação temporária dos ganhos do petróleo também foi discutida recentemente no Senado brasileiro, por iniciativa do senador Jean Prates (PT-RN), mas com a criação de um imposto somente sobre a exportação de petróleo, para financiar um fundo de estabilização. A ideia merece ser retomada em moldes mais simples, sobre toda a produção doméstica de petróleo, pública ou privada, sem a necessidade de fundo de estabilização.

Sobre o autor

Professor da FGV e da UnB, ex-ministro da Fazenda e do Planejamento (2015-2016). É doutor em economia pela New School for Social Research.

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