3 de abril de 2020

A pandemia é um portal

Como o coronavírus ameaça a Índia – e o que o país, e o mundo, deveriam fazer depois

Arundhati Roy

Financial Times

Trabalhadores migrantes dirigem-se para uma auto-estrada que sai de Nova Deli, esperando regressar às suas aldeias de origem. Rajat Gupta/EPA-EFE/Shutterstock

Tradução / Quem consegue usar o verbo “viralizar”, hoje, sem um leve estremecimento? Quem ainda consegue olhar para alguma coisa – uma maçaneta, uma caixa de papelão, uma sacola com legumes – sem imaginar que ali fervilham aquelas borbulhas impossíveis de ver, não mortas, não vivas, cravejadas de espinhos, à espera do momento de grudar em nossos pulmões?

Quem concebe a possibilidade de beijar um desconhecido, de subir num ônibus ou de mandar o filho para a escola sem sentir um medo concreto? Quem concebe a possibilidade de um simples prazer sem antes avaliar o risco envolvido? Quem dentre nós não é epidemiologista, virologista, estatístico e profeta de araque? Que cientista ou médico não reza em segredo por um milagre? Que sacerdote não se deixa conduzir – secretamente, ao menos – pelo que diz a ciência?

E, ao mesmo tempo que o vírus prolifera, quem não fica maravilhado com o aumento dos cantos de passarinho nas cidades, com os pavões dançando nos cruzamentos e com o silêncio nos céus?

Nesta semana, o número de casos no mundo inteiro ultrapassou a casa do milhão. Mais de 50 mil pessoas já morreram. Se as projeções estiverem certas, esse número ainda vai chegar a centenas de milhares, talvez mais. O vírus se movimentou livremente pelas rotas do comércio e do capital, e a terrível doença que trouxe em sua esteira trancou os humanos em seus países, em suas cidades e em seus lares.

Porém, à diferença do fluxo do capital, esse vírus busca a proliferação, não o lucro, e por essa razão, inadvertidamente inverteu até certo ponto, a direção do fluxo. Zombou dos controles de imigração, da biometria, da vigilância digital e de todos os outros tipos de análise de dados, e golpeou com mais dureza – até aqui – as nações mais ricas e poderosas do mundo, levando a máquina do capitalismo a dar uma parada brusca. Temporariamente, talvez, mas pelo menos por tempo suficiente para que possamos examinar suas peças, fazer uma avaliação e decidir se queremos ajudar a consertá-la ou se preferimos sair em busca de uma máquina melhor.

Os mandarins que administram a pandemia gostam de falar em guerra. Não chegam nem sequer a usar a guerra como metáfora: usam-na literalmente. Mas, caso de fato se tratasse de uma guerra, quem estaria mais preparado para enfrentá-la que os Estados Unidos? Se os soldados da frente de batalha não precisassem de máscaras e luvas, mas de armas, bombas inteligentes, bombas antibunker, bombas nucleares, submarinos e bombardeiros, será que haveria escassez?

Noite após noite, em metade do planeta, alguns de nós assistem às coletivas de imprensa do governador de Nova York com um fascínio difícil de explicar. Acompanhamos as estatísticas e somos informados sobre os hospitais sobrecarregados em todo o território norte-americano, sobre o pessoal de enfermagem mal remunerado, exausto, forçado a confeccionar máscaras com sacos de lixo e velhas capas de chuva, correndo toda espécie de risco para socorrer os doentes. Somos informados sobre estados obrigados a disputar respiradores, sobre os dilemas dos médicos diante da necessidade de decidir qual paciente recebe um respirador e qual é abandonado à morte. E dizemos para nós mesmos: “Deus meu! Mas isso se passa nos Estados Unidos!”


A tragédia é imediata, real, épica, e se desdobra diante de nossos olhos. Mas não é nova. O que vemos são os destroços de um trem que há anos avança a toda velocidade, desgovernado. Quem não se lembra dos vídeos mostrando o “descarte de pacientes” – pessoas enfermas, ainda vestindo a roupa do hospital, de traseiro à mostra, sendo descartadas nas esquinas das cidades norte-americanas? Vezes sem conta as portas dos hospitais estiveram fechadas para os cidadãos menos afortunados dos Estados Unidos, sem que se levasse em conta sua saúde precária ou a intensidade de seu sofrimento.

