Reinaldo José Lopes
Repórter de ciência e colunista da Folha. Autor de "Homo Ferox" e "Darwin sem Frescura", entre outros livros
Repórter de ciência e colunista da Folha. Autor de "Homo Ferox" e "Darwin sem Frescura", entre outros livros
[RESUMO] O escritor e quadrinista britânico Alan Moore comenta em entrevista seu romance "Jerusalém", lançado agora no Brasil. Imenso quebra-cabeça em três volumes, o livro funde James Joyce, Teoria da Relatividade, realismo mágico latino-americano e a história familiar do autor para recriar um bairro popular inglês em que vivos e mortos (assim como passado, presente e futuro) se cruzam.
*
Alan Moore, como de costume, pariu um monstro.
"Jerusalém", obra de ficção mais ambiciosa do escritor britânico, é um pesadelo joyceano, uma teogonia da classe trabalhadora inglesa e um livro de aventuras mágicas para crianças ao estilo de "As Crônicas de Nárnia" —entre muitas outras coisas.
Com o espaço oferecido por 1.616 páginas e três volumes (na edição do livro que está prestes a chegar ao Brasil), é claro que fica mais fácil adotar esse caráter multiforme. Mas o romance de Moore, publicado originalmente em 2016, anuncia sua natureza de hidra de mil cabeças já nos primeiros capítulos.
Transições desorientadoras de momento histórico, de pontos de vista e de linguagem vão montando, peça por peça, um único quebra-cabeça sobrenatural. Aliás, é o caso de considerar o prefixo "sobre" da palavra de forma quase literal.
Alan Moore, como de costume, pariu um monstro.
"Jerusalém", obra de ficção mais ambiciosa do escritor britânico, é um pesadelo joyceano, uma teogonia da classe trabalhadora inglesa e um livro de aventuras mágicas para crianças ao estilo de "As Crônicas de Nárnia" —entre muitas outras coisas.
Com o espaço oferecido por 1.616 páginas e três volumes (na edição do livro que está prestes a chegar ao Brasil), é claro que fica mais fácil adotar esse caráter multiforme. Mas o romance de Moore, publicado originalmente em 2016, anuncia sua natureza de hidra de mil cabeças já nos primeiros capítulos.
Transições desorientadoras de momento histórico, de pontos de vista e de linguagem vão montando, peça por peça, um único quebra-cabeça sobrenatural. Aliás, é o caso de considerar o prefixo "sobre" da palavra de forma quase literal.
O escritor Alan Moore no distrito em que nasceu na cidade de Northampton (Inglaterra), onde se passa a história de seu romance "Jerusalém" - Reprodução |
Para narrar a interpenetração de passado, presente e futuro dos Boroughs (o distrito popular de Northampton, cidade onde Moore nasceu e vive até hoje), o autor imaginou o chamado Andar de Cima.
Trata-se de uma mistura caótica de Inferno, Purgatório e Paraíso, esparramado e espichado por cima dos Boroughs "físicos", em que as almas dos mortos de todas as épocas se misturam com anjos, demônios, sonhadores, usuários de drogas e pessoas com problemas mentais.
"Só quando estamos lendo as páginas tem ordem nelas. Quando o livro está fechado, todas as páginas ficam tão espremidas em centímetros de papel que não vão de verdade prum lado ou pro outro. Só tão ali", explica uma das habitantes do Andar de Cima, a menina que lidera a gangue de fantasmas juvenis conhecida como Bando de Mortos de Morte.
Nessa metáfora, cada página é o tempo individual de uma vida, enquanto o livro é a totalidade da existência. "Ao formular esse Além, tentei imaginar que tipo de recompensa eterna o pessoal quase sempre não recompensado dos Boroughs poderia receber sem se sentir desconfortável", contou Moore, 70, em entrevista à Folha.
"Minha sensação era que mármore, enfeites dourados, nuvens e corais celestiais intermináveis iam parecer meio classe média demais, e até intimidadores, para pessoas mais acostumadas com seus casebres desenxabidos e aconchegantes."
