12 de agosto de 2024

Como os líderes do narco-Estado de Honduras se desentenderam com Washington

O ex-presidente de Honduras, Juan Orlando Hernández, foi preso nos EUA por tráfico de drogas. Mas o narco-Estado que ele governava foi um produto da política externa de Washinngton e do golpe apoiado por eles contra o governo de esquerda de Manuel Zelaya.

Klas Lundström

Jacobin

O ex-presidente de Honduras Juan Orlando Hernández sendo escoltado por membros das Forças Especiais da Polícia para ser extraditado para os Estados Unidos, para enfrentar acusações de ter recebido subornos de traficantes de drogas, em 21 de abril de 2022, em Tegucigalpa, Honduras. (Jorge Cabrera / Getty Images)

Tradução / No final de junho, as autoridades dos EUA condenaram o ex-presidente de Honduras, Juan Orlando Hernández, a quarenta e cinco anos de prisão, por uma série de acusações de conspiração envolvendo drogas e armas. Os promotores dos EUA consideraram o advogado e empresário convertido em político como o líder de um “narco-estado” onde os traficantes de drogas escapam da justiça graças a subornos, repressão e favores oficiais. Hernández jurou sua inocência — chamando o veredito de “errado e injusto”.

Hernández, um antigo aliado dos EUA, claramente caiu em desgraça com Washington. No entanto, isso não se deve ao seu histórico político de apoio a esquadrões da morte, corrupção flagrante, nepotismo, ou mesmo envolvimento com o tráfico de drogas — mas sim ao fato de que seu sucessor escolhido, o candidato do Partido Nacional Nasry Asfura, perdeu as eleições presidenciais de 2021. Com a oligarquia hondurenha expulsa do palácio presidencial, Hernández e seus aliados não puderam mais garantir proteção total para os interesses dos EUA.

Quando Hernández foi extraditado para os Estados Unidos em 22 de abril de 2022, o ex-diretor da polícia hondurenha já estava sob custódia dos EUA. Juan Carlos Bonilla, conhecido como “El Tigre”, treinado e educado em Fort Moore, Georgia, foi condenado a dezenove anos de prisão em um tribunal de Manhattan em 2 de agosto, o que trouxe mais constrangimento para seu antigo chefe.

Bonilla havia sido um torpedo “altamente confiável” leal ao clã Hernández. Segundo um comunicado do Departamento de Justiça, o presidente e seu irmão tinham “El Tigre” protegendo seus carregamentos de drogas enquanto também realizavam “missões especiais, incluindo assassinato” de um traficante rival. Ao comandar a polícia hondurenha, Bonilla também organizou o retorno dos esquadrões da morte, encarregados de “limpar socialmente” Honduras de ativistas ambientais, porta-vozes indígenas e jornalistas investigativos.

“Como chefe do congresso e depois presidente, Hernández foi a figura política mais poderosa do país por mais de duas décadas, mas seu governo foi tumultuado por acusações persistentes de corrupção entre membros de seu círculo íntimo, incluindo sua irmã e seu irmão, Juan Antonio ‘Tony’ Hernández”, escreveu a InSight Crime após a condenação de Hernández.

Quando Hernández deixou o cargo no início de 2022, o Partido Nacional perdeu o acesso ao poder em Honduras pela primeira vez em doze anos. Esta mudança para Honduras ocorreu por meio da mobilização eleitoral, e não devido à pressão dos EUA sobre seu aliado da América Central. Já em 2015, Washington deu um “sinal verde oficial” para a reforma do Supremo Tribunal de Hernández, o que abriu caminho para seu segundo mandato inconstitucional ao empossar juízes amigos.

Hernández iniciou seu segundo mandato em 2017 por cima de um monte de manifestantes mortos e atingidos por gás lacrimogêneo. Isso também só foi possível graças à fraude eleitoral flagrante. Por outro lado, ele foi abençoado pelo presidente dos EUA, Donald Trump, que chamou Hernández de “guerreiro contra as drogas” e uma mão amiga na interrupção e assédio aos migrantes a caminho dos Estados Unidos.

“Sem o apoio dos EUA para suas forças militares, a legitimação americana contínua de seu governo, e o dinheiro que ele estava recebendo dos traficantes de narcóticos, ele não poderia ter sobrevivido como presidente nem um único dia”, conclui a estudiosa de Honduras Dana Frank.

Menções ao envolvimento profundo e verificado de Washington na presidência ilegal e nas atividades criminosas de Hernández têm sido escassas na cobertura em torno de seu julgamento. O ex-presidente hondurenho era, no entanto, um produto da política externa dos EUA na América Central.

