8 de novembro de 2000

Acesso bancário

Fernando Nogueira da Costa


Há uma divisão social no país: os cidadãos com e os sem conta corrente, estes excluídos do mercado financeiro. Estima-se que somente cerca de 15% da população brasileira tem conta bancária -no máximo 25 milhões de pessoas. Na rede bancária nacional, em 1999, eram movimentadas 49,9 milhões de contas correntes e 44,8 milhões de contas de poupança, a grande maioria de clientes pessoas físicas. As pessoas jurídicas possuíam 4.360.461 de contas correntes e 448.210 depósitos de poupança. Verifica-se, então, que a clientela bancária deve ter, em média, mais de uma conta corrente. No ano passado, as contas correntes dos bancos gigantes -Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Bradesco, Itaú, Unibanco e Banespa- somavam cerca de 35,4 milhões.

Qual é o perfil socioeconômico dessa parcela da população cliente dos bancos? Basta cruzar os dados com os da distribuição de rendimento médio mensal das pessoas de 10 anos ou mais de idade, no Brasil, para perceber que eles privilegiam as contas correntes dos 10% mais ricos, que recebem 47,5% do total da renda. O rendimento médio mensal dessas pessoas era, em 1998, R$ 2.539 (quase 20 salários mínimos). Em torno de 60% do mercado composto pela "elite", os "batalhadores" e os "remediados" reside na região Sudeste.

O segmento que no Brasil tem 21 milhões de domicílios, com renda de até dez salários mínimos, é o alvo da missão social dos bancos públicos. A parcela com renda inferior a dois salários mínimos é composta de 10 milhões de domicílios de "desbancarizados". Dos com renda de dois a cinco salários mínimos, só 20% têm conta corrente. Os com renda de cinco a dez salários mínimos representam 22% da população e detêm 15% do PIB, porém são pouco sofisticados no uso do sistema bancário.

Um dos segmentos privilegiados pelos bancos privados representa 35% do PIB nacional e é composto de clientes com renda domiciliar de 10 a 30 salários mínimos e/ou de R$ 5.000 a R$ 30 mil em volumes de negócios. Cerca de 78% das suas famílias são "bancarizadas", possuem, em média, 2,9 produtos por cliente, 46% utilizam as centrais telefônicas, 10% utilizam "home banking". Outro segmento que recebe um tratamento personalizado possui acima de 30 salários mínimos de renda domiciliar e/ou mais que R$ 30 mil em volume de negócios. Esse é o mais expressivo em termos de retorno financeiro, consumindo em média quatro produtos. No mercado brasileiro, é constituído por 2 milhões de famílias com renda acima de 30 salários mínimos (representam 40% do PIB), das quais 92% são "bancarizadas", 65% têm nível superior e 40% já utilizam "home banking".

Na economia com pior concentração de renda do mundo desenvolvido e/ou em desenvolvimento, o mercado que realmente interessa aos bancos privados é excludente e concentrado, inclusive regionalmente. Lamentavelmente, no programa de privatização das instituições financeiras públicas, se concede uma significativa participação no disputado mercado bancário sem a exigência de os vencedores dos leilões se comprometerem com a manutenção do papel social histórico do banco público: o atendimento bancário da população e o financiamento do desenvolvimento nacional.

Percebe-se, assim, a ameaça social que representa mais um golpe de "privataria" financeira. Ao privilegiar interesses privados em desfavor dos sociais, o "Relatório de Alternativas para a Reorientação Estratégica do Conjunto das Instituições Financeiras Públicas Federais (IFPFs)", elaborado pelo consórcio Booz Allen & Hamilton Fipe/USP, sob encomenda do BNDES, desdenha esse papel social dos bancos públicos. A proposta de eliminar suas ações comercial e de acesso leva ao fechamento de suas agências. Atualmente, o país possui 5.612 municípios, 16.223 agências e 6.610 postos de atendimento bancário (PAB). No entanto, 73% da rede de agências localiza-se no Centro-Sul. Há 1.638 municípios sem atendimento bancário, 163 com PAB, mas sem agência, e 1.395 com uma única agência. Em outras palavras, 57% dos municípios já não despertam hoje interesse de atendimento bancário.

Só uma parcela mínima dos municípios de regiões mais pobres é atendida por bancos privados. Evidência disso é o fracasso nas tentativas de privatização dos bancos estaduais do Norte e Nordeste.

Causou surpresa o fato de, em pouco tempo, o pagamento de contas de água, luz, gás e telefone nas 6.500 lotéricas espalhadas pelo país representar 50% do total pago em todo o sistema bancário. A justificativa é que as casas lotéricas, em nome da CEF, deram acesso ao público de baixo poder aquisitivo. Existem 25 milhões de famílias no Brasil que não têm acesso a bancos, mas têm contas para pagar.

A dificuldade de acesso ao crédito bancário tradicional justifica a busca dos bancos públicos pela ampliação da "bancarização" da população, seja por meio da rede lotérica, seja dos Correios. A "desbancarização" foi o fator mais grave de concentração de renda, durante o longo regime de alta inflação, cindindo a população entre os que detinham o "dinheiro de pobre" e os que se protegiam com o "dinheiro (indexado) de rico". O apoio político às IFPF aumentará desde que atuem como "bancos dos pobres". Será uma revolução financeira dar prioridade ao microcrédito, dirigido aos pequenos empreendimentos de trabalho autônomo, e não ao grande capital.

Sobre os autores
Fernando Nogueira da Costa, 49, professor associado do Instituto de Economia da Unicamp e coordenador da área de economia da Fapesp, é autor dos livros "Economia em Dez Lições", "Economia Monetária e Financeira: Uma Abordagem Pluralista" e "Ensaios de Economia Monetária".

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