A solução foi recordar um eufemismo que Moore costumava ouvir sobre os defuntos quando era criança: "Fulano foi para o andar de cima". "Para mim, aquilo soava como se o Além também tivesse tapetes desgastados, rodapés lascados e camas e guarda-roupas anteriores à Segunda Guerra Mundial, como na minha casa", explica ele. "Essa impressão era reforçada quando os adultos me diziam que, quando trovejava, era porque os anjos estavam arrumando a mobília deles."
O escritor resolveu combinar essa concepção quase folclórica com a física relativística, inspirando-se na constatação de que o tempo é só mais uma das dimensões do Cosmos, intrinsecamente conectada às outras três dimensões do espaço. Por isso, a passagem do tempo pode ser enxergada como uma ilusão.
"Um dos grandes temas do livro é o conceito de Einstein a respeito de um ‘Universo em bloco’ eterno, no qual experimentamos a mesma vida repetidamente", diz Moore. "Percebi que, para descrever essa visão quadridimensional da existência, eu precisaria de um platô acima dela, talvez uma quinta dimensão, acima da qual observar tudo de forma completa."
É aqui que entra outro ingrediente crucial do caldeirão do britânico: não apenas a ambientação física e cultural dos Boroughs conforme ele estava crescendo, mas a própria história familiar do autor. O irmão mais novo de Moore, que costumava se meter em todo tipo de acidente quando era pequeno, certa vez se engasgou com uma bala e, segundo o que contava a família, "ficou morto" durante dez minutos antes de voltar a respirar.
Trata-se de uma mistura caótica de Inferno, Purgatório e Paraíso, esparramado e espichado por cima dos Boroughs "físicos", em que as almas dos mortos de todas as épocas se misturam com anjos, demônios, sonhadores, usuários de drogas e pessoas com problemas mentais.
"Só quando estamos lendo as páginas tem ordem nelas. Quando o livro está fechado, todas as páginas ficam tão espremidas em centímetros de papel que não vão de verdade prum lado ou pro outro. Só tão ali", explica uma das habitantes do Andar de Cima, a menina que lidera a gangue de fantasmas juvenis conhecida como Bando de Mortos de Morte.
Nessa metáfora, cada página é o tempo individual de uma vida, enquanto o livro é a totalidade da existência. "Ao formular esse Além, tentei imaginar que tipo de recompensa eterna o pessoal quase sempre não recompensado dos Boroughs poderia receber sem se sentir desconfortável", contou Moore, 70, em entrevista à Folha.
"Minha sensação era que mármore, enfeites dourados, nuvens e corais celestiais intermináveis iam parecer meio classe média demais, e até intimidadores, para pessoas mais acostumadas com seus casebres desenxabidos e aconchegantes."
A solução foi recordar um eufemismo que Moore costumava ouvir sobre os defuntos quando era criança: "Fulano foi para o andar de cima". "Para mim, aquilo soava como se o Além também tivesse tapetes desgastados, rodapés lascados e camas e guarda-roupas anteriores à Segunda Guerra Mundial, como na minha casa", explica ele. "Essa impressão era reforçada quando os adultos me diziam que, quando trovejava, era porque os anjos estavam arrumando a mobília deles."
O escritor resolveu combinar essa concepção quase folclórica com a física relativística, inspirando-se na constatação de que o tempo é só mais uma das dimensões do Cosmos, intrinsecamente conectada às outras três dimensões do espaço. Por isso, a passagem do tempo pode ser enxergada como uma ilusão.
"Um dos grandes temas do livro é o conceito de Einstein a respeito de um ‘Universo em bloco’ eterno, no qual experimentamos a mesma vida repetidamente", diz Moore. "Percebi que, para descrever essa visão quadridimensional da existência, eu precisaria de um platô acima dela, talvez uma quinta dimensão, acima da qual observar tudo de forma completa."
É aqui que entra outro ingrediente crucial do caldeirão do britânico: não apenas a ambientação física e cultural dos Boroughs conforme ele estava crescendo, mas a própria história familiar do autor. O irmão mais novo de Moore, que costumava se meter em todo tipo de acidente quando era pequeno, certa vez se engasgou com uma bala e, segundo o que contava a família, "ficou morto" durante dez minutos antes de voltar a respirar.