O legado de Hernández é uma desesperança e violência generalizadas que mantêm Honduras sob ameaça constante e forçam milhares de seus cidadãos a fugir para o norte, em direção aos Estados Unidos. Isso é um “recuo” para administrações sucessivas da Casa Branca que, por décadas, sustentaram políticos corruptos apoiados pelo capital dos EUA, saqueando os tesouros do Estado, para só intervir quando uma revolução social estava se formando, ameaçando o status quo econômico e político.

A posição geográfica e os recursos naturais de Honduras tornaram-na o que a NACLA chama de um “campo de testes perfeito para o imperialismo dos EUA.” Da mesma forma, a história do ex-presidente desonrado, Hernández, reflete uma ordem geopolítica na qual avançar na carreira política muitas vezes dependia da lealdade aos interesses dos EUA.

Tsunami de violência

Hernández entrou nos círculos de poder de Honduras em 2010, em um momento crucial da história contemporânea do país. Em 28 de junho de 2009, o presidente progressista Manuel Zelaya foi deposto à força por forças militares que invadiram o palácio presidencial na capital, Tegucigalpa. Zelaya foi sequestrado apenas com seu pijama e forçado a entrar em um avião que o expulsou para a Costa Rica.

Hernández consolidou seu lugar no círculo íntimo da junta militar apoiada pelos EUA que sucedeu Zelaya e nos governos neoliberais subsequentes, como presidente do Congresso Nacional e um conservador fervoroso e potente do Partido Nacional. Sua ascensão foi acompanhada pelo crescimento de uma rede dentro da esfera política e do crime organizado.

Quando foi eleito presidente em 2013, Honduras já havia se desintegrado como um Estado funcional. A nação centro-americana experimentou um tsunami de violência, com uma das taxas de homicídios mais altas do mundo e um influxo de armas e equipamentos alimentando grupos criminosos organizados que se beneficiam da crescente pobreza e violência.

As acusações de corrupção e desvio de verbas contra Hernández e seus parentes e aliados mais próximos não eram, naquele ponto, novas nem impensáveis para os formuladores de políticas dos EUA. Fora do cargo — e com Xiomara Castro, esposa do ex-presidente Zelaya deposto, eleita a nova presidente de Honduras em novembro de 2021 — o cerco se apertou rapidamente em torno de Hernández. Em abril de 2022, Castro aprovou sua extradição para os Estados Unidos.

Permanece a incógnita sobre o que a presidente Castro e sua administração farão para frear a enorme influência política e econômica dos grupos nacionais de criminosos organizados, adaptando o que os externos chamam de políticas “à la Bukele”, inspiradas pelo líder autoritário de El Salvador. A rede de aliados do ex-presidente Hernández dentro dos ramos político e judicial não conseguiu, no final das contas, impedir sua extradição para os Estados Unidos. Também é cedo para prever onde a comissão anticorrupção iniciada pela presidente Castro em Honduras (CICIH) chegará — e quão profundamente ela penetrará nas estruturas de poder hondurenhas.

Honduras pós-Hernández deve “enfrentar a luta contra o tráfico de drogas e o crime organizado de maneira abrangente, desmontando redes ilícitas, não apenas processando os chefões,” diz o grupo de defesa dos direitos humanos Washington Office on Latin America. “Como organizações criminosas, como redes de tráfico de drogas, acabam por ajustar suas estruturas para continuar operando, há uma necessidade crucial de um sistema de justiça criminal independente e de que o Ministério Público fortaleça sua capacidade de investigar, processar e erradicar esses grupos.”

A situação geral em Honduras “é tão ruim que muitas pessoas estão se deslocando de um lugar para outro pelo país na tentativa de escapar tanto dos grupos criminosos quanto da polícia militar,” escreve a Anistia Internacional. O triste é que muitas das misérias atuais de Honduras podem ser rastreadas até o golpe apoiado pelos EUA em 2009.

O golpe de 2009

No início de 2010 — seis meses após a destituição do presidente Zelaya e alguns anos antes de Hernández entrar no Palácio Presidencial em Tegucigalpa — visitei o que é conhecido como a Costa dos Mosquitos, perto da fronteira com a Nicarágua.

Eu havia vindo para aprender as reações ao golpe das pessoas que viviam ao longo da costa isolada e há muito esquecida, ao lado de florestas sem estradas — longe dos corredores políticos dos centros de poder em Tegucigalpa ou da vasta comunidade agropecuária na região central de Honduras, onde residia a oligarquia. Poucos se atreviam a falar com estranhos, muito menos com estrangeiros.