Agora, não – pelo menos por enquanto. Porque agora, na era do vírus, a doença de uma pessoa pobre pode afetar a saúde de uma sociedade rica. E, no entanto, mesmo agora, Bernie Sanders, o senador que fez uma campanha incansável a favor da adoção de um sistema de saúde universal, tornou-se carta fora do baralho – inclusive para seu próprio partido – em sua tentativa de ser candidato à Presidência do país.

E o que dizer do meu país, meu pobre-rico país, a Índia, que vive pendurado em algum ponto entre o feudalismo e o fundamentalismo religioso, entre o sistema de castas e o capitalismo, governado por nacionalistas hindus de extrema direita?

Em dezembro, enquanto a China lutava contra a eclosão do vírus em Wuhan, o governo da Índia lidava com uma revolta em massa protagonizada por centenas de milhares de cidadãos, que protestavam contra a lei de cidadania antimuçulmanos, escandalosamente discriminatória, que fora aprovada pouco antes pelo Parlamento.

O primeiro caso de Covid-19 na Índia foi registrado em 30 de janeiro, alguns dias depois que Jair Bolsonaro, o honorável convidado de honra de nosso desfile do Dia da República, o destruidor da Floresta Amazônica e negacionista da Covid-19, deixou Nova Delhi. Mas havia coisas demais a fazer em fevereiro, para que o vírus ganhasse espaço no cronograma do partido dirigente. Havia a visita oficial do presidente Donald Trump, programada para a última semana do mês. A isca fora a promessa da presença de um público de 1 milhão de pessoas num ginásio esportivo localizado no estado de Gujarat. Coisas que exigiam dinheiro e uma quantidade enorme de tempo.

Depois, havia as eleições para a Assembleia de Delhi, que o Bharatiya Janata (Partido do Povo Indiano) estava fadado a perder caso não reforçasse seu jogo, o que fez, desencadeando uma campanha nacionalista hindu perversa, realizada na base do vale-tudo, recheada de ameaças de violência física e de fuzilamento dos “traidores”.

Mesmo assim, perdeu. Em seguida, porém, era preciso que os muçulmanos de Delhi, acusados como responsáveis por essa humilhação, fossem castigados. Grupos enormes de hindus armados, com apoio policial, investiram contra os muçulmanos nos bairros populares do nordeste de Nova Delhi. Casas, comércios, mesquitas e escolas foram queimados. Os muçulmanos, que esperavam o ataque, reagiram. Mais de cinquenta pessoas foram mortas, a maioria muçulmanos – e alguns hindus. Milhares foram para os campos de refugiados instalados em cemitérios locais. Corpos mutilados continuavam sendo retirados dos canais imundos, fétidos, que formavam a rede de drenagem, quando, finalmente, as autoridades do governo fizeram sua primeira reunião para tratar da Covid-19. Nesse momento, a maioria dos indianos ouviu pela primeira vez sobre a existência de uma coisa chamada higienizador de mãos.

Março também foi um mês agitado. As primeiras duas semanas foram dedicadas a tirar o Partido do Congresso do poder no estado de Madhya Pradesh, região central da Índia, e a instalar em seu lugar um governo do Bharatiya Janata. No dia 11 de março, a Organização Mundial da Saúde declarou a Covid-19 uma pandemia. Dois dias depois, em 13 de março, o ministro da Saúde declarou que o coronavírus “não é uma emergência sanitária”.

Enfim, no dia 19 de março, o primeiro-ministro Narendra Modi fez um pronunciamento à nação. Não havia feito direito o seu dever de casa. Guiou-se pelas cartilhas da França e da Itália. Falou-nos da necessidade de “distanciamento social” (coisa fácil de entender, para uma sociedade acostumada à prática do sistema de castas) e determinou que o dia 22 de março fosse a data do “toque de recolher público”. Nada disse sobre os planos de seu governo para enfrentar a crise, mas pediu às pessoas que aparecessem em suas sacadas, tocassem sinos e batessem panelas em homenagem aos trabalhadores da área da saúde.