"Fiquei pensando em como escrever uma longa aventura em algum tipo de Além que pudesse aproveitar essa experiência de quase-morte, e percebi que isso seria uma oportunidade de descrever o reino em uma dimensão superior, do qual a narrativa precisava", explica.
Segundo essa lógica, o alter ego do autor na narrativa é a irmã do menino engasgado, a (futura) artista plástica Alma Warren —talvez o mais perto de uma protagonista que o romance é capaz de oferecer, apesar da multiplicidade de seu elenco de personagens.
E a avó paterna de Moore, Minnie May Vernon, aparece transfigurada como May Warren, uma defunteira ("deathmonger", em inglês), profissão tradicional dos Boroughs em que se misturavam as funções de parteira e responsável por preparar os defuntos para o funeral.
"Até onde sei, apenas nos Boroughs elas eram conhecidas como defunteiras. Não me recordo de ter visto alguma delas pessoalmente, mas de ouvir falar da profissão como um fenômeno da história recente do bairro", conta ele.
Tal como a narrativa como um todo, elas são figuras com um pé em cada limiar da vida e da morte, o que é simbolizado pelos dois tipos de avental que usavam: um todo negro, para lidar com os mortos, e outro branco, bordado com abelhas e borboletas, nos nascimentos.
Em parte, a história acompanha mais de um milênio de existência da cidade de Northampton, dos reinos medievais anglo-saxões ao século 21 e além, bem como os estranhos dons (ou maldições) que parecem ser passados de geração em geração nas famílias dos ancestrais de Moore.
Além disso, em imenso interlúdio, que corresponde aos dez minutos em que o pequeno Michael Warren permaneceu morto, o garoto e seus amigos do Bando de Mortos de Morte exploram a cosmologia barroca do Andar de Cima.
Por fim, no presente, Alma e Michael conversam sobre a nova exibição de arte da irmã, cujo objetivo é retratar o "sonho" de Michael quando ficou sem respirar, justamente o pedaço anterior da história. Uma saga sobrenatural que atravessa gerações da mesma família —haveria alguma conexão entre o trabalho de Moore e o realismo mágico latino-americano, como a obra de Gabriel García Márquez?
"Na verdade, pensando bem, não me parece uma má analogia", responde ele. "Claramente estou em dívida com muitos escritores no caso de 'Jerusalém' —[William] Blake, [John] Clare, [James] Joyce, a ficção científica da new wave inglesa dos anos 1960-70, mas eu diria que Márquez provavelmente está ali em algum lugar", diz ele, citando ainda escritoras recentes da ficção fantástica sul-americana, como as argentinas Mariana Enríquez e Samanta Schweblin.
"Acho que uma das muitas raízes de 'Jerusalém’ foi a minha sensação de que os pombais de apartamentos, áreas de demolição e terraços desleixados da minha infância mereciam ser enxergados por meio de algum tipo próprio de realismo mágico. Estou interpretando a expressão como uma tentativa de capturar um realismo mais amplo da existência humana, ao fazer com que a poesia estranha e inegável dessa existência se transforme numa parte válida da narrativa."
A torrente de influências se reflete em capítulos que incluem, entre outras coisas, um interlúdio poético, uma breve peça de teatro (em que alguns dos principais mistérios da trama ficam mais claros, aliás) e um monólogo interior de Lucia Joyce, filha do autor de "UIisses" que sofria de esquizofrenia e passou as últimas décadas de vida internada em Northampton.
Neste último caso, Moore imita os neologismos polissêmicos de James Joyce em "Finnegans Wake", numa passagem espinhosa pacientemente traduzida por Marina Della Vale. As cenas aventurescas, a experimentação linguística e a complexidade cosmogônica não apagam o fato de que "Jerusalém" é, em grande medida, uma elegia por um mundo desaparecido.
Trata-se de um mundo à margem dos centros de poder e riqueza do Reino Unido, que tinha construído sua própria lógica de sociabilidade e crenças. Décadas antes que se popularizasse o termo "gentrificação", os habitantes dos Boroughs já estavam sendo empurrados para fora do bairro de seus ancestrais em nome da especulação imobiliária ou de uma visão estreita de planejamento urbano.