Aqueles que expressaram alguma opinião sobre um sistema político capturado por uma junta direitista com o apoio da administração Obama — sob um presidente então celebrado que acabara de receber o Prêmio Nobel da Paz — deixaram claro que “La Moskitia” estava sendo invadida por sul-americanos, coletivamente chamados de “Los Colombianos”, interessados em pescar e equipados com lanças modernas e telefones via satélite.

A população local sabia como decifrar os sinais no céu político. A política esquerdista da administração Zelaya tornou-se uma ameaça séria para a oligarquia hondurenha. Zelaya era culpado de crimes como subsídios para pequenos agricultores, aumento dos gastos com saúde e educação, duplicação dos salários mínimos para funcionários públicos, ações para reduzir o desemprego e vínculos públicos com outros governos da “Onda Rosa” na América Latina. Isso também desafiava a política externa dos EUA, estabelecida em 1823 como a “Doutrina Monroe”, na qual os jogadores de poder de Washington consideram o Hemisfério Ocidental como seu “quintal” sob controle.

Antes de ser deposto, Zelaya tentou colocar uma consulta não vinculativa nas cédulas de novembro. Os eleitores decidiriam se desejavam ver um referendo real (uma “Quarta Urna”) para reformar a constituição de 1982 de Honduras, que havia descentralizado o poder após um regime militar brutal. Uma nova constituição poderia significar a consolidação de algumas das reformas políticas de Zelaya, para a fúria da oligarquia hondurenha. Se isso era uma medida realmente democratizante ou uma tentativa de manter o poder por meio de candidatos intermediários continua sendo debatido entre os estudiosos.

“É importante notar que Zelaya não era elegível para concorrer naquela eleição,” diz Mark Weisbrot, codiretor do Center for Economic and Policy Research (CEPR). “Mesmo que ele tivesse conseguido tudo o que queria, era cronologicamente impossível para Zelaya estender seu mandato. Mas isso não impediu a extrema direita, tanto em Honduras quanto nos Estados Unidos, de usar acusações falsas de adulteração da constituição para justificar o golpe.”

O presidente Barack Obama e a secretária de Estado Hillary Clinton se recusaram a usar o termo “golpe militar” para descrever a realidade em Honduras, o que teria legalmente obrigado os EUA a interromper a ajuda externa. A Casa Branca não condenou a violência militar contra os civis que foram às ruas protestar pela destituição de Zelaya.

Washington tinha motivos políticos claros, como indicado em um cabo da embaixada para Clinton, que afirmava que “não há dúvida de que o exército, o Supremo Tribunal e o Congresso Nacional conspiraram em 28 de junho [2009] em um golpe ilegal e inconstitucional.”

Não há dúvida também de que os oficiais dos EUA tinham conhecimento do complô do golpe militar hondurenho em andamento. Apenas horas antes do sequestro de Zelaya à força, generais hondurenhos treinados pelos EUA participaram de uma festa organizada pelo adido de defesa da Embaixada dos EUA. Kenneth Rodriguez, comandante das forças dos EUA em Honduras, encontrou-se em particular com o líder do golpe, Romeo Vásquez Velásquez, naquela mesma noite.

É improvável que o pessoal do Exército dos EUA agisse por impulso e aceitasse o destino que aguardava o presidente Zelaya sem relatar a Washington através da Embaixada dos EUA. O país era, segundo a estudiosa de Honduras Dana Frank, “o primeiro dominó que os Estados Unidos derrubaram para contrariar os novos governos na América Latina.”

Como colocou o cientista político de Harvard Steven Levitsky, “Sinais de alerta soaram em todo o espectro político na América Latina.” Após Honduras, um golpe parlamentar ocorreu contra o presidente progressista do Paraguai, Fernando Lugo, em 2012, a presidente brasileira Dilma Rousseff foi afastada em 2015, e o atual presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, foi condenado a uma sentença de prisão, agora anulada em 2017.

Obama, aclamado como o presidente dos EUA de “esperança” e “mudança”, supervisionou todos os três golpes modernos que derrubaram governos de esquerda em favor de substitutos não democráticos, conservadores e simpatizantes aos EUA.

Longe das conspirações sussurrantes nas horas tardias de junho de 2009, pescadores ao longo da Costa dos Mosquitos de Honduras olham para trás com uma oportunidade perdida — um momento em que um novo caminho apareceu repentinamente, levando a uma nova vida, apenas para ser demolido e perdido.