Não mencionou que, até aquele exato momento, a Índia continuava exportando equipamentos de proteção e aparelhos respiratórios em vez de mantê-los no país para uso dos trabalhadores da área da saúde, dos hospitais.

Não há nada de surpreendente no fato de que o pedido do primeiro-ministro indiano tenha sido acolhido com grande entusiasmo. Houve passeatas com bateção de panelas, bailes e cortejos comunitários. Sem maiores distanciamentos sociais. Nos dias subsequentes, homens mergulharam em barris de esterco bovino sagrado e apoiadores do Bharatiya Janata promoveram festas para beber urina de vaca. Para não ficar para trás, muitas organizações muçulmanas declararam que o Todo-Poderoso era a solução para o vírus – e convocaram os fiéis a comparecer maciçamente às mesquitas.


No dia 24 de março, às oito horas da noite, Narendra Modi apareceu mais uma vez na televisão para anunciar que da meia-noite em diante a Índia inteira entraria em quarentena. Os mercados seriam fechados. Todos os meios de transporte, tanto públicos como privados, ficariam proibidos.

Disse que tomava essa decisão não apenas como primeiro-ministro, mas também na qualidade de membro mais velho da nossa família. Quem mais tem o poder de decidir – sem consultar os governos dos estados, que seriam obrigados a lidar com as consequências dessa ordem – que um país de 1,38 bilhão de pessoas deveria entrar em confinamento sem preparação alguma e num prazo de quatro horas? Seus métodos transmitem a impressão inequívoca de que o primeiro-ministro da Índia vê os cidadãos como uma força hostil que precisa ser emboscada e tomada de surpresa, mas que nunca merece confiança.

E a quarentena foi decretada. Muitos epidemiologistas e profissionais da saúde aplaudiram a iniciativa. Talvez estejam certos em teoria, mas certamente nenhum deles pode apoiar a calamitosa falta de planejamento e de preparativos que transformou o maior confinamento do mundo, o mais punitivo de todos, no exato oposto do que deveria ser.

O homem que adora espetáculos criou o maior de todos os espetáculos.

Diante dos olhos de um mundo consternado, a Índia se revelou em toda a sua vergonha – em sua brutal desigualdade estrutural, social e econômica, em sua cruel indiferença ao sofrimento.

O confinamento funcionou como uma experiência química que, de repente, ilumina coisas que estão escondidas. À medida que lojas, restaurantes, fábricas e a indústria da construção se imobilizavam, à medida que as classes abastada e média se enclausuravam em colônias protegidas por portões, nossas cidades e megalópoles começaram a expelir seus cidadãos da classe trabalhadora – os trabalhadores migrantes – como se fossem sobejos indesejados.

Enxotadas por seus empregadores e senhorios, milhões de pessoas pobres, famintas e sedentas, jovens e velhos, homens, mulheres, crianças, doentes, cegos, aleijados, sem ter para onde ir, sem transporte público disponível, começaram uma longa marcha de volta a suas casas nas aldeias natais. Andaram por dias a fio, para Badaun, Agra, Azamgarh, Aligarh, Lucknow, Gorakhpur – a centenas de quilômetros de distância. Alguns morreram no trajeto.

Sabiam que estavam voltando para casa porque assim retardariam a inanição. Talvez até soubessem que podiam estar levando o vírus consigo e que infectariam suas famílias, seus pais e avós que haviam ficado na aldeia, mas precisavam desesperadamente de um pingo de sentido de família, de abrigo e dignidade, tanto quanto de comida, senão de amor.

Enquanto andavam, alguns deles foram brutalmente espancados e humilhados pela polícia, encarregada de exigir obediência estrita ao toque de recolher. Rapazes foram forçados a se agachar e a sair pulando, feito sapos, estrada afora. Perto da cidade de Bareilly, um grupo foi obrigado a se aglomerar para, em seguida, ser alvo de mangueiradas de desinfetante.