A mostra organizada por Alma Warren, com base no "sonho" do irmão, é um tributo ao passado dos Boroughs, mas não consegue ir muito além disso —de modo geral, a vizinhança continua condenada a sumir, não importa o que ela faça.
Moore, porém, não enxerga desespero nessas cenas. "Tudo isso é algo que reflete como as minhas ideias mudaram nos dez anos que demorei para escrever o livro", diz ele. "Para começo de conversa, eu fui ficando muito mais irritado e cheio de desprezo com as forças políticas que tinham destruído tanto aquela área empobrecida quanto a classe de pessoas que a habitavam, de forma tão proposital, durante tantas décadas. E também fui ficando cada vez mais comprometido com a ação política direta na vizinhança."
Apesar da aposta no ativismo, porém, Moore afirma ter percebido que "salvar os Boroughs" era, no fundo, uma impossibilidade, e talvez nem fosse desejável.
"O que eu queria fazer era restaurar a atmosfera e a identidade genuinamente mágicas daquele lugar, do jeito que elas eram quando eu estava crescendo, de algum modo intacto e funcional. Mas quase toda essa atmosfera fugidia era gerada pelas pessoas específicas que eram os residentes dos Boroughs, e pelo momento histórico específico que todos nós estávamos vivendo. Sem eufemismos, aquelas pessoas e aquele momento foram embora e nunca vão voltar. Trata-se da simples mecânica da perda humana, e um livro não vai mudar isso, nem deveria", argumenta.
Mesmo assim, a capacidade de capturar a ascensão e queda da vizinhança do autor em forma narrativa seria a melhor forma de preservar esses elementos, sem cair na ilusão de que é possível embalsamá-los no mundo real, diz ele.
"Com 'Jerusalém', eu poderia usar os poderes mágicos de restauração e preservação que a arte tem, reerguendo os prédios desaparecidos e reanimando os moradores mortos dos Boroughs, transformando o bairro num navio de miniatura dentro de uma garrafa, para que a coisa mais importante dele, aquilo que ele significava, continuasse em segurança para sempre. É por isso que enxergo a conclusão do livro como algo triunfante."
Jerusalém
Preço R$ 350 (1.616 páginas); caixa com três volumes e um pôster Autoria Alan Moore Editora Veneta Tradução Marina Della Valle
E a avó paterna de Moore, Minnie May Vernon, aparece transfigurada como May Warren, uma defunteira ("deathmonger", em inglês), profissão tradicional dos Boroughs em que se misturavam as funções de parteira e responsável por preparar os defuntos para o funeral.
"Até onde sei, apenas nos Boroughs elas eram conhecidas como defunteiras. Não me recordo de ter visto alguma delas pessoalmente, mas de ouvir falar da profissão como um fenômeno da história recente do bairro", conta ele.
Tal como a narrativa como um todo, elas são figuras com um pé em cada limiar da vida e da morte, o que é simbolizado pelos dois tipos de avental que usavam: um todo negro, para lidar com os mortos, e outro branco, bordado com abelhas e borboletas, nos nascimentos.
Em parte, a história acompanha mais de um milênio de existência da cidade de Northampton, dos reinos medievais anglo-saxões ao século 21 e além, bem como os estranhos dons (ou maldições) que parecem ser passados de geração em geração nas famílias dos ancestrais de Moore.
Além disso, em imenso interlúdio, que corresponde aos dez minutos em que o pequeno Michael Warren permaneceu morto, o garoto e seus amigos do Bando de Mortos de Morte exploram a cosmologia barroca do Andar de Cima.
Por fim, no presente, Alma e Michael conversam sobre a nova exibição de arte da irmã, cujo objetivo é retratar o "sonho" de Michael quando ficou sem respirar, justamente o pedaço anterior da história. Uma saga sobrenatural que atravessa gerações da mesma família —haveria alguma conexão entre o trabalho de Moore e o realismo mágico latino-americano, como a obra de Gabriel García Márquez?