“O governo de Zelaya não só trouxe Honduras de volta dos mortos,” diz outro pescador, “mas também nos devolveu nossa dignidade, roubada de nós ao longo de muitas décadas por políticos que só viam a política como uma forma de enriquecer a si mesmos.”

Em novembro de 2009, as “eleições” foram boicotadas por toda a oposição e pela maior parte dos eleitores. Elas foram precedidas pela repressão de jornalistas, ativistas ambientais e políticos de esquerda. Foi esse voto que levou José Porfirio “Pepe” Lobo ao poder. As coisas voltaram ao “normal”, e a posição de Honduras como aliado e cliente dos EUA foi restaurada. Mas apenas uma minoria do eleitorado foi às urnas.

Em La Moskitia, como os pescadores me explicaram, as coisas mudaram rapidamente para pior. A “pesca” aumentou — pelo menos para os novatos especializados em uma nova marca de iguaria chamada “enviados de Deus” ou “lagosta branca”: remessas de cocaína. Alguns locais conseguiram suas mãos nessas riquezas flutuantes.

“Havia uma velha no vilarejo que achava que era desodorante e o aplicava sob os braços enquanto se dirigia ao mercado,” disse uma fonte. “Mas ela era uma minoria. A maioria das pessoas vendeu as ‘lagostas’ e ficou rica da noite para o dia. Toda a estrutura social e a dinâmica de poder, não apenas aqui, mas em toda a costa atlântica, foram mudadas para sempre.”

A queda de Honduras na decadência política e na lei e na ordem foi rápida. A taxa de homicídios, que já era a mais alta do mundo, dobrou após o golpe, juntamente com um aumento na repressão política. Assassinatos de candidatos políticos opositores, defensores dos direitos à terra e ativistas LGBTQ aumentaram.

“Os feminicídios dispararam. A violência e a insegurança foram exacerbadas por um colapso institucional generalizado. A violência relacionada às drogas piorou em meio as alegações de corrupção desenfreada na polícia e no governo de Honduras,” lamentou Weisbrot. “Enquanto as gangues são responsáveis por grande parte da violência, as forças de segurança hondurenhas também se envolveram em uma onda de assassinatos e outros crimes contra os direitos humanos com impunidade.”

Traficantes

O condenado Juan Orlando Hernández está hoje à espera de uma longa sentença de prisão por contrabando de drogas para os Estados Unidos, em um caso que lembra o do ex-ditador e contrabandista de drogas do Panamá, Manuel Noriega — um aliado dos EUA pago pela CIA que Washington se virou contra em 1992 e foi extraditado.

Hernández também pode olhar para trás para um tempo em que chefiava a “guerra às drogas” liderada pelos EUA em Honduras com fundos que, entre muitas coisas, alimentavam milícias privadas que protegiam terras para Miguel Facussé, um oligarca hondurenho falecido, rotulado de “traficante de droga” em telegramas da Embaixada dos EUA já em 2004.

As propriedades de Facussé eram usadas como pontos de trânsito para contrabandistas de drogas ao longo da Costa dos Mosquitos. Isso pouco importava, pois ele estava do lado certo do espectro político; isso foi fatídico para o status quo que a administração Zelaya, com toda a seriedade, havia começado a abalar.

Poucos meses antes do golpe de 2009, a administração Zelaya havia chegado a um acordo com organizações de camponeses para iniciar uma “revisão de alto nível das transações de terras corruptas” no leste de Honduras, onde o império empresarial de Facussé, Dinant Corporation, é um produtor dominante de óleo de palma e agrícola. Administrações subsequentes puseram fim a esses projetos e, em vez disso, a Dinant Corporation recebeu um empréstimo multimilionário do Banco Mundial.

Os regimes pós-golpe de Honduras também se beneficiaram do trabalho das “Tropas de Choque” da Dinant Corporation, parcialmente financiadas por dólares anti-drogas designados. Eles tiveram carta branca para assassinar líderes camponeses e ativistas sociais nas mesmas regiões onde as unidades militares antidrogas treinadas pelos EUA operam.

Se Honduras já cruzou o limiar e se tornou um “estado falido” depende da perspectiva de quem você vê, de acordo com Dana Frank. O estado hondurenho funciona “perfeitamente bem para aqueles que o controlam.” Isso é, ela escreve, “os proprietários de terras e traficantes de drogas e oligarcas e corporações transnacionais e militares financiados e treinados pelos EUA, e os funcionários públicos corruptos que os servem.” Juan Orlando Hernández foi um deles que perdeu o apoio.

Colaborador

Klas Lundström é um repórter investigativo e escritor que mora em Estocolmo.

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