9 de novembro de 2000

Um livro

Paulo Nogueira Batista Jr.

Folha de S.Paulo

Na segunda-feira passada, chegou às minhas mãos o meu novo livro, "A Economia como ela é...". Eu sei, leitor, que não há nada de excepcional em publicar um livro nos dias de hoje. Políticos, economistas, jornalistas, atrizes, proprietários de circo, dançarinas de ventre, enfim, toda uma variada fauna acredita ter uma mensagem a oferecer ao distinto público e encontra, sem grande dificuldade, meios de chegar à página impressa.

Antigamente, era diferente. Ter um livro publicado era uma honra e uma distinção. Quando um autor passava na rua, as pessoas cochichavam, reverentes: "Aquele lá tem livro publicado, tem livro publicado!". E o autor, mesmo que de um único e solitário opúsculo, desfilava, tranquilo, orgulhoso da sua condição de escritor impresso.

O tempo passou e o livro se trivializou. É cada vez maior o número de escritores e menor o número de leitores.

Se tiver um mínimo de sensibilidade, o sujeito que resolve lançar um livro tem que se explicar direitinho, quase deve pedir desculpas.

Bem. Preliminarmente, posso dizer que em 20 anos de atividade como economista e pesquisador, e descontadas as obras em co-autoria, só havia publicado dois livros até agora. Não abusei, portanto.

E acredite, leitor, nem sempre é fácil escrever um livro e assegurar que ele seja editado corretamente. De todos os meus livros, o que mais me custou foi, sem dúvida, este último, que será lançado em São Paulo na próxima segunda-feira à noite, na livraria Cultura, e no Rio, na livraria Argumento do Leblon, na segunda seguinte, dia 20.

Foi um parto difícil. O drama começou com a escolha da editora errada, a Revan, do Rio de Janeiro, que tratou de forma extraordinariamente incompetente e desleixada o meu pobre e indefeso livro. Revi e corrigi as provas durante meses e meses. A editora cometia e repetia uma montanha de erros, misturava arquivos, alterava o texto sem avisar o autor. Quase me levou à loucura.

Um exemplo cômico foi a insistência em trocar a expressão rodriguiana "idiotas da objetividade" por "idiotas da juventude", algo que poderia me incompatibilizar com toda uma nova geração de leitores. Por alguma razão misteriosa, o erro era corrigido e reaparecia em provas subsequentes, quem sabe se por alguma auto-referência inconsciente da jovem equipe da Revan.

Depois de meses de desacertos e adiamentos, briguei com a editora e a publicação voltou à estaca zero. Alguns amigos, solidários com as minhas agruras, se prontificaram a me ajudar a encontrar uma boa editora. E, lá do céu, vendo que eu já havia padecido o bastante, Deus resolveu finalmente me colocar no caminho certo.

Conheci a Ivana Jinkings, dona da Boitempo Editorial, que se interessou imediatamente pelo trabalho. A Ivana era a editora ideal para um autor traumatizado. Cuidou pessoalmente do livro, com carinho e dedicação.

A troca de editora atrasou a publicação mais alguns meses. Mas valeu a pena. O livro foi reestruturado e submetido a novas atualizações e revisões. Aproveitei para incluir material novo de pesquisa, ainda inédito, que ficara pronto nesse meio tempo.

Graças à Ivana, o livro ficou uma beleza. Foi tudo checado e rechecado, nos mínimos detalhes. A uma certa altura do trabalhoso processo de revisão e correção, a Ivana comentou: "O pior é que ninguém vai reparar nesse cuidado todo que estamos tendo".

Quem sabe? A verdade é que nós tivemos um esmero de artesão de catedral gótica medieval. Os restauradores do século 20 descobriram maravilhados que, nos pontos mais altos e inacessíveis das catedrais góticas, os artesãos haviam ornamentado as construções com detalhes rigorosamente invisíveis de qualquer ponto do chão ou das galerias. Era um trabalho de amor e fé, que jamais seria contemplado por ninguém, feito pelo artista para Deus e para si.

Mas repare, leitor, que o bonito dessa história é que, séculos e séculos depois, os restauradores modernos redescobriram, afinal, os detalhes ocultos do trabalho desses artesãos anônimos.

Vamos parar por aqui. Percebo que, no meu entusiasmo de ex-autor traumatizado, estou exagerando na comparação.

Quero dizer apenas que o livro recapitula e sistematiza um pouco as minhas lutas e polêmicas dos anos recentes. Conta a história de uma batalha geralmente inglória contra as tendências dominantes no pensamento e na política econômica do país.

Desse esforço talvez se possa dizer, "mutatis mutandis", o que disse François Truffaut do seu filme-livro "O Homem que Amava as Mulheres": de todas essas peripécias e controvérsias, ficará de qualquer modo alguma coisa, um traço, um testemunho, um objeto retangular, 426 páginas em brochura -um livro.

Sobre o autor

Paulo Nogueira Batista Jr., 45, economista e professor da Fundação Getúlio Vargas-SP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A Economia como ela é..." (Boitempo Editorial. E-mail: boitempo@ensino.net).

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Guia essencial para a Jacobin

A Jacobin tem divulgado conteúdo socialista em ritmo acelerado desde 2010. Eis aqui um guia prático para algumas das obras mais importantes ...