17 de setembro de 2001

O fim da sociedade aberta?

Terror na América - Frances Stonor Saunders sobre como a CIA tem a ganhar com a sua própria mudança

Frances Stonor Saunders

New Statesman

O ataque foi inesperado, brutalmente rápido, e "surpreendeu-nos como uma gigantesca bola de fogo dissonante na noite de nossa falsa segurança". Assim escreveu o diplomata americano David Bruce ao relembrar o ataque a Pearl Harbor em 7 de dezembro de 1941. Sua memória medonha foi revivida nesta semana, quando as torres do World Trade Center explodiram em chamas.

A comparação feita por comentadores entre os dois eventos alcançou um impacto imediato e óbvio: ambas as agressões foram de tal magnitude que ficaram gravadas na consciência nacional e sacudiram o país de sua inocência cultural (na América, a inocência cultural pode ser perdida, logo recuperada e depois perdida de novo).

Mas Pearl Harbor tinha outra lição surpreende a ser conferida. Apenas alguns meses antes do ataque aéreo japonês, o presidente Roosevelt havia se queixado de que "os informes dispersos que chegavam à sua mesa eram irremediavelmente confusos". Pearl Harbor iria fazer com que os custos desta confusão ficassem dolorosamente evidentes.

Durante as duas décadas anteriores de isolamento, os recursos da América para coletar e analisar informações sobre os governos e os exércitos de outros países haviam diminuído. A "inteligência", como tal, estava em mãos de departamentos militares que contavam com seus próprios e estreitos campos de interesses. Dentro do Serviço Exterior do Departamento de Estado (State Department Foreign Service) os diplomatas haviam retornado a seu estilo habitual, conversar com os ministros das Relações Exteriores e outros embaixadores para obter informações.

Uma consequência direta de Pearl Harbor foi a criação de una agência central de inteligência. William "Will Bill" Donovan foi o arquiteto e diretor do chamado Escritório de Estudos Estratégicos (OSS, Office of Strategic Services). Donovan destacou que a primeira preocupação da América deveria ser a defesa contra inimigos estrangeiros. O mandato, declarou seu vice (e futuro diretor da CIA) Allen Dulles, era "limpar o mundo de bandidos".

Em tempos de guerra, o Escritório de Serviços Estratégicos teve um bom desempenho, e no final de 1944, William Donovan, a pedido de Roosevelt, apresentou um memorando secreto que definia a criação de um serviço de inteligência permanente. O informe foi vazado para a imprensa pelo incansável inimigo da OSS, o diretor do FBI, Edgar J. Hoover. Sua tática foi bem sucedida. Seguiu-se um alvoroço no Congresso, e a Casa Branca ordenou que todo o assunto fosse postergado. Uma semana depois, o presidente morreu. Seu sucessor, Harry Truman, não queria fazer parte de uma Gestapo "em tempos de paz", e emitiu uma ordem de dissolução do OSS.

Depois de uma intensa campanha de William Donovan, Truman finalmente cedeu e criou o Grupo Central de Inteligência (Central Intelligence Group) em 22 de janeiro de 1946. Como o próprio nome sugere, "inteligencia" seria a função básica da agência. A Divisão de Inteligência era, e ainda é, responsável por recolher, analisar e avaliar a informação procedente de todas as fontes, assim como por elaborar relatórios de inteligência sobre qualquer país, pessoa ou situação para o presidente e para o Conselho de Segurança Nacional, o principal grupo consultivo do presidente sobre política exterior e de defesa. Toda a informação - militar, política, econômica, científica ou industrial - é grão para o moinho desta divisão. É organizado por seções geográficas servidas por especialistas residentes de quase todas as profissões e disciplinas.

Mas que inteligência neste super campus produziu ao longo dos anos? Em junho de 1950, as forças comunistas do Norte invadiram a Coréia do Sul. AA CIA não conseguiu adquirir qualquer aviso prévio desta agressão. Mais recentemente, ela não conseguiu alertar sobre o sequestro e destruição do voo 103 da Pan Am, ou os ataques a embaixadas americanas no Quênia e na Tanzânia. Talvez tenha estado ocupada demais instalando uma sucessão de regimes militares repressores liderados por neonazistas (Grécia, 1949), monarquistas ultraconservadores (Irã, 1953), ditadores com esquadrões da morte (Guatemala, 1954) ou pro-falangistas (Líbano, 1959), ao mesmo tempo que também apoiava decididamente regimes racistas tais como o Governo da África do Sul (recentes revelações demonstram que foi a CIA a primeira que entregou Nelson Mandela à policia sul-africana para que o encarcerasse). Além disso, e infringindo seu próprio estatuto, que proíbe a atividade em solo doméstico, espionou e assediou dezenas de milhares de cidadãos americanos.

Mergulhada por denúncias sucessivas de seus fracassos espetaculares, e desorientado pelo fim da guerra fria para cuja luta inicialmente havia sido criada - e cujo desenlace também não conseguiu prever -, a CIA tem lutado para manter sua credibilidade no Congresso. "Como Dorothy Parker e as coisas que ela disse, a CIA obtêm reconhecimento ou acusações tanto pelo que faz como por muitas coisas que nem sequer pensou em fazer", um agente da CIA reclamou uma vez. Pelo que deixou de pensar, agora certamente cabeças vão rolar nos mais altos níveis do incompetente serviço de inteligência da América (e isso inclui o ciumento irmão mais velho da CIA, o FBI)

Perguntado durante uma entrevista do Pentágono, na terça à tarde, se o Governo tinha qualquer ideia de que esse tipo de ataque pudesse contra alvos americano pudesse ocorrer, Donald Rumsfeld, secretário de defesa dos EUA, respondeu laconicamente: "Não discutimos questões de inteligência". Exatamente. "Sigilo", escreveu Malcolm Muggeridge em O Bosque Infernal "é tão essencial à inteligência como parâmetros e incenso para a missa..., e deve ser mantido a toda custa, independentemente se serve ou não para algo". Os civis americanos pagaram um preço alto pelo secreto que custeiam com seus salários. Civis americanos pagaram um preço muito pesado para o sigilo financiada por seus cheques de pagamento. Se as persianas estão caindo sobre a sociedade aberta, é melhor que compense.

Frances Stonor Saunders é autora de Quem pagou a conta? A CIA na guerra fria da cultura (Record, R$ 79,00)

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