Alguns dias depois, preocupado com a possibilidade de que a população em fuga espalhasse o vírus pelas aldeias, o governo fechou as divisas entre os estados, inclusive para pedestres. As pessoas que caminhavam havia dias foram então interceptadas e obrigadas a voltar para as cidades de onde haviam sido forçadas a sair, e a alojar-se em abrigos.

Os mais velhos relembraram o traslado de população realizado em 1947, quando a Índia foi dividida e nasceu o Paquistão. Com a diferença de que o êxodo desta vez era produto das divisões de classe, e não da religião. Além disso, os migrantes que estavam agora nas estradas não eram as pessoas mais pobres da Índia. Era gente que contava (pelo menos até então) com trabalho na cidade e lares para onde voltar. Os desempregados e os sem-teto ficaram onde estavam, nas cidades e no campo, onde uma situação de enorme carência vinha se aprofundando desde muito antes da ocorrência da tragédia de agora. Ao longo de todos aqueles dias terríveis, o ministro do Interior, Amit Shah, permaneceu ausente da cena pública.

Quando a marcha teve início, em Delhi, usei minha credencial de imprensa – de uma revista para a qual costumo escrever – para dirigir até Ghazipur, na divisa entre os estados de Delhi e Uttar Pradesh.

Era uma cena bíblica. Ou talvez não. A Bíblia não conheceu números tão exponenciais. O confinamento destinado a forçar o distanciamento físico tivera o resultado oposto – compressão física em escala inimaginável. Foi o que se observou nos vilarejos e cidades da Índia. As vias mais importantes podem estar vazias, mas os pobres estão apinhados em alojamentos, favelas, barracos.

Todos os andarilhos com quem falei estavam preocupados com o vírus. Contudo, o vírus era menos real, menos presente na vida deles que o espectro do desemprego, da inanição e da violência policial. De todas as pessoas com quem falei naquele dia, inclusive um grupo de costureiros muçulmanos que semanas antes havia sobrevivido aos ataques anti-islâmicos, um homem me disse as palavras que mais me perturbaram. Era um carpinteiro chamado Ramjeet, que pretendia andar até Gorakhpur, perto da fronteira com o Nepal.

“Vai ver que, quando Modiji resolveu fazer isso, ninguém havia contado a ele sobre nós. Vai ver que ele não sabe de nós”, disse.

“Nós” significa aproximadamente 460 milhões de pessoas.


Os governos estaduais na Índia (assim como nos Estados Unidos) demonstraram mais compaixão e mais visão diante da crise. Sindicatos, cidadãos privados e outros coletivos distribuem alimentos e rações emergenciais. O governo central foi lento em sua reação aos apelos desesperados por recursos feitos por essas entidades. Agora se verifica que o Fundo de Ajuda Nacional não tem verbas disponíveis. Ao mesmo tempo, dinheiro vindo de beneméritos abastece com fartura o PM-Cares, um fundo novo e um tanto misterioso, criado para enfrentar a pandemia. Começaram a aparecer refeições acondicionadas em embalagens com a fisionomia de Modi estampada.

Para completar, o primeiro-ministro compartilhou seus vídeos de ioga nidra, nos quais aparece, em desenho computadorizado, com um corpo incrível, repaginado e lépido, demonstrando ássanas de ioga para ajudar as pessoas a lidar com o estresse do isolamento.

O narcisismo é uma coisa profundamente perturbadora. Quem sabe um dos ássanas pudesse ser um ássana-pedido por meio do qual Modi pede ao primeiro-ministro francês que nos autorize a voltar atrás no complicadíssimo negócio da compra dos aviões de caça Rafale? Assim, poderíamos usar aqueles 7,8 bilhões de euros para financiar medidas emergenciais de que necessitamos desesperadamente para sustentar alguns milhões de pessoas famintas. Sem dúvida, o francês entenderia.

Com o isolamento entrando na segunda semana, as redes de abastecimento quebraram e os medicamentos e produtos essenciais já começam a faltar. Milhares de motoristas de caminhão continuam abandonados nas estradas, quase sem comida e quase sem água. Culturas agrícolas no pé, prontas para serem colhidas, vão lentamente apodrecendo.

