25 de fevereiro de 2002

Tributo imposto

Fernando Nogueira da Costa

Folha de S.Paulo

Devo, não nego... Mas não pagarei os impostos, se possível! Afinal, o que o governo me dá em troca?!

Você pode ter acesso a serviços públicos na área de saúde, educação, segurança etc. Além disso, com as contribuições à Previdência Social, terá, quando se aposentar, direito a pensão.

Mas eu tenho de pagar plano de saúde, escola e faculdade particulares, segurança privada, previdência complementar!

Não se esqueça de que, na verdade, você tem deduções dessas despesas no seu Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF). Então, o governo permite aos contribuintes (não-isentos) a dedução de boa parte do que eles pagam para adquirir serviços privados, pretensamente, com melhor qualidade. Isso sem considerar as isenções dadas aos planos de saúde e às escolas e faculdades particulares que se declaram "sem fim lucrativo" e as renúncias concedidas pela Previdência a "entidades filantrópicas", clubes de futebol e empresas que fazem parte do sistema de imposto simplificado (Simples).

Será que, se não houvesse todas essas deduções, esse sistema privado se sustentaria? As camadas médias e altas de renda não iriam, de fato, acessar e exigir maior qualidade nos serviços públicos? O governo, arrecadando mais, teria condições de pagar mais e contratar melhores profissionais?

Esse tipo de diálogo é comum. O cidadão brasileiro, com o aumento da carga tributária (32,3% do PIB em 2000: recorde histórico), está começando a se preocupar com o destino de suas contribuições, impostos e taxas. Passa a perceber também que, quando muitos sonegam, arca com mais impostos.

O Brasil encerrou 2001 com um déficit nominal de R$ 42,8 bilhões, ou seja, a necessidade de financiamento do setor público representou 3,54% do PIB. O resultado é a diferença entre o superávit primário de R$ 43,6 bilhões e os gastos com pagamento de juros nominais de R$ 86,4 bilhões. O superávit primário -diferença entre receitas e despesas fiscais- é recorde desde 1991.

Mesmo assim, o governo não conseguiu impedir o crescimento de sua dívida. A dívida líquida do setor público somou R$ 660,8 bilhões, em dezembro de 2001, o que representa 53,3% do PIB. Em dezembro de 2000, a dívida pública era de R$ 563,2 bilhões. O aumento de R$ 97,7 bilhões no total da dívida, na comparação de um ano com o anterior, foi gerado por um conjunto de fatores. A desvalorização cambial de 18,7% no ano aumentou a dívida em R$ 29,2 bilhões (30% do aumento). O reconhecimento de dívidas ("esqueletos", como os que levaram o Tesouro a assumir ativos da Caixa Econômica Federal, do Banco do Brasil e do INSS) representou R$ 26,7 bilhões (28%). A necessidade de financiamento do setor público aumentou a dívida líquida em R$ 42,8 bilhões (44%), enquanto privatizações reduziram o déficit em R$ 980 milhões.

O governo poderia cortar mais gastos? Os gastos com o funcionalismo público, em 2001, foram equivalentes a 27,8% da receita corrente. Na realidade, do total das despesas não-financeiras do governo, 80% são pagamentos a pessoas, sob alguma forma de salário, aposentadoria ou benefício. O Orçamento da União é quase uma folha de pagamentos. Além dos gastos com pessoal, também os outros dois grandes grupos de despesas ou são intocáveis (transferências a Estados) ou já estão comprimidos (despesas de custeio e investimento). Mais da metade dessas despesas está vinculada a gastos com saúde e educação. A quantidade e a qualidade, nesses serviços públicos, dependem, essencialmente, de pessoal.

O maior conjunto de despesas correntes é com o pagamento de benefícios previdenciários. A Previdência Social -com déficit de R$ 12,8 bilhões em 2001- paga benefícios para 19,9 milhões de pessoas, sendo que 6,6 milhões estão na área rural e cada benefício atinge, em média, 3,5 pessoas. Os benefícios da Previdência Social são a principal fonte de renda de 78,5% das pessoas que vivem na área rural da região do semi-árido do Nordeste. O pagamento desses benefícios é o principal fator de dinamismo para as economias dessa região. Há uma política de transferência de renda por meio da Previdência.

Os encargos da dívida tiveram um considerável aumento, quando comparados com outras despesas orçamentárias (educação, saúde, previdência e pessoal). O maior aperto fiscal significou programas nas áreas de saneamento, educação, ambiente, transportes, irrigação e até segurança pública com execução inferior a 70% do previsto, em 2001. Então, são os gastos com encargos financeiros, relacionados com a política de juros e de câmbio, que deveriam ser cortados. A taxa de juros não deveria permanecer intocável...

Além disso, a fiscalização da Receita Federal encontrou R$ 33,1 bilhões que deixaram de ser pagos, em 2001. Cerca de R$ 31,9 bilhões são créditos que deveriam ser pagos por pessoas jurídicas. O setor financeiro foi o mais autuado; dentro dele, mais os fundos de pensão que os bancos.

Ninguém gosta de pagar tributo; senão, ele não seria "imposto"... Mas os contribuintes pagariam com mais gosto se soubessem que outros não estão sonegando e que suas contribuições estão indo para os bolsos dos mais pobres, e não para os dos que vivem de juros.

Sobre o autor

Fernando Nogueira da Costa, 50, professor associado do IE-Unicamp, coordenador da área de economia da Fapesp, é autor dos livros "Economia em 10 Lições" e "Economia Monetária e Financeira: Uma Abordagem Pluralista".

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Guia essencial para a Jacobin

A Jacobin tem divulgado conteúdo socialista em ritmo acelerado desde 2010. Eis aqui um guia prático para algumas das obras mais importantes ...