"Na verdade, pensando bem, não me parece uma má analogia", responde ele. "Claramente estou em dívida com muitos escritores no caso de 'Jerusalém' —[William] Blake, [John] Clare, [James] Joyce, a ficção científica da new wave inglesa dos anos 1960-70, mas eu diria que Márquez provavelmente está ali em algum lugar", diz ele, citando ainda escritoras recentes da ficção fantástica sul-americana, como as argentinas Mariana Enríquez e Samanta Schweblin.
"Acho que uma das muitas raízes de 'Jerusalém’ foi a minha sensação de que os pombais de apartamentos, áreas de demolição e terraços desleixados da minha infância mereciam ser enxergados por meio de algum tipo próprio de realismo mágico. Estou interpretando a expressão como uma tentativa de capturar um realismo mais amplo da existência humana, ao fazer com que a poesia estranha e inegável dessa existência se transforme numa parte válida da narrativa."
A torrente de influências se reflete em capítulos que incluem, entre outras coisas, um interlúdio poético, uma breve peça de teatro (em que alguns dos principais mistérios da trama ficam mais claros, aliás) e um monólogo interior de Lucia Joyce, filha do autor de "UIisses" que sofria de esquizofrenia e passou as últimas décadas de vida internada em Northampton.
Neste último caso, Moore imita os neologismos polissêmicos de James Joyce em "Finnegans Wake", numa passagem espinhosa pacientemente traduzida por Marina Della Vale. As cenas aventurescas, a experimentação linguística e a complexidade cosmogônica não apagam o fato de que "Jerusalém" é, em grande medida, uma elegia por um mundo desaparecido.
Trata-se de um mundo à margem dos centros de poder e riqueza do Reino Unido, que tinha construído sua própria lógica de sociabilidade e crenças. Décadas antes que se popularizasse o termo "gentrificação", os habitantes dos Boroughs já estavam sendo empurrados para fora do bairro de seus ancestrais em nome da especulação imobiliária ou de uma visão estreita de planejamento urbano.
A mostra organizada por Alma Warren, com base no "sonho" do irmão, é um tributo ao passado dos Boroughs, mas não consegue ir muito além disso —de modo geral, a vizinhança continua condenada a sumir, não importa o que ela faça.
Moore, porém, não enxerga desespero nessas cenas. "Tudo isso é algo que reflete como as minhas ideias mudaram nos dez anos que demorei para escrever o livro", diz ele. "Para começo de conversa, eu fui ficando muito mais irritado e cheio de desprezo com as forças políticas que tinham destruído tanto aquela área empobrecida quanto a classe de pessoas que a habitavam, de forma tão proposital, durante tantas décadas. E também fui ficando cada vez mais comprometido com a ação política direta na vizinhança."
Apesar da aposta no ativismo, porém, Moore afirma ter percebido que "salvar os Boroughs" era, no fundo, uma impossibilidade, e talvez nem fosse desejável.
"O que eu queria fazer era restaurar a atmosfera e a identidade genuinamente mágicas daquele lugar, do jeito que elas eram quando eu estava crescendo, de algum modo intacto e funcional. Mas quase toda essa atmosfera fugidia era gerada pelas pessoas específicas que eram os residentes dos Boroughs, e pelo momento histórico específico que todos nós estávamos vivendo. Sem eufemismos, aquelas pessoas e aquele momento foram embora e nunca vão voltar. Trata-se da simples mecânica da perda humana, e um livro não vai mudar isso, nem deveria", argumenta.
Mesmo assim, a capacidade de capturar a ascensão e queda da vizinhança do autor em forma narrativa seria a melhor forma de preservar esses elementos, sem cair na ilusão de que é possível embalsamá-los no mundo real, diz ele.
"Com 'Jerusalém', eu poderia usar os poderes mágicos de restauração e preservação que a arte tem, reerguendo os prédios desaparecidos e reanimando os moradores mortos dos Boroughs, transformando o bairro num navio de miniatura dentro de uma garrafa, para que a coisa mais importante dele, aquilo que ele significava, continuasse em segurança para sempre. É por isso que enxergo a conclusão do livro como algo triunfante."
Jerusalém
Preço R$ 350 (1.616 páginas); caixa com três volumes e um pôster Autoria Alan Moore Editora Veneta Tradução Marina Della Valle
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