A crise econômica está aqui. A crise política está em andamento. A grande mídia incorporou em tempo integral o assunto da Covid-19 à sua campanha tóxica contra os muçulmanos. O movimento missionário islâmico Tablighi Jamaat, que promoveu um encontro em Delhi antes do anúncio da quarentena, está sendo acusado de ser um “superdisseminador” do vírus. A acusação é usada para estigmatizar e demonizar os muçulmanos. A tônica predominante sugere que os muçulmanos inventaram o vírus e o espalharam deliberadamente, como uma forma de jihad.

A crise da Covid-19 ainda está por vir. Ou não. Não sabemos. Se e quando ela vier, podemos ficar certos de que será enfrentada com todos os preconceitos atuais a respeito de religião, casta e classe.

No dia em que escrevo (2 de abril), há na Índia quase 2 mil casos confirmados e 58 mortes. São números pouco confiáveis – quanto a isso não há dúvida –, pois lamentavelmente eles se baseiam em pouquíssimos testes. A opinião dos especialistas apresenta variações enormes. Alguns antecipam milhões de casos. Outros acreditam que as perdas serão muito menos significativas. É possível que nunca venhamos a conhecer os verdadeiros contornos da crise, mesmo no momento em que formos atingidos. A única coisa que sabemos é que a corrida aos hospitais ainda não começou.

As clínicas e hospitais públicos da Índia – que não têm condições de atender a quase 1 milhão de crianças que morrem anualmente de diarreia, subnutrição e outros problemas de saúde, as centenas de milhares de pacientes de tuberculose (um quarto do total mundial), a vasta população anêmica, desnutrida e vulnerável a incontáveis doenças menores que se revelam fatais – não terão condições de fazer frente a uma crise nos moldes da que a Europa e os Estados Unidos enfrentam neste momento.

Todo o serviço de saúde está mais ou menos paralisado, já que os hospitais foram direcionados ao atendimento do vírus. O centro de trauma do lendário Instituto de Ciências Médicas de Toda a Índia, em Delhi, está fechado, e as centenas de pacientes de câncer conhecidos como “refugiados do câncer” – assim chamados porque vivem nas vias do entorno desse imenso hospital – foram enxotados dali como gado.

As pessoas vão adoecer e morrer em casa. Talvez nunca cheguemos a conhecer suas histórias. Talvez essas pessoas nem sequer entrem nas estatísticas. Só podemos esperar que os estudos que dizem que o vírus gosta de frio estejam certos (embora outros pesquisadores tenham manifestado dúvidas quanto a essa afirmação). Nunca um povo desejou tanto e tão irracionalmente um verão indiano escaldante, punitivo.

Que coisa é essa que aconteceu conosco? É um vírus, certo. Em si e por si, sem mensagem moral. Mas, sem dúvida, é mais que um vírus. Alguns acreditam que é a maneira que Deus encontrou para nos levar de volta ao bom senso. Outros, que é uma conspiração chinesa para dominar o mundo.

Seja o que for, o coronavírus pôs os poderosos de joelhos e fez o mundo parar como nada mais seria capaz de fazer. Nossas mentes continuam atarantadas, desejando uma volta à “normalidade”, tentando costurar nosso presente a nosso passado e recusando-se a reconhecer a ruptura. Mas a ruptura está aí. E, no meio desse terrível desespero, ela nos oferece a oportunidade de repensar a máquina do apocalipse que construímos para nós mesmos. Nada poderia ser pior que uma volta à normalidade.

Historicamente, as pandemias forçaram os humanos a romper com o passado e a imaginar seu mundo a partir do zero. Esta não é diferente. Ela é um portal, uma passagem entre um mundo e o próximo.

Podemos optar por transpor esse portal arrastando atrás de nós as carcaças de nossos ódios e preconceitos, de nossa avareza, de nossos bancos de dados e de nossas ideias mortas, nossos rios mortos, nossas cidades enfumaçadas. Ou podemos transpô-lo com leveza, com pouca bagagem, prontos para imaginar um outro mundo. E prontos para lutar por ele.

Sobre a autora

O último romance de Arundhati Roy é "O Ministério da Felicidade Suprema".

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